Patrocinador do ócio intelectual
Geocentelha 338
Considero o Código Florestal atual e futuro bem propositado,
mas não me furto ao dever de apontar suas principais falhas de fundamentação
técnica e de lógica. Estimulado com a ação do colega Álvaro Rodrigues dos
Santos (São Paulo) nesta luta, solicitando aos senadores, em artigo de jornal
de grande circulação, que excluam a aplicação do Código Florestal ao meio
urbano, por razões técnicas poderosas que levanta, volto ao assunto. Afinal não
sou o João Batista que prega sozinho no deserto. Com efeito, por melhor que
fosse a qualidade da redação do Código, feito para o meio rural, constitui evidente
impropriedade de técnica legislativa estender sua aplicação ao meio urbano sem
um mínimo de adaptação (considerando que as exceções abertas são meras
tentativas de embelezar Quasímodo) .
Tenho defendido a tese de que as leis de gestão territorial
constituem meio, exatamente para não caírem em contradições completamente
absurdas. Nem vou pontuar mais uma vez pormenores técnicos, mas apresento dois
de lógica simples, já repetidos em conversas ou escritos: Se, por hipótese
trocarmos de base territorial com a América espanhola, mandaremos demolir,
entre outras coisas, as cidades do México, Bogotá e La Paz, situadas
muito acima da famigerada cota 1800 metros? Esquecemo-nos de vez da
história da humanidade na passagem em que o motivo da admiração, talvez com um
pouco de inveja, do sábio grego pelo desenvolvimento da civilização egípcia,
fê-lo cunhar a famosa frase “o Egito é uma dádiva do Nilo”? E olhando para o
famoso rio e seu delta ramificado, aprendemos que grande parte do enchimento de
seus celeiros vinha exatamente de terrenos aqui classificáveis como áreas de
preservação permanente?
Mas há coisa muito pior sobre a qual tenho insistido. Além
de ser um meio, a forma da lei deve buscar o estímulo à reflexão e à
experimentação científicas. E fico completamente desesperado imaginando
pesquisadores preparadíssimos dos órgãos estatais de pesquisa e extensão
limitando seus experimentos ao que a lei-fim permite. É pior, caro leitor, do
que isto. Leiamos cruzados o Código Florestal com a lei dos crimes ambientais.
Essa leitura foi feita por todos os profissionais dos dois lados do balcão. Do
lado público engenheiros, geólogos, biólogos, em geral bem formados, são
condenados ao ócio intelectual patrocinado e do lado privado a decepção por
verem suas ferramentas de trabalho perderem inteiramente a utilidade por
absoluta dispensa de aplicação. E a população, que, se atenta, simplesmente
assistirá os projetos de reabilitação de áreas degradadas, de redução do
gravíssimo risco geológico urbano, de correção das insalubridades naturais ou
antrópicas deixarem de ser feitos simplesmente, sem ser avisada (direito
constitucional pétreo, se querem) dos riscos que correrá, porque o ócio forçado
pode fazer o agente público esquecer-se de que esse aviso ele jurou passar ao
povo.
Belo Horizonte, 25 de agosto de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.
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