14 de abril de 2011

Código Florestal


Código Florestal
Geocentelha 329

Respostas ao pedido abaixo de Apolo Heringer Lisboa:

Elenque 5 pontos, em ordem de prioridade, sobre o que considera mais importante numa discussão sobre o Código Florestal nesta conjuntura de mudança. Inclusive com perfil histórico e mundial se puder.

Ponto 1: Ausência de cultura traduzida na falta de dimensão pedagógica na forma de redigir a lei. Uma lei de ordenamento territorial precisa ter dimensão pedagógica na aderência das disposições ao objeto. Não existe nada no Código Florestal que indique essa aderência: Ele poderia ser aplicado a Marte e à Lua se esses astros tivessem água, que o desastre seria o mesmo. Naturalmente essa total falta de cultura acha que aplicar limites numéricos para determinar formas de tratar a terra não é um desrespeito a ela, mas é, e é o maior de todos. É uma forma humanamente arrogante de determinar formas de explorar a Terra que está apoiada evidentemente na ignorância, pedestal preferido da arrogância.

Ponto 2: Em nenhum ponto a lei recorre aos profissionais das ciências da terra para o estabelecimento final de critérios locais de uso do solo. É dizer que o Agrônomo, Eng. Florestal, Biólogo, Geólogo, Geógrafo, dentre outros, sabem menos que um remoto deputado em Brasília sobre aquele pedaço de terra atingido pela lei. Para onde vai a responsabilidade profissional, inclusive assumida em juramento? O profissional desobedece mais à lei se atende ao limite numérico contra todas as evidências locais, ou está, e estamos mesmo, traindo a confiança da população e aí sim cometendo um crime profissional a todos os títulos imperdoável? Se isto não for suficiente para estabelecer a inconstitucionalidade flagrante do Código Florestal, em qualquer das versões discutidas, eu não sei o que é inconstitucionalidade, depois de ter sido por mais de 4 anos Membro da Comissão de Legislação do Conselho Universitário da UFMG. Quem enquadrará o profissional que obedece à lei, mas trai o povo, ou o que, para não trair o povo, desobedece à lei?

Os pontos seguintes são estritamente técnicos

Ponto 3: Por que o tudo ou nada em relação às APP’s? explico com um exemplo. Encostas do leste/sul mineiro de média e alta declividade podem ser não recomendáveis para a enxada e o pisoteio, mas podem perfeitamente ser adequadas para forrageiras de corte ou para arborização comercial, que excluem o pisoteio e a enxada. O Código tem de ser minimamente flexível. O tudo ou nada é o fim do mundo em termos de lógica de ordenamento territorial.

E eu digo: Não estou à procura de mais desmatamento em termos líquidos, porque, a meu juízo, o Código Florestal é extremamente permissivo no total.

Ponto 4: Por que uma APP de topo a partir de 1.800 m de altitude? Imagine-se que o Brasil troque de posição com a América do Sul espanhola. Então somando as áreas acima de 1.800m de altitude no Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia  e Venezuela, sem falar da América Central e México, teremos por aí pelo menos um Peru ou uma Bolívia ou os dois juntos inteiros fora da atividade produtiva, inclusive culturas como a de Machu Pichu não teriam vez.

Um colega geólogo disse-me que eu era um chato porque, no Brasil, as áreas de altitude maior que 1.800 m eram insignificantes e não se estava perdendo nada por preservá-las. Lamentável equívoco desse meu colega, cabeça coroada da geologia nacional, porque, exatamente por serem diminutas essas áreas, é que elas deveriam ser visadas com o maior carinho possível em termos de ocupá-las com culturas e cidades numa experiência civilizatória que nos tornaria como nação mais experiente, mais irmã de culturas como as da América espanhola atual, da Ásia Central, das Rochosas, da alpina. É triste vermos como a nação não reage a absurdos civilizatórios como este. Chego a duvidar de sermos uma nação inteligente.

Ponto 5: APP’s marginais: Acho que devem existir, mas jamais limitadas por números rígidos, e devem também poder não existir, desde que profissionais no exercício de suas funções dêem solução diversa em certos casos. Por exemplo, essas APP’s ocupam faixas de terreno naturalmente irrigadas durante todo o ano, abrigando culturas que alimentam bilhões de pessoas (bilhões mesmo). Se implantadas a ferro e fogo como a lei nazifascista determina, o vaso fechado da sustentabilidade vai funcionar, e a agricultura (estou pensando no Nilo e Sudeste da Ásia) terá de irrigar terras mais altas de lençol freático mais profundo consumindo mais energia e aumentando custos, muitas vezes para famílias completamente destituídas de meios para fazê-lo).


Para completar eu gostaria de dizer como a lei determina um desastre ambiental como a erosão do solo no leste/sul mineiro: O pasto está em encosta de declividade 40o . O pisoteio promoveu uma degradação terrível dilacerando completamente o solo superficial. Ah, mas o proprietário não desrespeitou a lei; portanto não há crime ambiental. Quero dizer com isto que a lei virou um fim em si, dispensou a ciência, a boa técnica e os profissionais formados a peso de ouro pela população desamparada.

Não é por acaso que a discussão atual do Código Florestal, na falta absoluta de ciência verdadeira, descambe para imediatismos legítimos de cunho ideológico, corporativo e assim por diante. Miséria extrema de civilização é o que é este estado de coisas.



Belo Horizonte, 13 de abril de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


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