Código Florestal
Geocentelha 329
Respostas ao pedido abaixo de Apolo Heringer Lisboa:
Elenque 5 pontos, em ordem de prioridade, sobre o que
considera mais importante numa discussão sobre o Código Florestal nesta
conjuntura de mudança. Inclusive com perfil histórico e mundial se puder.
Ponto 1: Ausência de cultura traduzida na falta de dimensão
pedagógica na forma de redigir a lei. Uma lei de ordenamento territorial
precisa ter dimensão pedagógica na aderência das disposições ao objeto. Não
existe nada no Código Florestal que indique essa aderência: Ele poderia ser
aplicado a Marte e à Lua se esses astros tivessem água, que o desastre seria o
mesmo. Naturalmente essa total falta de cultura acha que aplicar limites
numéricos para determinar formas de tratar a terra não é um desrespeito a ela,
mas é, e é o maior de todos. É uma forma humanamente arrogante de determinar
formas de explorar a Terra que está apoiada evidentemente na ignorância,
pedestal preferido da arrogância.
Ponto 2: Em nenhum ponto a lei recorre aos profissionais das
ciências da terra para o estabelecimento final de critérios locais de uso do
solo. É dizer que o Agrônomo, Eng. Florestal, Biólogo, Geólogo, Geógrafo,
dentre outros, sabem menos que um remoto deputado em Brasília sobre aquele
pedaço de terra atingido pela lei. Para onde vai a responsabilidade
profissional, inclusive assumida em juramento? O profissional desobedece mais à
lei se atende ao limite numérico contra todas as evidências locais, ou está, e
estamos mesmo, traindo a confiança da população e aí sim cometendo um crime
profissional a todos os títulos imperdoável? Se isto não for suficiente
para estabelecer a inconstitucionalidade flagrante do Código Florestal, em
qualquer das versões discutidas, eu não sei o que é inconstitucionalidade,
depois de ter sido por mais de 4 anos Membro da Comissão de Legislação do Conselho
Universitário da UFMG. Quem enquadrará o profissional que obedece à lei, mas
trai o povo, ou o que, para não trair o povo, desobedece à lei?
Os pontos seguintes são estritamente técnicos
Ponto 3: Por que o tudo ou nada em relação às APP’s? explico
com um exemplo. Encostas do leste/sul mineiro de média e alta declividade podem
ser não recomendáveis para a enxada e o pisoteio, mas podem perfeitamente ser
adequadas para forrageiras de corte ou para arborização comercial, que excluem
o pisoteio e a enxada. O Código tem de ser minimamente flexível. O tudo ou nada
é o fim do mundo em termos de lógica de ordenamento territorial.
E eu digo: Não estou à procura de mais desmatamento em
termos líquidos, porque, a meu juízo, o Código Florestal é extremamente
permissivo no total.
Ponto 4: Por que uma APP de topo a partir de 1.800 m de
altitude? Imagine-se que o Brasil troque de posição com a América do Sul
espanhola. Então somando as áreas acima de 1.800m de altitude no Chile,
Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, sem falar
da América Central e México, teremos por aí pelo menos um Peru ou uma Bolívia
ou os dois juntos inteiros fora da atividade produtiva, inclusive culturas como
a de Machu Pichu não teriam vez.
Um colega geólogo disse-me que eu era um chato porque, no
Brasil, as áreas de altitude maior que 1.800 m eram insignificantes e não se
estava perdendo nada por preservá-las. Lamentável equívoco desse meu colega,
cabeça coroada da geologia nacional, porque, exatamente por serem diminutas
essas áreas, é que elas deveriam ser visadas com o maior carinho possível em
termos de ocupá-las com culturas e cidades numa experiência civilizatória que
nos tornaria como nação mais experiente, mais irmã de culturas como as da
América espanhola atual, da Ásia Central, das Rochosas, da alpina. É triste
vermos como a nação não reage a absurdos civilizatórios como este. Chego a
duvidar de sermos uma nação inteligente.
Ponto 5: APP’s marginais: Acho que devem existir, mas jamais
limitadas por números rígidos, e devem também poder não existir, desde que
profissionais no exercício de suas funções dêem solução diversa em certos
casos. Por exemplo, essas APP’s ocupam faixas de terreno naturalmente irrigadas
durante todo o ano, abrigando culturas que alimentam bilhões de pessoas
(bilhões mesmo). Se implantadas a ferro e fogo como a lei nazifascista
determina, o vaso fechado da sustentabilidade vai funcionar, e a agricultura
(estou pensando no Nilo e Sudeste da Ásia) terá de irrigar terras mais altas de
lençol freático mais profundo consumindo mais energia e aumentando custos,
muitas vezes para famílias completamente destituídas de meios para fazê-lo).
Para completar eu gostaria de dizer como a lei determina um
desastre ambiental como a erosão do solo no leste/sul mineiro: O pasto está em
encosta de declividade 40o . O pisoteio promoveu uma degradação terrível
dilacerando completamente o solo superficial. Ah, mas o proprietário não
desrespeitou a lei; portanto não há crime ambiental. Quero dizer com isto que a
lei virou um fim em si, dispensou a ciência, a boa técnica e os profissionais
formados a peso de ouro pela população desamparada.
Não é por acaso que a discussão atual do Código Florestal,
na falta absoluta de ciência verdadeira, descambe para imediatismos legítimos
de cunho ideológico, corporativo e assim por diante. Miséria extrema de
civilização é o que é este estado de coisas.
Belo Horizonte, 13 de abril de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
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