18 de abril de 2017

Distorção da verdade



                                               GC 426 DISTORÇÃO DA VERDADE

Vinha o conhecimento formalmente admitido dos arredores espaciais da Terra como jardins e pomares rodeando a casa (Ptolomeu), até que Copérnico propôs mudança drástica entre as posições da Terra e do Sol, indo o Sol para o lugar da casa e a Terra para posição secundária junto aos demais planetas. Um certo Giordano Bruno aderiu e foi supliciado pela Santa Inquisição. Galileu teria renunciado a suas convicções para salvar a própria pele. Mais tarde prevaleceu verdade mais ampla, entrando outros componentes, que sobre a geometria e história do universo não para de mudar.
De maneira não muito diferente do que antecedeu a revolução de Copérnico, estabeleceu-se no Brasil um código florestal todo ele baseado em critérios topográficos para delimitação de porções de terras a serem manipuladas cada uma conforme a sua classificação, como se fosse o povo brasileiro todo burro e não apenas aqui e ali destituído de dignidade e de amor à sua terra.
Não existe aqui a pretensão de promover sofisticada análise de aderência do dispositivo legal ao próprio objetivo, mas uma visão simplificada de lógica dos resultados práticos a que ele conduz em casos concretos.
O primeiro ponto que se justifica considerar é a APP das cotas superiores a 1800 m. Pela necessidade real,  parece próxima de inteiramente dispensável, porque não há no Brasil áreas de extensão significativa acima dessa cota. Portanto o impacto de sua ocupação e uso caso permitido seria diminuto. Por outro lado temos vizinhos andinos com extensos territórios ditos páramos ou altiplanos em cotas superiores com espécies vegetais que poderiam ser adaptadas a pequenas extensões de equivalentes brasileiros. A eventual adaptação teria consequências boas para o Brasil. Para não deixarmos de invadir a intimidade de outros países, vi recentemente estrada de ferro chinesa com severos problemas de manutenção em cotas superiores a 4.000 (!) m. Para quem não sabe o que isso significa, trechos dela foram implantados no que chamamos permafrost, região de solos permanentemente gelados, com frequentes problemas de fixação do piso e trilhos, e se lá existem vias, existem áreas produtivas, que usam tais terrenos, até 2.200 m acima do nosso limitado limite! E existe um tal topo de morro frequentemente mais estável que partes das associadas encostas, principalmente na inacreditável extensão de um código florestal feito para o meio rural adaptado ao meio urbano!
Indo para a beira do rio, encontramos APP’s de nascentes, brejos, lagos e cursos d’água, mais uma vez numa limitação de uso que em países europeus às vezes não passam de 5 m. Numa APP de 50 m de raio, ou 30 m de largura quem desejar fazer modesta plantação de inhame, atrás exatamente da água natural, tendo que obedecer a tais limites, poderá ter de adotar dispendiosa irrigação com custos financeiros e ambientais evidentes, ou então desistir do inhame e de inúmeros outros plantios igualmente dependentes de água a nível raso. Tanto a nascente quanto o curso d’água, no caso, por hipótese, a exemplo da montanhosa Minas, têm, à beira d’água, o começo de uma subida de alta declividade, de modo que a não mais que 10 m dessa água a encosta já subiu 5 m ou mais. Daí para cima o lençol freático já ficou muito distante do inhame para poder nutri-lo sem rega. Então nem vou falar do arrozal do sudeste da Ásia tantas vezes plantado dentro d’água.
Não se pense que o argumento acima significa perder a preservação permanente de grandes áreas, porque, se se desse ao conhecimento técnico liberdade criadora, encontraria ele lugares mais lógicos a preservar nas absurdas declividades permitidas entre, por exemplo, os limites de 50 e 100% da espantosa e burra admissibilidade geral, que nesse caso, pelo menos, poderia ser variável por modalidade de uso à disposição da inteligência do proprietário nos casos mais simples e da análise técnica dos especialistas (exemplificadamente boi com seu cortante casco, e trator-de-morro-abaixo poderiam ser substituídos por plantio permanente muito menos agressivo).
Nas minhas cogitações ao escrever estas linhas vejo finalmente algumas de milhares de “nascentes”, em verdade fundos de voçorocas, por exemplo, e essas “nascentes” tratadas como nascentes, em verdade o dispositivo geológico tecnogênico destrutivo em vigoroso treinamento para arrancar solo da terra e rebaixar o lençol freático, papel que ele sabe exercer muito bem, e nada posso fazer mesmo tendo sido preparado pelo povo brasileiro, em boa escola de geologia, para esse nobre mister. Assim sendo, quando morrer, peço que ponham no meu túmulo que, mesmo não tendo seguido o destino de Giordano, morri geólogo envergonhado de todas as voçorocas não tratadas do solo brasileiro em consequência de um certo código florestal que não valoriza nem explora a inteligência humana.
    
Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2017.

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo