27 de novembro de 2010

Chuvas dão surra na arrogância dos governantes

Chuvas dão surra na arrogância dos governantes [1]
Geocentelha 320

Saía para viagem à divisa Minas-Rio às 5:20 do dia 22/11. Chovia copiosamente. No percurso para apanhar um colega, minhas hipóteses de alagamento eram a Antônio Carlos com Américo Vespúcio/Bernardo Vasconcelos, ponto baixo do Anel Rodoviário a montante da UFMG e na Betânia. Acabei passando normalmente. Retornei no dia 24 de Além-Paraíba, encontrando o rio Pomba muito cheio com alagamentos entre Cataguases e Astolfo Dutra. Não pudera acompanhar senão por telefone as notícias de Belo Horizonte. Reflito pois mais genericamente: Qual é a chuva que mais inunda? É a que ocorre sob as seguintes circunstâncias: Chuva muito intensa, coroando período prolongado de chuvas intensas e contínuas. No caso, essa chuva, mesmo não excepcional, encontra o sistema geológico saturado, não receptivo, e a água passa em frente, sem infiltrar-se. É assim no mundo inteiro, com gravidade maior nos países das monções pela excepcionalidade das precipitações, da ordem de 10 vezes a intensidade em Belo Horizonte, e nos eurocentrados, Brasil incluído, por causa da Gestão. O Mississipi teve as piores inundações num período desses a jusante dos criminosos diques laterais inventados pelos franceses, que, alegadamente para proteger cidades marginais, forçam as águas a seguirem mais rapidamente rio abaixo.

Na base do faça como eu, que fiz eu? Residi sempre em lugares suficientemente elevados em relação aos leitos fluviais. Nos deslocamentos pela cidade, de carro, em tempo chuvoso, evito as vias ditas sanitárias e penso em pontos baixos como os acima citados; estando numa dessas vias em chuva inesperada, procuro dela sair o mais rápido possível; quando minhas filhas começaram a dirigir, recomendei enfaticamente a elas procederem assim, buscando sempre que possível vias transversais subindo. Numa chuva excepcional em que a cidade temerariamente ocupou os pontos mais baixos do terreno, como é notório no Brasil, chego a “torcer” para que bocas de lobo altas estejam em parte entupidas, porque o incômodo assim compartilhado pode salvar vidas!

Num país diverso como o Brasil as arrogantes legislações sanitária e ambiental apoiadas secularmente no pedestal da ignorância sobre as condições geológicas e até sobre processos completamente independentes do fator geológico, inflexíveis, conseguem complicar mais ainda a questão. Como profissional, que faço? Fiel a meus deveres perante a sociedade, tenho defendido sempre o espírito da lei, quando bom, mas combatendo incansavelmente, creiam, o texto burro e inflexível, gerador de efeito oposto ao pretendido, lamentando não ter agora em meu auxílio a verve inigualável de Nelson Rodrigues, cronista do cotidiano, adepto de nossa alegria de viver, de nossa genialidade futebolística, mas crítico cáustico de nossas irresponsabilidades sociais, por ele atribuídas aos “lorpas da objetividade”. Caro leitor: Se a lei dispensa que pense, por amor do que preza, pense!



Belo Horizonte, 25/11/10

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.



O Tempo; Opinião; 27/11/10; p .21


12 de novembro de 2010

O País que Espera Dilma

O País que Espera Dilma [1]
Geocentelha 316

Em 2002 escrevi o artigo “O país que espera Lula” (http://www.geolurb.blogspot.com/). Outro país agora espera Dilma. Falei de questões territoriais na crista da onda, o desmatamento na Amazônia, e o Aquífero Guarani, apresentado como novidade, embora familiar aos geólogos desde o século XIX; coisas opostas, uma ameaça sobre a natureza e uma promessa da natureza.  O país mudou e Lula jogou papel saliente nas mudanças, em verdade confundindo-se umas em que seu protagonismo foi decisivo com outras em que, hábil, ele terá roubado a cena. Geologicamente o pré-sal é descoberta que começou ainda quando eu estava na Petrobrás, onde em 1972 acompanhei a perfuração de poço que testava estruturas de domos de sal ao largo de São Sebastião. Poucos se lembram do aquífero Guarani, ofuscado pelo pré-sal, embora continue tão importante quanto foi.  

Temas de raízes ou conexões geológicas estão aí. Na ocasião falei em transposições, e veio uma contra conveniências geológico-territoriais flagrantes. Por falar de temas geológicos, lembro que assisti estarrecido à concessão do prêmio Nobel da Paz por um livro mais inconveniente do que a suposta verdade que nele se proclama. Lembro-me também do destaque dado ao disparate geológico-ambiental, no plano simbólico, do enterro de baleia jubarte de 10 toneladas em terra firme, quando rebocadores poderiam arrastá-la 500 metros mar adentro, proporcionando àquela massa vital a oportunidade gloriosa da completa reciclagem que desde seus ancestrais geológicos a biosfera pratica e experimenta.

Que a Presidente escolha para o ambiente ministro não-executivo, de perfil semelhante ao de um Euclides da Cunha para, em paralelo com o executivo, promover com a sociedade brasileira leitura crítica profunda da fundamentação científica de nossas leis de ordenamento territorial em geral e ambientais em particular, para sua revisão a curto prazo, introduzindo um mínimo de recurso científico verdadeiro nos seus fundamentos e aplicação, livrando-nos da obediência devida a leis absurdas.

Na vertente executiva que tente colocar ao lado de espírito preservacionista, cientificamente orientado,  revolucionário espírito reabilitador do território em temas de que dou exemplos: Estudos das condições de estado da madeira submersa em Tucuruí e em Balbina, facilmente extraível e industrializável em barcaças autônomas nos respectivos lagos; desassoreamento, por bombeamento ou sifonamento, de reservatórios de hidrelétricas, separando areia para a construção civil, de silte e argila para a revitalização agrícola de chapadas de solos exauridos, reduzindo a abertura de novas lavras; reabilitação de voçorocas como as de Cachoeira do Campo – MG no programa de revitalização da bacia do São Francisco, enfaticamente prometida. Introduzir em geral o experimentalismo no manejo territorial na Mantiqueira e serra do Mar para proteger o meio rural e as cidades dos respectivos vales.       



Belo Horizonte, 02 de novembro de 2010

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 12/11/2010; p. 19 

3 de novembro de 2010

O País que Espera Lula

O País que Espera Lula
Geocentelha 155

É um país aflito. Este imenso país, quinto por extensão e dos maiores em população, atravessa fase difícil: extensas porções territoriais despovoadas ou degradadas; extensas porções em fase de desmatamento acelerado, seja para amealhar o ouro fácil da madeira, seja para introduzir o boi, rei verdadeiro dos animais.

O país confia. Agora confiar é também para quem não acreditou, e penso que prazo, para quem deu oito anos, não pode ser de 100 dias. Seria muito injusto. O país que espera Lula vai dar-lhe pelo menos dois anos para encarrilar o trem de nossa história.

Verdade é que ele repetiu defeito de outros ao não fazer declaração, que eu tenha visto, sobre a natureza de nossa terra, para apoiar nessa natureza alguma coisa. Outros ensaiaram, timidamente, um basear o desenvolvimento da Amazônia na constituição geológica regional e outro a possibilidade de buscar água doce como subproduto em poços da Petrobrás. Já é alguma coisa, pois afinal os demais sempre pretenderam assumir um continente como se ele não diferisse das Ilhas Virgens.

Tão importante quanto termos muita água superficial no Amazonas e Paraná-Paraguai, é termos o aqüífero Guarani (virão outros menores) com muita água subterrânea na bacia sedimentar do Paraná, desde que seja bem aproveitada. Para os que, acertadamente, pensam na gestão como algo mais sutil que o controle de uma reação em cadeia, vale lembrar que o excesso de água da Amazônia tem desafios de gestão comparáveis em escala às suas promessas de riqueza. Com calma, pois, que não é sobra a distribuir fisicamente como em transposições nem a ser dissipada virtualmente em commodities de preço baratinho para vencer o subsídio europeu. É para, ao contrário, na mais valia natural que nos concede, abrir espaço para a famosa agregação de valor. O grande aqüífero do nosso cone sul parece não tão exposto à gula internacional quanto a floresta e a água da Amazônia.

No mar de morros da Mantiqueira e na serra do Mar a degradação foi além da remoção da Mata Atlântica, porque levou o melhor do solo das vertentes íngremes. É Minas que mais tipifica o flagelo do esgotamento rural, e que mais sofre as dificuldades de adaptar sua mineração, urbanização e agricultura de montanha a exigências ambientais que sejam justas e bem fundamentadas. (É Minas que, até pela sinergia das bases já implantadas, precisa mover-se mais, por exemplo dando acesso metroviário a Confins e cassando-lhe a fama de distante).

O país que espera Lula exibe um cordão iluminado para a foto noturna do satélite, contornando o litoral de norte a sul. São milhões no inverno e dezenas de milhões no verão, que sem querer instabilizaram linhas de costa e salinizaram aqüíferos litorâneos, e que, querendo mesmo, aterraram mangues e enseadas. Isto reproduz o que a sensação de infinitude territorial avalizou em cada nova onda de povoamento.

E o povo? Levas e levas de populações deslocadas de suas bases territoriais. Este é o mais desafiador de nossos problemas ambientais e econômicos porque se funda na falta de base cultural: Massas urbanizadas de segunda geração, se são hoje menos analfabetas no domínio da língua, perderam o que conheciam da terra e assim formam uma nuvem inconspícua vagando na terra da transição entre um urbano cada vez mais intolerável até para seus fundadores e um rural decadente e regressivo pelo fenômeno da desruralização precoce que se estende da periferia para o campo mais distante. É país que descobriu que rodovias mal cuidadas prestam-se para assentamentos que já começam com a avenida principal asfaltadinha.

O povo não é formado só nas escolas, mas também nas tecnologias que lhe vão sendo demonstradas e o Brasil não desenvolveu qualquer tecnologia visível em associação com os grandes deslocamentos geográficos: Do campo para a cidade; dos baixos vales para o alto das montanhas e do interior para o litoral. Quem foi, podendo ou não, jamais pensou na tecnologia exigida para a mudança. Essas tecnologias existem, e podem mudar rapidamente o quadro. Nesse vórtice alucinante o país volta-se para Lula e espera. Que a trégua tácita seja bem aproveitada espero.
   


Belo Horizonte, 11 de novembro de 2002

Edézio Teixeira de Carvalho
Geólogo, Ex-Diretor do Instituto de Geociências da UFMG



Estado de Minas – Opinião, p. 9; 10/12/02