5 de setembro de 2011

Patrocinador do ócio intelectual

Patrocinador do ócio intelectual
Geocentelha 338

Considero o Código Florestal atual e futuro bem propositado, mas não me furto ao dever de apontar suas principais falhas de fundamentação técnica e de lógica. Estimulado com a ação do colega Álvaro Rodrigues dos Santos (São Paulo) nesta luta, solicitando aos senadores, em artigo de jornal de grande circulação, que excluam a aplicação do Código Florestal ao meio urbano, por razões técnicas poderosas que levanta, volto ao assunto. Afinal não sou o João Batista que prega sozinho no deserto. Com efeito, por melhor que fosse a qualidade da redação do Código, feito para o meio rural, constitui evidente impropriedade de técnica legislativa estender sua aplicação ao meio urbano sem um mínimo de adaptação (considerando que as exceções abertas são meras tentativas de embelezar Quasímodo) .

Tenho defendido a tese de que as leis de gestão territorial constituem meio, exatamente para não caírem em contradições completamente absurdas. Nem vou pontuar mais uma vez pormenores técnicos, mas apresento dois de lógica simples, já repetidos em conversas ou escritos: Se, por hipótese trocarmos de base territorial com a América espanhola, mandaremos demolir, entre outras coisas, as cidades do México, Bogotá e La Paz,  situadas muito acima da famigerada cota 1800 metros? Esquecemo-nos de vez da história da humanidade na passagem em que o motivo da admiração, talvez com um pouco de inveja, do sábio grego pelo desenvolvimento da civilização egípcia, fê-lo cunhar a famosa frase “o Egito é uma dádiva do Nilo”? E olhando para o famoso rio e seu delta ramificado, aprendemos que grande parte do enchimento de seus celeiros vinha exatamente de terrenos aqui classificáveis como áreas de preservação permanente?

Mas há coisa muito pior sobre a qual tenho insistido. Além de ser um meio, a forma da lei deve buscar o estímulo à reflexão e à experimentação científicas. E fico completamente desesperado imaginando pesquisadores preparadíssimos dos órgãos estatais de pesquisa e extensão limitando seus experimentos ao que a lei-fim permite. É pior, caro leitor, do que isto. Leiamos cruzados o Código Florestal com a lei dos crimes ambientais. Essa leitura foi feita por todos os profissionais dos dois lados do balcão. Do lado público engenheiros, geólogos, biólogos, em geral bem formados, são condenados ao ócio intelectual patrocinado e do lado privado a decepção por verem suas ferramentas de trabalho perderem inteiramente a utilidade por absoluta dispensa de aplicação. E a população, que, se atenta, simplesmente assistirá os projetos de reabilitação de áreas degradadas, de redução do gravíssimo risco geológico urbano, de correção das insalubridades naturais ou antrópicas deixarem de ser feitos simplesmente, sem ser avisada (direito constitucional pétreo, se querem) dos riscos que correrá, porque o ócio forçado pode fazer o agente público esquecer-se de que esse aviso ele jurou passar ao povo.   



Belo Horizonte, 25 de agosto de 2011



Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.

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