1 de dezembro de 2011

Roleta japonesa

Roleta japonesa [1]
Geocentelha 342

 Todos sabemos da roleta russa. Na versão trágico-romântica, oficiais faziam disputa temerária: Colocava-se uma bala na câmara, girava-se o tambor e atirava-se apontando para o próprio ouvido. Noutra versão isto era feito por condenados, que tinham aí oportunidade de ganhar a vida ou a liberdade. Se a bala tivesse parado na direção do cano, tínhamos o suicídio, acidente, como queiram. Assustados com isso, lembremos os famosos pegas com veículos e motos em versão nossa da roleta. Os japoneses têm versões de algo parecido, não bastasse sabermos dos pilotos-camicase da guerra, que lançavam seus aviões sobre alvos americanos, sem probabilidade alguma de escaparem. Na gastronomia sofisticada restaurantes servem caríssimo peixe, portador de veneno violentíssimo, retirado por especialistas no preparo. Acidente que pode ser fatal ocorre quando, por descuido ou imperícia, o veneno vai com o peixe servido.

Fiquei admirado não só com a ordenada disciplina dos japoneses nos dias seguintes ao terremoto que vitimou Sendai, mas também com a rapidíssima reconstrução em curso. Comparo com a lentidão das nossas reconstruções, com auxílios materiais a Nova Friburgo ainda não distribuídos, apodrecidos, talvez desviados, enquanto localidade do Japão já devolveu doações internacionais não utilizadas. Admirável!

Há contudo uma espécie de fatalismo japonês sobre o qual faço observações. Verifico pelo Google Earth que muitas cidades japonesas estão temerariamente implantadas ao nível do mar com folga comum da ordem de poucos metros. É verdade que há guarnições sob a forma de quebramares. Recorro a Bolt e outros (Geological Hazards, Springer Verlag, N. York, 1975, p. 133) onde vejo lista dos grandes tsunamis, que começa no Mediterrâneo com a destruição da civilização minoica em Creta provocada pela erupção de Santorini e consequente tsunami; continua no Atlântico (sim, senhores), com o tsunami que atingiu Lisboa em 1755; Índico e Pacífico (Java, Havaí, Peru-Chile, Alasca, Japão). No Japão destaque para um de 1896 que atingiu mais de 20 metros de altura e matou mais de 26.000 pessoas. Por que o Japão continua a urbanizar a orla baixa, com defesas precárias representadas por quebramares baixos? Talvez o revólver esteja apontando para ouvido alheio... Tsunamis podem ser erráticos, mas sempre ocorrerão; as cidades almejam a eternidade e estarão sempre lá. Haverá sempre uma no caminho de um deles. Nada impediria que o assentamento observasse folga mínima de pelo menos uns 20 metros. Quem tem tecnologia de edificações sismorresistentes tão desenvolvida, poderia gerar essa folga de 20 metros com aterros de resíduos e de desassoreamento de rios. Afinal acabaram de construir aeroporto em ilha artificial com material dragado do mar! Bolt e outros citam sistema de alerta transpacífico desde os anos 50. Na abramos mão deles, mas apenas como recurso auxiliar. De madrugada, pouco podem.



Belo Horizonte, 12 de novembro de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 01/12/2011; p. 19