1 de dezembro de 2011

Roleta japonesa

Roleta japonesa [1]
Geocentelha 342

 Todos sabemos da roleta russa. Na versão trágico-romântica, oficiais faziam disputa temerária: Colocava-se uma bala na câmara, girava-se o tambor e atirava-se apontando para o próprio ouvido. Noutra versão isto era feito por condenados, que tinham aí oportunidade de ganhar a vida ou a liberdade. Se a bala tivesse parado na direção do cano, tínhamos o suicídio, acidente, como queiram. Assustados com isso, lembremos os famosos pegas com veículos e motos em versão nossa da roleta. Os japoneses têm versões de algo parecido, não bastasse sabermos dos pilotos-camicase da guerra, que lançavam seus aviões sobre alvos americanos, sem probabilidade alguma de escaparem. Na gastronomia sofisticada restaurantes servem caríssimo peixe, portador de veneno violentíssimo, retirado por especialistas no preparo. Acidente que pode ser fatal ocorre quando, por descuido ou imperícia, o veneno vai com o peixe servido.

Fiquei admirado não só com a ordenada disciplina dos japoneses nos dias seguintes ao terremoto que vitimou Sendai, mas também com a rapidíssima reconstrução em curso. Comparo com a lentidão das nossas reconstruções, com auxílios materiais a Nova Friburgo ainda não distribuídos, apodrecidos, talvez desviados, enquanto localidade do Japão já devolveu doações internacionais não utilizadas. Admirável!

Há contudo uma espécie de fatalismo japonês sobre o qual faço observações. Verifico pelo Google Earth que muitas cidades japonesas estão temerariamente implantadas ao nível do mar com folga comum da ordem de poucos metros. É verdade que há guarnições sob a forma de quebramares. Recorro a Bolt e outros (Geological Hazards, Springer Verlag, N. York, 1975, p. 133) onde vejo lista dos grandes tsunamis, que começa no Mediterrâneo com a destruição da civilização minoica em Creta provocada pela erupção de Santorini e consequente tsunami; continua no Atlântico (sim, senhores), com o tsunami que atingiu Lisboa em 1755; Índico e Pacífico (Java, Havaí, Peru-Chile, Alasca, Japão). No Japão destaque para um de 1896 que atingiu mais de 20 metros de altura e matou mais de 26.000 pessoas. Por que o Japão continua a urbanizar a orla baixa, com defesas precárias representadas por quebramares baixos? Talvez o revólver esteja apontando para ouvido alheio... Tsunamis podem ser erráticos, mas sempre ocorrerão; as cidades almejam a eternidade e estarão sempre lá. Haverá sempre uma no caminho de um deles. Nada impediria que o assentamento observasse folga mínima de pelo menos uns 20 metros. Quem tem tecnologia de edificações sismorresistentes tão desenvolvida, poderia gerar essa folga de 20 metros com aterros de resíduos e de desassoreamento de rios. Afinal acabaram de construir aeroporto em ilha artificial com material dragado do mar! Bolt e outros citam sistema de alerta transpacífico desde os anos 50. Na abramos mão deles, mas apenas como recurso auxiliar. De madrugada, pouco podem.



Belo Horizonte, 12 de novembro de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 01/12/2011; p. 19

13 de outubro de 2011

Sublimação da perversidade

Sublimação da perversidade [1]
Geocentelha 340

O espaço geológico não é misterioso como o de Einstein. Já o tempo tem seus mistérios. Alguns olham-nos com ironia quando atribuímos idades de bilhões de anos a fatos geológicos. Entretanto não é só com esses tempos que trabalha a geologia. Num curto ciclo anual o sistema geológico sofre transformações severas como a da sucessão claridade-escuridão. O espaço geológico é ocupado por três componentes distintos: O permanente, o transitório e o itinerante. O primeiro é o arcabouço mineral, não tão permanente, mas assim comparado aos demais; o segundo é formado pelo conjunto flora e fauna com diferentes formas de agregação ao primeiro; o terceiro, aqui limitado à água, cujo caráter é particularmente notado nas águas pluviais. A permanente silhueta da serra denota o caráter permanente do arcabouço mineral; a variação de tons e de porte e a substituição regular da cobertura vegetal denotam o caráter transitório da flora; a aparição regular das águas pluviais e a variação da vazão dos rios são expressões do caráter itinerante da água. Em questão de horas, dias, meses, o sistema geológico muda de roupa, de aspecto, de comportamento.

A humanidade introduz modificações no permanente e no transitório, às vezes sem pensar no itinerante. Este age sobre a humanidade sob os condicionamentos naturais, ou reage às modificações impostas aos demais. Nas cidades as modificações impostas ao permanente e transitório são drásticas, e as respostas também o serão. O Edificado nas cidades funciona como uma membrana mais ou menos impermeável, entre o itinerante que chega e o conjunto permanente-transitório, que espera, cheio de gente exposta às consequências. 

O processo é legível e previsível, mas a humanidade não o lê com atenção. No terrível acidente do Nevado del Ruiz na Colômbia (1985) espaço e tempo geológicos decretaram o fim de Armero e mais de 25.000 habitantes. Erupção, fusão do gelo, corrida de lama, submersão de Armero, bem no meio do caminho. Já no corrente ano a onda gigante que chegou a Sendai (Japão) teria no mar 10 metros de altura, mas ao chegar à costa a inércia levou-a a alturas bem maiores. Nos acidentes da serra do Mar e em outros menores por todo o país, o imprevisto, não imprevisível, é o porte. Armero e Sendai, como Nova Friburgo e Teresópolis, foram colhidas por modificações de um espaço-tempo simples. Armero, em risco de posição, sofreu acidente previsto em mapa; Sendai não precisava de mapa, como toda orla baixa do Pacífico; a serra do Mar é velha conhecida. Se meteoro nos atinge, paciência, é risco fortuito, mas desafiar o previsível é oferecer à divindade sacrifícios não pedidos. Não é casual. Num país em que a Lei pensa que pode substituir inteligência e instrução todo evento geológico previsível confunde-se com atos de Deus. Em verdade trata-se de sublimação da perversidade, fenômeno em que os governos não se distinguem muito uns dos outros. 



Belo Horizonte, 02 de outubro de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.



[1] O Tempo; Opinião; 12/10/11; p. 19

3 de outubro de 2011

Flotação do Pinheiros: Mais mágica frustrada

Agora de forma definitiva o governo paulista anuncia que desiste de implantar o projeto de flotação do Rio Pinheiros, com o qual se pretendia despoluir as águas do rio e reiniciar a produção de energia elétrica na Usina Henry Borden, em Cubatão. Objetivo meritório de recuperar a operacionalidade de um dos projetos energéticos, Billings, mais fantásticos já concebidos no país: o aproveitamento do desnível de 700 metros da Serra do Mar para produzir energia ao pé da serra com a reversão hídrica de águas do Tietê e Pinheiros. Projeto que foi interrompido em 1989 por obséquio do intolerável grau de poluição das águas urbanas de São Paulo.
O caso do Projeto Flotação é exemplar para trazer à tona a facilidade com que administradores públicos se deixam iludir por “mágicas” tecnológicas oferecidas para a solução de crônicos problemas de infraestrutura urbana. O ilusório “passe de mágica” atende as expectativas políticas de nossos governantes em obter resultados de seus investimentos de seu governo a um tempo que viabilize seu aproveitamento e sua exploração político-eleitoral. Ao mesmo tempo, esse encanto com a solução fácil e rápida para problemas crônicos faz parte da enorme dificuldade cultural de nossas administrações públicas trabalharem com perspectivas de médio e longo prazo, com programas que exigiriam continuidade ao longo de sucessivos governos.
Esses atributos os tornam assim vulneráveis a propostas mirabolantes, quando não a propostas espertamente engendradas nos escritórios de grupos privados interessados nos futuros contratos de implantação ou exploração das “mágicas” propostas.
Outro exemplo na ordem do dia são nossos deletérios piscinões, com os quais se prometeu ao governo paulista e prefeituras metropolitanas o mágico fim das enchentes. Estamos aí hoje com vários desses atentados sanitários, urbanísticos e ambientais desvalorizando e poluindo áreas públicas densamente habitadas e as enchentes sucedendo-se, a cada ano mais freqüentes e intensas. Fruto da incompreensível resistência em atacar as verdadeiras causas do problema maior através de um grande e prolongado elenco de medidas não estruturais voltadas a desimpermeabilizar a cidade e a reduzir o assoreamento das drenagens por sedimentos e lixo.
Gastos declarados de 160 milhões de reais na frustrada experiência da flotação na verdade são pequena parte dos prejuízos. E o tempo dedicado ao projeto ao longo de quase 10 anos por diversos órgãos públicos? E o atraso imposto nos estudos e na implantação de medidas técnicas que realmente fariam sentido? Tudo isso vale muito dinheiro e se traduz na prática em maior redução ainda da já baixa qualidade de vida da população. E isso, que preço teria?

Creiam os administradores públicos, não há mágicas no trato da coisa pública. Sejam mais suspeitosos e resistentes frente a ofertas de soluções rápidas e fáceis. Delas desconfiem. E escudem-se para tanto no corpo técnico de suas instituições públicas como o IPT, a Universidade, os vários Institutos de Pesquisa que ainda insistem em sobreviver, nos técnicos de valor que ainda sobraram do esvaziamento dos órgãos públicos, em empresas privadas de reconhecido mérito técnico e ético.

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
·  Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia 
·  Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
·  Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
·  Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio

26 de setembro de 2011

Morte do geólogo Mario Guedes e do engenheiro Mario Bitencourtt

Considero extremamente importante tratarmos da questão do incidente que nos levou os colegas geólogo e engenheiro. Sou por natureza meio recolhido ao vale alcantilado, de modo que não sou muito exportador da minha própria presença, mas observo com fidelidade a natureza e a humanidade, as duas ao mesmo tempo. Precisamos defender por todos os meios a segurança dos engenheiros e geólogos em seus trabalhos tantas vezes pioneiros, não só pelo fim em si de tê-los vivos e seguros, mas também para que tenham condições de colocar vivas e seguras todas as pessoas que dependem de seus trabalhos, como prometeram em seus juramentos. Não quero diluir a força que devemos colocar na defesa da investigação mais rigorosa. Pelo contrário, exatamente para reforçar nossos argumentos em benefício dela, devemos também apontar para a importância do trabalho que fazem, e como é prejudicial a sua falta à sociedade, não importa de que país, mais ainda quando difusa, sem identificação prévia de sacrificados e de quantos.
Estamos, senhor presidente, assistindo a um cerceamento terrível do trabalho geológico e de outros profissionais. O cerco apertado sobre a não ocupação ou não intervenção em APPs de áreas urbanas está levando profissionais a simplesmente apontarem as ações proibidas. Dir-se-á: "está certo, é a lei que manda". Todavia a lei que manda, a meu juízo inconstitucional, mas isto é outra questão, não manda que eles deixem de avisar o povo que lhes custeia o grau de geólogos, engenheiros e de outros profissionais dos riscos que correrão sem as intervenções ou obras tecnicamente recomendadas.
Sugiro-lhe, portanto, presidente, que contextualizemos, como muito bem fizeram recentemente os juízes nas pressões que movem para o esclarecimento do assassínio que vitimou recentemente uma juíza. Tudo isto digo, senhor presidente, sem qualquer pré-julgamento sobre o que levou à morte os colegas Geólogo Mário Guedes e Engenheiro Mário Bitencourtt. Dada a relevância do tema que muito oportunamente levanta na condição de Presidente da ABGE, peço-lhe compreender a necessidade que tenho de compartilhar esta visão com uma comunidade mais ampla que a da nossa Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e
Ambiental.



Atenciosamente.



Edézio Teixeira de Carvalho
Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação Ltda

22 de setembro de 2011

Esquecido, atingido, acusado

Esquecido, atingido, acusado
Geocentelha 339

Já disse admitir a possibilidade do aquecimento global. Hoje tenho dúvidas porque meteorologistas e geólogos começaram a falar, estes afirmando estarmos em fase interglacial, mas para grande parte da humanidade são favas contadas e há culpados a punir. A humanidade deve ter cuidado consigo mesma porque não é de hoje que leva à fogueira inocentes, como sempre houve corda à mão para supliciar acusados de furtar cavalos no velho oeste, também às vezes inocentes. A humanidade como um todo, sem culpados a designar especialmente, desde a revolução agrícola, nunca deixou de por em risco seu próprio futuro promovendo a erosão do solo. Lembro que aí há risco muito concreto, principalmente nas regiões montanhosas, onde o principal promotor da erosão é a mente humana e o principal executor o casco do boi, em dezenas de milhões de hectares em declividades entre cerca de 50% até os inacreditáveis 100%, e que esse risco se efetiva ano a ano porque a erosão é sazonal acompanhando as chuvas, mas a reposição do solo não é feita ano a ano, porque o processo geológico gerador de solo é lento.

Montanhas costumam ser o palco que justifica o título. Sobrevoemos Teresópolis de Google Earth, e veremos, comparando imagens do ano passado com as atuais, que os deslizamentos escolheram áreas geologicamente instáveis, ocupadas ou não. Colegas de São Paulo e Rio declaram à imprensa, com variações, que apenas parcialmente a ocupação “criminosa” provocou o desastre. Em muitos casos essa ocupação, sem ter provocado nada, foi atingida por massas deslizantes vindas de cima em processo natural de evolução da paisagem da serra do Mar. Aí posso dispensar o testemunho dos colegas, porque vi fotografias em que casas próximas a fundos de vales, de grande porte, de proprietários diria ricos, escaparam desta feita, mesmo construídas ao lado de grandes blocos rochosos, que, em épocas passadas, certamente rolaram da encosta. Ingênuos? Talvez, como tantos, ricos e pobres, que tenham confiado no critério do poder público quanto à verificação oportuna da segurança de construir lá. Hoje muitos são acusados de especulação imobiliária, entre os que venderam e os que compraram. Afinal esquecidos pelo poder público por eles mantido, que lhes nega o direito à segurança e à informação técnica sobre ela, cláusulas pétreas de qualquer constituição moderna, são atingidos ou correm sérios riscos, e depois acusados de provocarem a natureza. Tenho ouvido dizer de hotéis e até hospitais condenados à demolição sob alegação de estarem em APP. Pois devem estar onde estudos técnicos responsáveis indicarem como a melhor localização. Se não for assim, desaprenderemos tudo, e construiremos cidades verdadeiramente inviáveis. Num esforço mental de personificar o Código Florestal, é praticamente impossível deixar de associá-lo ao alienista de Machado de Assis. Além de Tukushima (2 mortes), aprendamos com Sendai (20.000).      



Belo Horizonte, 17 de setembro de 2011



Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.


13 de setembro de 2011

Artigo Publicado

Prezados, envio cópia para download do artigo " O Código Florestal e o Ócio Intelectual" publicado no jornal Notícia do Dia de Florianópolis. Dia 10 e 11 de setembro de 2011.

Abaixo o link para download.

http://www.megaupload.com/?d=5X3VCINR

5 de setembro de 2011

Livro Geologia Urbana para Todos [Download]



O geólogo Edézio Teixeira de Carvalho disponibiliza seu livro "Geologia Urbana para Todos: uma visão de Belo Horizonte" em formato PDF.


Link para download:
Geologia Urbana para Todos


Edézio Teixeira de Carvalho

Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação Ltda
(31) 3262-2722
(31) 8205-3123

Patrocinador do ócio intelectual

Patrocinador do ócio intelectual
Geocentelha 338

Considero o Código Florestal atual e futuro bem propositado, mas não me furto ao dever de apontar suas principais falhas de fundamentação técnica e de lógica. Estimulado com a ação do colega Álvaro Rodrigues dos Santos (São Paulo) nesta luta, solicitando aos senadores, em artigo de jornal de grande circulação, que excluam a aplicação do Código Florestal ao meio urbano, por razões técnicas poderosas que levanta, volto ao assunto. Afinal não sou o João Batista que prega sozinho no deserto. Com efeito, por melhor que fosse a qualidade da redação do Código, feito para o meio rural, constitui evidente impropriedade de técnica legislativa estender sua aplicação ao meio urbano sem um mínimo de adaptação (considerando que as exceções abertas são meras tentativas de embelezar Quasímodo) .

Tenho defendido a tese de que as leis de gestão territorial constituem meio, exatamente para não caírem em contradições completamente absurdas. Nem vou pontuar mais uma vez pormenores técnicos, mas apresento dois de lógica simples, já repetidos em conversas ou escritos: Se, por hipótese trocarmos de base territorial com a América espanhola, mandaremos demolir, entre outras coisas, as cidades do México, Bogotá e La Paz,  situadas muito acima da famigerada cota 1800 metros? Esquecemo-nos de vez da história da humanidade na passagem em que o motivo da admiração, talvez com um pouco de inveja, do sábio grego pelo desenvolvimento da civilização egípcia, fê-lo cunhar a famosa frase “o Egito é uma dádiva do Nilo”? E olhando para o famoso rio e seu delta ramificado, aprendemos que grande parte do enchimento de seus celeiros vinha exatamente de terrenos aqui classificáveis como áreas de preservação permanente?

Mas há coisa muito pior sobre a qual tenho insistido. Além de ser um meio, a forma da lei deve buscar o estímulo à reflexão e à experimentação científicas. E fico completamente desesperado imaginando pesquisadores preparadíssimos dos órgãos estatais de pesquisa e extensão limitando seus experimentos ao que a lei-fim permite. É pior, caro leitor, do que isto. Leiamos cruzados o Código Florestal com a lei dos crimes ambientais. Essa leitura foi feita por todos os profissionais dos dois lados do balcão. Do lado público engenheiros, geólogos, biólogos, em geral bem formados, são condenados ao ócio intelectual patrocinado e do lado privado a decepção por verem suas ferramentas de trabalho perderem inteiramente a utilidade por absoluta dispensa de aplicação. E a população, que, se atenta, simplesmente assistirá os projetos de reabilitação de áreas degradadas, de redução do gravíssimo risco geológico urbano, de correção das insalubridades naturais ou antrópicas deixarem de ser feitos simplesmente, sem ser avisada (direito constitucional pétreo, se querem) dos riscos que correrá, porque o ócio forçado pode fazer o agente público esquecer-se de que esse aviso ele jurou passar ao povo.   



Belo Horizonte, 25 de agosto de 2011



Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.

19 de agosto de 2011

O Projeto Manuelzão e a Transdiciplinaridade

Estamos plenamente conscientes das dificuldades inerentes à complexidade da estrutura de governo da UFMG, que sempre precisa consertar o carro em movimento. Mas, ao mesmo tempo, decisões históricas precisam ser tomadas, indo além do senso comum, para mudar o rumo das universidades brasileiras. E estamos aqui solicitando fraternalmente a solidariedade acadêmica aos nossos colegas professores, estudantes e técnicos da UFMG bem como da direção da Universidade, para que examinem nossas ponderações sobre as condições de trabalho do Projeto Manuelzão. Vivemos um momento de intensa angústia e impasse, resultado dos efeitos cumulativos e sinérgicos de adiamentos constantes de decisões por força de circunstâncias conceituais, institucionais e práticas no interior da UFMG nos anos passados. Fizemos a nossa parte nesses 14 anos. Não podemos aceitar passivamente o findar de nossas esperanças de sujeitos do processo histórico e terminar em vão tantos esforços, reconhecidos pela academia e pelo conjunto da sociedade, pelo que estamos realizando em ensino, pesquisa e extensão focados na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.

A UFMG não se preparou devidamente para esse momento. A criação de órgãos suplementares ou de núcleos transdisciplinares está na ordem do dia no plano internacional. Na ausência de condições institucionais ideais, é mais conveniente se pagar o preço de deixar iniciativas criadoras aflorarem, trazendo sentimentos novos à universidade, que pisar no freio. É preferível viver uma primavera. Essa atitude será melhor que sufocar essas atividades agora para depois tentar ressuscitá-las. Os momentos não voltam. A história reconhecerá o mérito e a coragem dos dirigentes da UFMG em correr os riscos da mudança, mesmo porque não mudar agora é risco maior. Sabemos que a inteligência emocional move, enquanto a racionalização burocrática paralisa.

A transdisciplinaridade só é possível com a transgressão de fronteiras conceituais e princípios tradicionais de organização do conhecimento. Sim, respeitar as disciplinas é imprescindível, pois geram conhecimentos, mas elas precisam ter liberdade para se articularem. Imaginamos que seja este o sentido de finalmente estarmos todos nos concentrando no campus Pampulha, superando nossa origem de unidades autônomas.

A um Prêmio Nobel de Medicina é atribuída a máxima segundo a qual “o mundo tem problemas, a universidade tem departamentos”. A frase resume o quanto o isolamento das áreas prejudica a pesquisa, o ensino e a compreensão do Universo. A universidade não pode ter muros interiores. A transdisciplinaridade é hoje, inclusive, defendida pelo Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão (Cepe) como uma das prioridades de investimentos e articulações para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Mas toda estrutura de poder e de gerenciamento tem por lógica a sua própria
sobrevivência e reprodução, e nessa direção é costume abdicar de seus projetos de transformação, resistindo às mudanças. Porém, elas não são mais importantes que as transformações qualitativas impulsionadas pelo desenvolvimento das forças produtivas do conhecimento.

O desenho institucional da UFMG está defasado frente ao desenvolvimento das iniciativas acadêmicas mais avançadas. Para fazer, há muito mais obstáculos que para deixar de fazer; não faz nem deixa fazer. Essa lógica é perversa. No nosso caso, não nos move nenhum sentimento menor, seja de corporativismo, de propriedade intelectual, de poder, trata-se unicamente de uma linha de trabalho em torno de uma teoria e de uma proposta acadêmica de ensino, pesquisa e mobilização da sociedade, que conquistaram amplo respaldo da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.

Reivindicamos que nos seja concedido o terreno já prometido para construirmos o Centro Transdisciplinar em Bacias Hidrográficas e Saúde Coletiva Ecossistêmica/Projeto Manuelzão/UFMG, para integrar as nossas atividades acadêmicas de ensino-pesquisa, extensão e pós-graduação dos diversos departamentos e disciplinas que integram o Projeto Manuelzão, arcando nós com os custos de construção e dos equipamentos através de captações de nossa responsabilidade. Isso dará plenas condições para o funcionamento do nosso Conselho Gestor Transdisciplinar e convivência acadêmica. Aliás, o ex-reitor Ronaldo Pena e seus pró-reitores tinham esse entendimento e se comprometeram oferecendo área para esta construção, que chegou a ser reservada em croquis pela professora Maria Lúcia Malard, e obteve parecer favorável do professor Bismarck Vaz da Costa, que ficou na dependência de assinatura de uma unidade responsável. Chegamos a mobilizar parceiros externos à UFMG solidários em apoiar e financiar esta edificação, de características ecológicas.

O objetivo é trabalhar em uma perspectiva estratégica de expansão das metodologias consolidadas na bacia do Rio das Velhas para a bacia de todo o Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade. Dessa forma, a liderança e a capacidade nucleadora de nossa Universidade serão construídas em redes de parcerias nacionais e internacionais na busca de soluções na área ambiental. Consideramos que nesses 14 anos conquistamos legitimidade social e acadêmica para apresentar esta proposta à UFMG e credibilidade para afiançá-la.

O todo é maior que a soma das partes, assim como a UFMG é maior que a soma de departamentos e unidades, e o Manuelzão é maior que os seus setores e atividades tomados isoladamente e fisicamente desconectados.

O desenvolvimento da ciência tem se dado pela revisão e reorganização permanente dos seus princípios e não pelo mero acúmulo dos conhecimentos. Esse é um dos princípios da transdisciplinaridade, sendo essencial uma convivência que permita essas discussões cotidianas em função de interesses científicos e metas. O Manuelzão está e sempre esteve aberto a seguir essa linha de trabalho.



Apolo Henriger Lisboa

Professor da Faculdade de Medicina e
coord. do Projeto Manuelzão

16 de agosto de 2011

Ética, Estado e Governo

Ética, Estado e Governo
Geocentelha 335

O Brasil, chamava-me a atenção o lúcido engenheiro, constroi tardiamente a infraestrutura, palavra que uso a contragosto, porque infraestrutura é a terra que recebemos com seus paus brasis de pé. A montagem de infraestrutura ao longo da história cobrou custos financeiros, ambientais, propinas, chibatadas. Recortado de canais, ferrovias, pontes, o mosaico europeu, compartimentado por Pirineus, Apeninos, Alpes, Cárpatos, fiordes, está multiconectado a ponto de parecer homogênea planície. Europeus não querem que façamos como fizeram, mas como acham correto hoje. Fazendo um EIA-RIMA retrospectivo sobre a Europa, seria de perguntar: Desmontariam tudo por suas teses? A velha Albion estaria disposta a rearborizar sua mesa de bilhar?

O Brasil, que só foi além de Paracatu pelas mãos de JK faz 50 anos, precisa costurar seu mosaico, e ambientalistas, aliás, na origem, muito justamente, montam a lei como cavalo de batalha, mas que lei é essa? Servirá mesmo ela a seus (nossos) propósitos? E nós? Povão ruidoso, alegre, cheio de asiáticos, europeus e sulamericanos, com o feito prodigioso da tolerância, que parece apagar naturalmente as mútuas mágoas originais dos imigrados. Mesmo tendo essa riqueza que a outros países falta, precisamos aprender com eles até nos erros. Ficamos admirados com a ordem com que japoneses enfrentaram a tragédia de Sendai. Mas vocês notaram? Ficou só Fukushima; ninguém se lembra mais de Sendai, onde morreram mais de 20.000 pessoas! A tragédia japonesa tem duas dimensões, a das perdas e a da interpretação: A cidade e centrais nucleares estavam expostas a evento geológico de alta previsibilidade. O acidente nuclear parece ter sido espoletado pelo tsunami, em fragoroso erro geológico de localização, mas atinge o coração desse modal energético como se apenas ele contivesse erro inerente, e os outros não; ele roubou a cena, impedindo qualquer movimento mundial mais visível no sentido de cobrar dos planejadores japoneses mais atenção, na localização das cidades, com ocorrências geológicas que tão bem conhecem.

Estado e governo, que o vai mudando supostamente segundo a vontade do povo, precisam compreender que o efeito de leis de ordenamento territorial que dispensam e afastam a ciência é muito mais desastroso do que  erros individuais, que terão sempre a presença de acertos para comparação de resultados e evolução da civilização. Se me pedissem minuta de código ambiental, trabalharia essencialmente na fixação de taxas de exploração máximas por compartimento territorial homogêneo, deixando aos técnicos para esse fim formados a aplicação do conhecimento na fixação de onde colocar a atividade exploratória nas propriedades. Palavras de ordem de governos sobre água e outros temas ambientais completamente incorretas do ponto de vista científico devem ser vistas como pura ignorância governamental ou como imperdoável desvio de comportamento ético?     



Belo Horizonte, 16 de julho de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho

Eng. Geólogo.

1 de agosto de 2011

O segredo do Vaso Fechado

O segredo do Vaso Fechado
Geocentelha 334

Sou fascinado pela gestão, ciência de sutilezas lógicas. A busca do melhor arranjo do trinômio necessidade-possibilidades-vontade confere-lhe fascínio, que a faz mais arte que ciência. O agrupamento de pessoas, criando a Cidade, é fruto da reflexão em torno do trinômio. Gosto da Cidade como tema, mas o princípio mais fecundo da gestão aplica-se ao planeta inteiro com maior clareza. Embora a rigor não, do ponto de vista físico, nosso planeta pode ser comparado a um vaso fechado onde se encontra toda a sustentabilidade material ou geológica. Isto coloca-nos diante de opções de gestão ante essa sustentabilidade. Se conhecemos  os compartimentos em que ela se encontra, podemos estabelecer regras de gestão, e o fizemos sobre terras como leis de ordenamento territorial conformadas à natureza das nações, de seu desenvolvimento e regimes. Elas deveriam ser capazes de estimular a busca do conhecimento e de impulsionar a reflexão em torno dele (possibilidades), de modo a bem regar uma vontade (vontade) para atender a necessidades reais da humanidade (necessidade).

Um punhado de técnicos trabalhando por mais de 30 anos descobriu o petróleo do pré-sal (nunca tantos deveram tanto a tão poucos, diria Churchill). Geologicamente esse petróleo foi formado pelos materiais orgânicos levados ao mar pelos rios entre o São Francisco e pelo menos o Itajaí, e foi armazenado nas estruturas geológicas formadas também pelo sedimento por eles levado e assentado sobre o estéril assoalho basáltico). Não queiram estados produtores, por circunstâncias geográficas, ficar com o bolo sozinhos. Se existe o famoso tiro no pé, é este o caso.

Ao vaso: Não queiramos excluir da urbanização topos de morros, onde amplos os melhores lugares para urbanizar, seguros, enxutos, alegres. Toda a lógica os recomenda para tal função, especialmente a do vaso fechado, porque se não colocamos a população nesses pontos seguros e sadios, colocá-la-emos nas encostas e fundos de vales inseguros (Teresópolis que o diga), encharcados, úmidos, insalubres, e entretanto indicados para outras funções. A humanidade que não experimenta não adquire experiência. Tem sido assim o Brasil e une a essa falta de experiência teimosia e arrogância. Se o leitor resolver dar agora uma olhada pelo Google Earth sobre a Europa, verá duas coisas interessantes: belíssimas cidades em topos de serras, e outras que bem exemplificam o corolário principal do vaso fechado (não precisamos ter tudo em todos os lugares), como inúmeras ruas de Viena, por exemplo, sem árvores, porque nelas a calçada é da bicicleta e do pedestre: O lugar das árvores, mais numerosas que as nossas, sadias, não morrendo de velhas, é nas ruas largas, praças, parques e vazados dos edifícios. Tenho minhas diferenças com a velha Europa, mas respeito sua experiência de 30 séculos construindo cidades. Que queremos se não experimentamos, nem imitamos o que deu certo?



Belo Horizonte, 16 de julho de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.


27 de junho de 2011

Renegado a civilização

Renegado a civilização
Geocentelha 333

Vejo com tristeza tudo isto: Deputado relator faz o possível para encontrar acordo de viabilidade para o Código Florestal. Está no papel dele, fazendo política, a arte do possível. Chego a ter simpatia por ele, que abre mão com desprendimento de princípios inerentes a sua filiação doutrinária. Tenho razões para criticá-lo, mas seria injusto quando merecem críticas mil lados em que se fragmentou a discussão. Fragmentou-se e amontoou-se em torno de questões ideológicas, corporativas, de visibilidades fisiográficas diferenciadas, de experiências culturais distintas. Em nenhum argumento vi traços de base científica a balizar posições. Não vejo esforço em usar exemplo alheio ao longo da história das civilizações, para fundamentar opções. Os únicos em que vejo possibilidade de ter razões consistentes são produtores rurais que usam o próprio braço, dirigem o próprio trator, tiram o próprio leite. Ouçâmo-los com respeito, mesmo nas situações comuns em que, a meu juízo, estejam cometendo absurdos por ignorância ou inércia.

Antes de outra consideração, percebo o Código, em alguns domínios fisiográficos, permissivo em termos de desmatamento, e com remendos que foi recebendo para conter os abusos, foi atingido pela platitude de proteger tudo o que restou, não importa o lugar, esquecendo-se de que o replantio numas 2 bolívias de áreas degradadas pode permitir remoções para urbanização ou permuta de posição na atividade rural, ainda que condicionando o desmatamento aqui ao plantio antecipado, com resultado comprovado, ali.

APPs de topos de morros e de altitude: todas as civilizações ocuparam topos de morros e cotas elevadas do terreno, sempre que outras condições o permitiram, como o acesso à água. Nenhuma fragilidade genérica justifica nossa opção, e a quem diga que acima de 1800 metros temos área muito pequena, respondo que, por isto mesmo, deveríamos ter nessas alturas experimentos civilizatórios que nos aproximariam das outras culturas de altas latitudes e altitudes. Devo então concluir que, se trocássemos de lugar com a América espanhola, renunciaríamos a tudo que está acima dos 1.800 m, inclusive uma das maiores cidades do mundo atual em população? Quanto a topos espaçosos, aí, no campo ou cidade, as condições geotécnicas e ambientais melhor atendem às exigências de segurança e qualidade para a vida humana, dentre elas a salubridade. É também onde mais facilmente se combate a erosão.

O prosaico inhame plantado à beira d’água, dentro da APP, pouco acima do lençol freático, nada mais pede para dar-nos boas e suculentas safras; afastemo-lo os famosos 30 metros, e, digamos, 5 metros acima do lençol freático, e veremos como pede água ou fenece logo. Captemos então água para dar-lhe e arquemos com o impacto ambiental disto! A lei assumiu-se como fim. Usurpou minhas prerrogativas de pensar.

Ninguém erra de forma tão canhestra impunemente. Teremos o país que merecemos.   



Belo Horizonte, 14 de maio de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


3 de junho de 2011

Lugar de Plantar

Lugar de Plantar
Geocentelha 330

Plantaram os geólogos nossos antepassados ideias novas sobre a Terra, inclusive para provarem que ela era 750.000 vezes mais velha do que era ensinado ou imposto como dogma. Pelo menos desde o século V antes de Cristo geólogos, ostentando ou não o nome, têm-se esforçado por colocar algumas coisas no lugar. No dia do Geólogo, 30 de maio, não custa lembrar duas coisas: O que fizeram com coragem, cumprindo dever sagrado para com a humanidade e o tanto que não conseguiram fazer. Geólogos australianos e japoneses, por exemplo, conhecem a história geológica deixada por tsunamis com ondas de dezenas de metros de altura, mas não conseguiram convencer uma nação tão esclarecida quanto o Japão de que não se deve urbanizar a orla baixa nem colocar nela centrais nucleares. A orla baixa é muito boa para plantar arroz, nunca para morar. Não convenceram outros povos de outras necessidades como a de generalizar o conhecimento da terra através da geologia. Não por acaso, portanto, este século já deve estar chegando aos 10.000.000 de mortos por tragédias consequentes a acidentes geológicos e a meras escavações temerárias de uma vala ou um barranco.

Mas o tema de hoje é outro: É o princípio do vaso fechado, caro aos geólogos no estudo de temas  geológicos maiores como o metamorfismo e o metassomatismo. Esse princípio, entretanto, deveria ser reconhecido e aplicado por toda a humanidade na gestão em outras áreas. Diz ele que toda a sustentabilidade disponível está concentrada no vaso fechado da Terra. Se deixarmos, por exemplo, de consumir a baleia caçada em idade adulta, teremos de substituí-la por uns 200 bois, que, criados extensivamente em terrenos íngremes, destroem o solo, a casa ideal da água, e as conseqüências virão em cadeia: O processo geológico não repõe solo novo na velocidade com que é perdido.

O vaso fechado nos ajuda noutro ponto: Lugar de plantar inhame, banana, uma infinidade de hortaliças, o arroz em grande escala no Sudeste Asiático e alhures, é na presença de água exposta à superfície ou sub-aflorante, onde as plantações são naturalmente irrigadas. Esses plantios em absolutamente nada prejudicam a água, por exemplo, e também não as margens, porque o que destroi as margens não são esses cultivos, mas o boi, o carneiro, a capivara, e as enxurradas que vêm de cima. Se não os plantarmos aí, principalmente onde chove pouco, terão de ser plantados (vaso fechado) noutro lugar para onde a água será levada por gotejamento, em regos ou por aspersão, certamente com impactos ambientais também e às vezes maiores.

Se as cidades cultivarem brejos, terei de passar meus últimos anos longe delas. Com Dante, passado por Fábio: “No verão a saúde traz perigo; em vasto plaino o álveo dilatando, forma paul, das infecções amigo”, ou com Graciliano (Angústia): “Muitos agora tiritavam, batendo os dentes como porcos caititus, na maleita que a lama da lagoa oferece aos pobres”.



Belo Horizonte, 7 de maio de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.


16 de maio de 2011

Renegado a civilização


Renegado a civilização
Geocentelha 333

Vejo com tristeza tudo isto: Deputado relator faz o possível para encontrar acordo de viabilidade para o Código Florestal. Está no papel dele, fazendo política, a arte do possível. Chego a ter simpatia por ele, que abre mão com desprendimento de princípios inerentes a sua filiação doutrinária. Tenho razões para criticá-lo, mas seria injusto quando merecem críticas mil lados em que se fragmentou a discussão. Fragmentou-se e amontoou-se em torno de questões ideológicas, corporativas, de visibilidades fisiográficas diferenciadas, de experiências culturais distintas. Em nenhum argumento vi traços de base científica a balizar posições. Não vejo esforço em usar exemplo alheio ao longo da história das civilizações, para fundamentar opções. Os únicos em que vejo possibilidade de ter razões consistentes são produtores rurais que usam o próprio braço, dirigem o próprio trator, tiram o próprio leite. Ouçâmo-los com respeito, mesmo nas situações comuns em que, a meu juízo, estejam cometendo absurdos por ignorância ou inércia.

Antes de outra consideração, percebo o Código, em alguns domínios fisiográficos, permissivo em termos de desmatamento, e com remendos que foi recebendo para conter os abusos, foi atingido pela platitude de proteger tudo o que restou, não importa o lugar, esquecendo-se de que o replantio numas 2 bolívias de áreas degradadas pode permitir remoções para urbanização ou permuta de posição na atividade rural, ainda que condicionando o desmatamento aqui ao plantio antecipado, com resultado comprovado, ali.

APPs de topos de morros e de altitude: todas as civilizações ocuparam topos de morros e cotas elevadas do terreno, sempre que outras condições o permitiram, como o acesso à água. Nenhuma fragilidade genérica justifica nossa opção, e a quem diga que acima de 1800 metros temos área muito pequena, respondo que, por isto mesmo, deveríamos ter nessas alturas experimentos civilizatórios que nos aproximariam das outras culturas de altas latitudes e altitudes. Devo então concluir que, se trocássemos de lugar com a América espanhola, renunciaríamos a tudo que está acima dos 1.800 m, inclusive uma das maiores cidades do mundo atual em população? Quanto a topos espaçosos, aí, no campo ou cidade, as condições geotécnicas e ambientais melhor atendem às exigências de segurança e qualidade para a vida humana, dentre elas a salubridade. É também onde mais facilmente se combate a erosão.

O prosaico inhame plantado à beira d’água, dentro da APP, pouco acima do lençol freático, nada mais pede para dar-nos boas e suculentas safras; afastemo-lo os famosos 30 metros, e, digamos, 5 metros acima do lençol freático, e veremos como pede água ou fenece logo. Captemos então água para dar-lhe e arquemos com o impacto ambiental disto! A lei assumiu-se como fim. Usurpou minhas prerrogativas de pensar.

Ninguém erra de forma tão canhestra impunemente. Teremos o país que merecemos.   



Belo Horizonte, 14 de maio de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


27 de abril de 2011

Sacola: Bola da vez


Sacola: Bola da vez
Geocentelha 330

Campanha furiosa contra a sacola do supermercado. A meu ver, seu único defeito é o abuso no seu uso. Bastava estabelecer a cobrança para controlar o abuso; o que restasse, e que, concedo, pode até não ser pouco, seria mais fácil administrar. Em idos da década de 1980, membro do Conselho universitário da UFMG, participei de uma discussão inesperada, diria quase surrealista, dessas lançadas por alguém no uso da famosa “palavra livre”, concedida pelo Reitor usualmente ao final do expediente, esgotada a pauta.

O plenário pegou fogo. A maioria esbravejava contra a pretensão dos supermercados, que queriam cobrar por ela. Intervindo timidamente ponderei que a cobrança poderia conduzir as pessoas a uma conduta mais sóbria; pensava eu exatamente na questão ambiental mais direta e, com olhar geológico, na da sustentabilidade, ainda um tanto escondida na época. Se fosse voto seria vencidíssimo, tratado com paciência e compreensão por velhos amigos, e com certo desdém por outros de pensamentos muito diversos dos meus: “Queremos a sacola de graça”, era o brado retumbante.

Agora no país do tudo ou nada, a exemplo do famigerado Código Florestal, nada então! A próxima bola serão pandeiros contra os quais se investirá porque perturbam o silêncio noturno? Vocês acham que ganhamos com isto alguma dimensão especial de nação civilizada?



Belo Horizonte, 27 de abril de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


14 de abril de 2011

Código Florestal


Código Florestal
Geocentelha 329

Respostas ao pedido abaixo de Apolo Heringer Lisboa:

Elenque 5 pontos, em ordem de prioridade, sobre o que considera mais importante numa discussão sobre o Código Florestal nesta conjuntura de mudança. Inclusive com perfil histórico e mundial se puder.

Ponto 1: Ausência de cultura traduzida na falta de dimensão pedagógica na forma de redigir a lei. Uma lei de ordenamento territorial precisa ter dimensão pedagógica na aderência das disposições ao objeto. Não existe nada no Código Florestal que indique essa aderência: Ele poderia ser aplicado a Marte e à Lua se esses astros tivessem água, que o desastre seria o mesmo. Naturalmente essa total falta de cultura acha que aplicar limites numéricos para determinar formas de tratar a terra não é um desrespeito a ela, mas é, e é o maior de todos. É uma forma humanamente arrogante de determinar formas de explorar a Terra que está apoiada evidentemente na ignorância, pedestal preferido da arrogância.

Ponto 2: Em nenhum ponto a lei recorre aos profissionais das ciências da terra para o estabelecimento final de critérios locais de uso do solo. É dizer que o Agrônomo, Eng. Florestal, Biólogo, Geólogo, Geógrafo, dentre outros, sabem menos que um remoto deputado em Brasília sobre aquele pedaço de terra atingido pela lei. Para onde vai a responsabilidade profissional, inclusive assumida em juramento? O profissional desobedece mais à lei se atende ao limite numérico contra todas as evidências locais, ou está, e estamos mesmo, traindo a confiança da população e aí sim cometendo um crime profissional a todos os títulos imperdoável? Se isto não for suficiente para estabelecer a inconstitucionalidade flagrante do Código Florestal, em qualquer das versões discutidas, eu não sei o que é inconstitucionalidade, depois de ter sido por mais de 4 anos Membro da Comissão de Legislação do Conselho Universitário da UFMG. Quem enquadrará o profissional que obedece à lei, mas trai o povo, ou o que, para não trair o povo, desobedece à lei?

Os pontos seguintes são estritamente técnicos

Ponto 3: Por que o tudo ou nada em relação às APP’s? explico com um exemplo. Encostas do leste/sul mineiro de média e alta declividade podem ser não recomendáveis para a enxada e o pisoteio, mas podem perfeitamente ser adequadas para forrageiras de corte ou para arborização comercial, que excluem o pisoteio e a enxada. O Código tem de ser minimamente flexível. O tudo ou nada é o fim do mundo em termos de lógica de ordenamento territorial.

E eu digo: Não estou à procura de mais desmatamento em termos líquidos, porque, a meu juízo, o Código Florestal é extremamente permissivo no total.

Ponto 4: Por que uma APP de topo a partir de 1.800 m de altitude? Imagine-se que o Brasil troque de posição com a América do Sul espanhola. Então somando as áreas acima de 1.800m de altitude no Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia  e Venezuela, sem falar da América Central e México, teremos por aí pelo menos um Peru ou uma Bolívia ou os dois juntos inteiros fora da atividade produtiva, inclusive culturas como a de Machu Pichu não teriam vez.

Um colega geólogo disse-me que eu era um chato porque, no Brasil, as áreas de altitude maior que 1.800 m eram insignificantes e não se estava perdendo nada por preservá-las. Lamentável equívoco desse meu colega, cabeça coroada da geologia nacional, porque, exatamente por serem diminutas essas áreas, é que elas deveriam ser visadas com o maior carinho possível em termos de ocupá-las com culturas e cidades numa experiência civilizatória que nos tornaria como nação mais experiente, mais irmã de culturas como as da América espanhola atual, da Ásia Central, das Rochosas, da alpina. É triste vermos como a nação não reage a absurdos civilizatórios como este. Chego a duvidar de sermos uma nação inteligente.

Ponto 5: APP’s marginais: Acho que devem existir, mas jamais limitadas por números rígidos, e devem também poder não existir, desde que profissionais no exercício de suas funções dêem solução diversa em certos casos. Por exemplo, essas APP’s ocupam faixas de terreno naturalmente irrigadas durante todo o ano, abrigando culturas que alimentam bilhões de pessoas (bilhões mesmo). Se implantadas a ferro e fogo como a lei nazifascista determina, o vaso fechado da sustentabilidade vai funcionar, e a agricultura (estou pensando no Nilo e Sudeste da Ásia) terá de irrigar terras mais altas de lençol freático mais profundo consumindo mais energia e aumentando custos, muitas vezes para famílias completamente destituídas de meios para fazê-lo).


Para completar eu gostaria de dizer como a lei determina um desastre ambiental como a erosão do solo no leste/sul mineiro: O pasto está em encosta de declividade 40o . O pisoteio promoveu uma degradação terrível dilacerando completamente o solo superficial. Ah, mas o proprietário não desrespeitou a lei; portanto não há crime ambiental. Quero dizer com isto que a lei virou um fim em si, dispensou a ciência, a boa técnica e os profissionais formados a peso de ouro pela população desamparada.

Não é por acaso que a discussão atual do Código Florestal, na falta absoluta de ciência verdadeira, descambe para imediatismos legítimos de cunho ideológico, corporativo e assim por diante. Miséria extrema de civilização é o que é este estado de coisas.



Belo Horizonte, 13 de abril de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


11 de abril de 2011

Colecionadores de Água


Colecionadores de Água
Geocentelha 328

A água oscila entre escassez e abundância. O planeta não a perderá, porque a gravidade não deixa; na realidade, ele tem acréscimos de água capturada de cometas, por exemplo. Materialmente podemos ver o sistema Terra como um grande vaso fechado. O princípio do vaso fechado, que deveria ser ensinado em todo o mundo como o mais universal instrumento de gestão, apreensível por crianças de 5 anos, é usado intuitivamente por muitos, é claro, ou cientificamente, como na geologia, em que compõe o jargão dos estudos de metamorfismo. São comuns frases como esta: “Trata-se de transformação em vaso fechado”, diz o geólogo, referindo-se a determinada transformação em que as rochas da porção transformada não tenham trocado matéria com a região envolvente, mas apenas calor.

Aplicação do princípio do vaso fechado ocorre nos estudos da sustentabilidade relacionados com a água. A Terra é dotada de reservatórios de variável grau de conexão entre eles. O maior é o oceano global, dividido em compartimentos que se comunicam nas extremidades continentais e recebem nomes locais de oceanos e mares. Calotas polares e geleiras são grandes reservatórios, que, por conterem água congelada, dispensam a superfície plana. Os poros de solos e rochas constituem o terceiro grande reservatório. O quarto é a biomassa a que a água se agrega de várias maneiras. A água transita entre reservatórios, levando e trazendo nutrientes, poluentes, contaminantes e calor, manifestado por temperaturas. É por esta razão que lhe chamo componente itinerante do sistema geológico.

Para compensar oscilações sazonais, estocamos água de várias formas. Nas regiões desérticas e semi-áridas, precisamos de estoques plurianuais; nas de pluviosidade certa, mas concentrada em poucos meses, a estocagem faz-se para cobrir os meses secos. A melhor e mais democrática forma de estocar em qualquer contexto é nos solos, protegidos por vegetação, em terras altas (estoque proximal), mas cada litro de solo perdido por erosão ou arrastado é um copo de cerveja a menos de capacidade de armazenamento.

Desconhecedora das possibilidades geológicas do armazenamento proximal, a humanidade opta pelo distal em reservatórios de barragens (muito importantes quando necessárias). Estes contam com as desvantagens materiais de serem tardios em relação à fruição mais completa da água em terra, que chega a eles depois de erodir, inundar e matar; vulneráveis à evaporação e consequente aumento da salinidade; vulneráveis ao assoreamento. No plano da organização social são concentradores de poder. Muitos de seus detentores (estados, empresas, pessoas) são verdadeiros colecionadores de água. Pela inconsistência geológica da medida, a Transposição parece-me atender a interesses de colecionadores de água, e de poder.

Além de inúmeras soluções simples e democráticas, começa a era da devolução do solo à montanha para devolver à água seu melhor lugar.



Belo Horizonte, 30 de março de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.


30 de março de 2011

Atraso na preservação de nossa cultura e a situação crítica dos tombamentos

Colaborador da FIABCI/BRASIL (Federação Internacional das Profissões Imobiliárias) comenta a situação crítica dos tombamentos no Brasil em documento hoje publicado no jornal Estado de São Paulo e cita argumentos de geologia urbana de Edézio Teixeira de Carvalho. Veja abaixo.

Sérgio Mauad (*)

Raízes, base do sólido e saudável desenvolvimento de qualquer país, devem ser preservadas. Na sociedade, a memória histórica deve sempre se somar ao nosso instinto desenvolvimentista, balizando regras básicas do bom convívio social, em clima de harmonia entre hábitos e cultura regional, para um avanço saudável. A sabedoria de cada povo está em discernir o que deve ser tombado e preservado, e a que custo, sem impedir a evolução da natureza, que busca seu próprio equilíbrio, e também o progresso de uma nação. Não é exatamente o que vemos no Brasil.
Anos atrás, num congresso da Fiabci Mundial na Áustria, um painel de debates sobre tombamentos, para preservação do patrimônio cultural, mostrou-se especialmente rico em argumentos. Foram levantados prós e contras, ao se avaliar um efetivo tombamento. Ouvimos opiniões bem embasadas, de autoridades no assunto, mostrando como viabilizar tombamentos, o porquê de fazê-los ou então o porquê de não fazê-los em determinadas circunstâncias. Exemplo de apresentação.
Prevaleceram as opiniões que defendiam a preservação da história, desde que não se desequilibrasse financeira e economicamente o poder público nem os indivíduos ou empresas proprietárias dos imóveis a serem tombados.  
Chamou atenção debate fecundo entre representantes de dois países de culturas e idades diferentes, Japão e Canadá. O representante japonês defendeu a idéia de que o espaço urbano deve ser maximizado. Exibiu foto de um casarão histórico no centro da cidade e pediu atenção para a arquitetura da sua fachada. Apenas ela fora preservada, incrustada na fachada do novo edifício, moderno, em um painel rente à calçada. Dizia ele: “Não podemos sacrificar a transformação natural da cidade, que precisa atender seu crescimento orgânico, daí ter sido mantida apenas a fachada histórica, preservada com uma placa identificando e registrando sua memória.”
O representante do Canadá interveio mostrando que, para tombar um edifício, particular ou público, a primeira premissa a ser respeitada é que o país seja rico o suficiente para garantir sua conservação, manutenção e uso adequado daquele bem.
No Brasil, temos assistido a discussões sobre tombamentos carentes de visão assim mais abrangente. Refiro-me ao enfoque que leve em conta, sim, a sustentabilidade e a preservação ambiental, mas que não despreze esse dado concreto de suma importância: nossas cidades ocupam menos de 1% do território nacional.
Recentemente, o geólogo Edézio Teixeira de Carvalho expôs seu pensamento pela Internet sobre o tema, que reproduzo em parte aqui: “...não podemos criar uma cidade aleijada só porque um pequizeiro está no caminho. Daqui a 50 anos, o pequizeiro morre e a cidade leva seu aleijão até o final dos tempos, porque ela é a única obra humana que foi concebida por um lado para a eternidade e, por outro, exatamente para substituir a primeira natureza por uma segunda, em que componentes da primeira podem ter lugar desde que necessários, convenientes e conviventes.” E perguntava ele: “O que havia antes no local onde foi construído o Louvre de Paris?”.
Quem olha uma planta de São Paulo com imóveis tombados ou em fase de tombamento e fixa sua atenção nos trezentos metros em volta, fica surpreso. Sua ocupação e o uso do solo são restritos, impondo-se como verdadeiros quistos urbanos desafiando qualquer plano racional de diretrizes para o desenvolvimento da área.
A condição deplorável em que se encontram vários imóveis tombados como Patrimônio Histórico, alguns deles, inclusive, invadidos, evidencia a ausência de políticas públicas consistentes para garantir a preservação da memória. Afinal, vale para o urbanismo o mesmo que se aplica à cabeça das pessoas: mente vazia é oficina do diabo. Melhor dizendo: lugares que não têm uso produtivo acabam sendo ocupados por quem não tem nada a oferecer para a cidade; é o risco latente de novas Cracolândias. Na questão dos tombamentos, abraçamos o atraso.



São Paulo, 30 de março de 2011.

(*) Sérgio Mauad é colaborador da Fiabci/Brasil, ex-presidente do Secovi-SP e presidente da SMDI-Desenvolvimento Imobiliário. 
Enviar comentários para sm@sergiomauad.com.br  



Fontes:
Jornal Estado de São Paulo [consultado em 30 de março de 2011]
http://sergiomauad.com.br/post.php?ID=19 [consultado em 03 de dezembro de 2014]

16 de março de 2011

Lições do Japão

Lições do Japão
Geocentelha 326

São admiráveis as lições do Japão, mas nem todas estão à vista. A mídia, que consultou especialistas, não expôs todas elas. A intensidade do terremoto, não a magnitude, usada para comparação, que atinge um dado local, é inversamente proporcional ao quadrado da distância do local considerado ao foco (hipocentro). Certo ou com ajustes a fazer, não faz sentido estarmos agora preocupados com a profundidade de 24 km do foco, que só teria sentido para dizermos da intensidade com que chega a onda de choque ao epicentro. No caso de Sendai, cidade mais atingida, a 130 km do epicentro, e este a 24 km do hipocentro (profundidade) a intensidade (ordem de grandeza) deve ter sido da ordem de 3,35% da intensidade no epicentro. Considerando a distância para Tóquio, de 370 km, a intensidade aí teria sido de 0,4% da intensidade no epicentro! Portanto, o terremoto, mesmo tendo sido muito grande, não pôs à prova, de fato, as estruturas em Sendai e muito menos em Tóquio.

Daí resulta a consequência mais global da localização do terremoto: Ela fez que os principais danos diretos  tenham ficado por conta do tsunami, o que afinal foi visto nas imagens.

O que vi de mais positivo das lições que nos passaram os japoneses: As autoridades deixaram evidente que valorizam mais a Vida que a Propriedade, sendo o indicador mais forte a quantidade enorme de veículos arrastados, portanto guardados em lugares mais expostos ao tsunami que as residências, mas a posição destas não me convenceu inteiramente pelo que direi mais à frente. Os barcos das marinas, confesso não saber bem como proteger mais eficazmente. Neste aspecto, fica muito claro que a baixa orla japonesa presta-se muito bem ao plantio de arroz e hortaliças, cujo risco fica limitado à perda de safra ou à ocorrência fortuita. A disciplina geral com que se comportou o povo nas primeiras horas pareceu-me um comportamento de quem está convencido (valor cultural) das orientações muitas vezes treinadas que de uma obediência cega.

A outra lição importante é a forma logicamente bem estabelecida de fixar prioridades: Na prevenção reduzir ao mínimo a exposição ao risco previsível em relação ao fortuito. Em orla sujeita a tsunamis é claro que a habitação à beira-mar em cota baixa será certamente atingida, podendo isto ocorrer com pessoas dormindo; banhistas na praia ou lavradores no arrozal podem correr para plataformas resistentes ou lugares mais altos em resposta aos avisos (risco fortuito e sobre pessoas em vigília).

A construção sismorresistente, não testada, não faz menos temerário o gigantismo de Tóquio e não percebi uma cota mínima realmente segura na urbanização da orla, que poderia ter salvo metade ou mais dos que morreram no tsunami de 2004.

Finalmente, diante do sismo do Haiti e do maremoto que atingiu Lisboa em 1755, originado no contato das placas africana e européia, acho imprudente considerar o nosso Atlântico tão isento.  

  
      
Belo Horizonte, 13 de março de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.



Comentários do autor

Amigos: Os editores e jornalistas em geral conhecem uma lei muito parecida com as leis físicas. É mais ou menos isto: O volume de matéria jornalística publicada sobre um fato notável é inversamente proporcional ao tempo passado do fato. Por esta razão apressei-me  em enviar ao Editor de Opinião de O Tempo reflexões preliminares sobre o ocorrido no Japão, mesmo correndo o risco de ser em parte desmentido. Procurei fazê-lo tentando cobrir um campo, que considero importantíssimo, das medidas de prevenção do risco, que, a meu juízo, tinham sido pouco exploradas pela própria imprensa e pelos analistas especializados (vi as opiniões e declarações de uns 15). Atualizando minhas avaliações para o que vi até a manhã de hoje (16/03/2011), tenho tristemente confirmado o que tinha apontado como uma dúvida, que parte significativa da orla certamente foi temerariamente ocupada por residências; vi muralhas construídas na praia num dado local; mais do que prevenção no caso, parece-me imprudência dos japoneses e erro de filosofia de urbanização; eu, em hipótese nenhuma, colocaria minha residência a uma altitude menor que pelo menos 20 metros no Pacífico e no Índico, assim evitando, com minha família, o risco estatisticamente significativo; poderia eu então ser atingido na praia, como banhista, ou plantador de arroz ou hortaliças, mas aí seria atingido em estado de vigília, em ocorrência fortuita (a circunstância probabilisticamente excepcional de eu estar na praia na hora do ocorrido). Não falei da questão nuclear porque não sou conhecedor da parte nuclear dela, mas o planejamento da prevenção, definitivamente, agora já não me convence, estando os japoneses trabalhando com dois recursos improvisados, além dos três que falharam surpreendentemente, sem terem no caso enfrentado intensidade alta no local, quais sejam o bombeamento direto de água do mar e agora esta de derramar água sobre os reatores a partir de helicópteros, lembrando-me muito bem, contado a mim por um geólogo russo, a forma inicial de sepultar o reator de Chernobil ----- por meio de massa de concreto lançada de hilicópteros. Tanto quanto torço para que as fatalidades não cresçam muito, torço para que a humanidade passe a considerar que, a rigor, não há diferença entre perder vidas pelo hálito pestilento da morte nuclear, pela dengue, ou pelo acidente geológico para o qual se tenha deixado de tomar medidas preventivas cientificamente embasadas e lógicas.

A diferença entre elas é que, por desconhecimento de outros fatores, possam levar a decisões de governo equivocadas.

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo

15 de março de 2011

Seminário sobre APPs em áreas urbanas.

Caros colegas, coloco a disposição de vocês palestras que discutem APPs em áreas urbanas. Realizada em Belo Horizonte no Centro de Educação Ambiental - CEDAM/SMMA, em dezembro de 2010.

Os links para download são:
(Apresentação Joaquim Martins)

(Apresentação Edézio Teixeira)

(Apresentação Francisco Freitas)

(Apresentação Antônio Pádua)

4 de março de 2011

O Método Geológico

Caros colegas, coloco a disposição o texto "O Método Geológico Aplicado à
Implantação de Aterros de Resíduos", que trata da recuperação de áreas degradadas pela disposição controlada de resíduos de construção e demolição.


26 de fevereiro de 2011

O Paradoxo paulistano

O Paradoxo paulistano
Geocentelha 325

Alguém duvida de que São Paulo é a maior concentração de conhecimento e inteligência no Brasil? Maior concentração de poder econômico? Maior aparato institucional de universidades e centros de pesquisas? De que São Paulo tem a maior experiência de construção viária na serra do Mar? Eu não! É claro que, com exceção do último qualificativo, não desprezando outras experiências viárias na serra, São Paulo tem tudo isto a mais por questão de proporcionalidade populacional, turbinada por desenvolvimento mais consolidado. E agora? São Paulo pode resolver ou liderar a solução dos problemas urbanos da serra do Mar? São Paulo tem experiências comprovadas em Santos, Ubatuba, Caraguatatuba, Cubatão. A resposta então seria afirmativa. Pode, mas poder não garante que o consiga. E a dúvida não surge por questão puramente técnica ou de arranjo institucional (política), mas enraizada profunda e sutilmente no âmago da mais delicada das ciências aplicadas, a da gestão.

Corto agora para a primeira entrevista do saudoso Mário Covas, governador, a que assisti pela televisão ao assumir seu primeiro mandato. Respondeu a uma pergunta assim: “A solução do problema do Tietê é conceitualmente simples, concentrando-se essencialmente em alargar e aprofundar a calha”. Não obstante os esforços aplicados, a solução prometida parece um poente, que se aproxima de nós à medida que tentamos afastar-nos dele antes que as trevas nos cubram. Em janeiro vejo, na televisão, o governador paulista atual declarar: “Vamos dar continuidade à construção dos piscinões. O piscinão é a várzea moderna”. Talvez esteja aí uma ponta da explicação do paradoxo paulistano, pois quem faz a nova Imigrantes, plena de exemplos de boa técnica, e muito mais do que isto, da melhor filosofia concepcional e construtiva, tem capacidade de sobra para ter resolvido o problema das inundações de São Paulo, que ameaça sobreviver ao século 21! Não o fez porque não tomou conhecimento de descrição geológica do problema e muito menos nela inspirou a solução. O problema não é simples como disse o primeiro, e não se compadecerá nem com a sua solução e muito menos com a várzea moderna do segundo.

Na rodovia a liberdade de pensar na aplicação do conhecimento e da inteligência em busca da melhor solução é ampla e notória. Cidade é diferente, é construída dia a dia por muitos agentes mal coordenados. Precisa certamente de regulamentos especiais, que, contrariamente ao que fazem os atuais, estimulem o uso do conhecimento e da inteligência, na busca dos terrenos mais seguros para a habitação, dos meios mais eficazes de dispor e imobilizar as massas geológicas e de dar à água lugar e condições de entrada e de saída no sistema geológico conforme a sua feição. Sem o uso do patrimônio intelectual, formado a duras penas, agora não só o dos paulistas, o dinheiro do pré-sal e supercomputadores rolarão na lama como os matacões da serra.   


       
Belo Horizonte, 04 de fevereiro de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho

Eng. Geólogo.

Manifesto de geólogos de Minas Gerais sobre a gestão do risco geológico

Este documento foi escrito por Cláudia de Sanctis Viana, Edézio Teixeira de Carvalho, Luís Bacellar e Maria Giovana Parizzi, geólogos, presentes na sede da empresa GEOLURB Geologia Urbana e de Reabilitação Ltda, à avenida Getúlio Vargas, 668 Sala 1201, em Belo Horizonte, todos geólogos, em reunião secretariada por Fábio Henrique Dias Leite, também geólogo. Participaram da elaboração do documento os também geólogos Eduardo Antonio Gomes Marques, Frederico Garcia Sobreira e Leonardo Andrade de Souza, mediante o envio de contribuições prévias, todos sócios da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental ABGE. Todos estiveram por diversas ocasiões e canais em conexão com a comunidade geológica dos vizinhos estados de São Paulo e Rio de Janeiro acompanhando e participando das confabulações em torno dos catastróficos episódios de deslizamentos de terras, corridas de lama e inundações ocorridos na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, em especial nas cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis; de inundações que mais uma vez atingiram duramente a capital e outras cidades de São Paulo e cidades da região Sul do Estado de Minas Gerais, atingidas também por grandes inundações.

Manifestam, portanto: Irrestrita solidariedade às comunidades atingidas, pertencentes ou não aos domínios geográficos citados; encontram-se em permanente comunhão com todos os esforços em desenvolvimento nos citados centros e em outros espalhados pelo país, que objetivem o esclarecimento da sociedade brasileira a respeito de aspectos geológicos condicionantes ou determinantes dessas ocorrências catastróficas; participam da tomada de posição em relação a eventuais omissões de órgãos de governo que tenham contribuído para a maior gravidade das consequências; encaminham sua contribuição em direção a drásticas mudanças nos procedimentos das autoridades da União, Estados e Municípios em relação à gestão do RISCO GEOLÓGICO em suas diversas manifestações.

Estando cientes de que episódios como os aqui tratados ocorrem regularmente no território brasileiro, de longa data, inclusive já com cobertura abundante da imprensa, a exemplo dos de 1966/67, atingindo o Rio de Janeiro e a região serrana fluminense, os signatários não reconhecem relação de causa e efeito necessária entre mudanças globais do tipo aquecimento antrópico e esses episódios.

Reconhecem, todavia, como fatores do aumento da gravidade das conseqüências desses episódios:

  •  O crescimento rápido da população urbana em parte proveniente de migrações interregionais;
  •  os procedimentos eminentemente burocráticos dos processos de parcelamento e uso do solo, baseados em legislação inadequada e em parte na inobservância ou equivocada interpretação da lei;
  •  a ausência quase total de serviços geológicos contínuos nas esferas estaduais e municipais;
  •  as graves deficiências de formação cultural básica, caracterizadas por generalidades de natureza ambiental sem fundamentação geológica;
  • o profundo desencontro entre a Humanidade e a Terra, proveniente dessas deficiências, que impedem a consideração de que esta é constituída de componentes permanente (arcabouço mineral), transitório (flora e fauna) e itinerante (água), cada um deles idealmente devendo ter tratamentos inerentes a suas naturezas e estados de agregação;
  •  em relação ao componente itinerante acima, a gestão urbana da água praticamente reduzida às dimensões suprimento e drenagem, impedindo a exploração de possibilidades geológicas fecundas, de resultados comprovados, como a solução consorciada de disposição geologicamente orientada de resíduos inertes com o controle do escoamento pluvial urbano;
  • as graves carências de cunho sócio-econômico de grande parte da população;

Diante do acima exposto, e considerando as amplas possibilidades de contribuição do conhecimento geológico para que sejam drasticamente reduzidas as graves perdas materiais e humanas que acidentes geológicos previsíveis têm provocado, resolvem, assim, propor à sociedade brasileira em geral e às autoridades públicas em particular, dos poderes legislativo, executivo e judiciário, no que couber a cada um, as seguintes medidas:

1)      Determinação de remoção, em prazo a ser tecnicamente definido, de assentamentos geologicamente considerados inviáveis, com reassentamento em áreas reconhecidas como seguras em estudos geológicos adequados nos termos da Lei 6766/79;

2)      Implantação de intervenções geotécnicas e de urbanização nas áreas onde as situações de risco forem passíveis de minimização;

3)      Estabelecimento, em lei, de indenização em rito sumário por morte comprovada em acidente geológico, tomando por referência os níveis de indenização praticados internacionalmente, e por perdas materiais igualmente comprovadas indenização em rito normal, baseando-se em  valores de mercado, e condicionada à comprovação de inexistência de dolo por parte dos postulantes, sujeito às penas da lei;

4)      Revisão da legislação de ordenamentos territoriais, especialmente do Código Florestal, quanto à sua aplicação ao meio urbano, considerada incompatível com a natureza particular da Cidade, em especial por dispensar e até impedir a aplicação contextualizada do conhecimento geológico, além de gerar a formação de corpos de água potencialmente insalubres e estimuladores da propagação de vetores;

5)      Implantação de um sistema nacional de controle do risco geológico centrado no governo Federal, com ramificações estaduais e municipais vinculadas, à semelhança do Sistema Único de Saúde SUS, do qual constem, obrigatoriamente, pelo menos:


  • Programa articulado entre União, Estados e Municípios de levantamento geral de todos os documentos da cartografia temática relacionada, existentes no Brasil, Estados e Municípios e sua catalogação e geração de arquivos digitais para consulta de modo a comporem um banco de dados acessível aos encarregados de estudos locais;
  • Organização de banco de dados meteorológicos, climatológicos, de cartografia básica e temática em escalas reais apropriadas aos estudos regionais e locais, tornando-os, não importa sua fonte geradora, exceto os de confidencialidade garantida por lei, disponíveis para a consulta técnica local;
  • Estabelecimento de linhas de pesquisa geral ou vinculadas a particularidades regionais em programas de cooperação com universidades e centros de pesquisa conforme as suas vocações naturais e qualificação dos respectivos recursos humanos;
  • Criação de serviços geológicos estaduais; nos moldes dos já existentes, criação e aparelhamento de departamentos relacionados ao risco geológico conforme as suas manifestações regionais vinculadas aos aspectos geológicos, fisiográficos, vegetais e climáticos;
  • Garantia a todos os municípios de pequeno porte territorial e de população, por agrupamentos municipais, do serviço geológico local em permanente conexão técnico-científica com o serviço federal e o estadual.
Finalmente os signatários conferem o necessário realce ao caráter complementar e organicamente integrado das medidas propostas, inclusive a indenização em rito sumário, cada uma delas essencial ao melhor êxito do programa em benefício da população brasileira.





Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2010

Cláudia de Sanctis Viana
Edézio Teixeira de Carvalho
Eduardo Antonio Gomes Marques
Frederico Garcia Sobreira
Leonardo Andrade de Souza
Luís Bacellar
Maria Giovana Parizzi
Fábio Henrique Dias Leite – Secretário