19 de agosto de 2011

O Projeto Manuelzão e a Transdiciplinaridade

Estamos plenamente conscientes das dificuldades inerentes à complexidade da estrutura de governo da UFMG, que sempre precisa consertar o carro em movimento. Mas, ao mesmo tempo, decisões históricas precisam ser tomadas, indo além do senso comum, para mudar o rumo das universidades brasileiras. E estamos aqui solicitando fraternalmente a solidariedade acadêmica aos nossos colegas professores, estudantes e técnicos da UFMG bem como da direção da Universidade, para que examinem nossas ponderações sobre as condições de trabalho do Projeto Manuelzão. Vivemos um momento de intensa angústia e impasse, resultado dos efeitos cumulativos e sinérgicos de adiamentos constantes de decisões por força de circunstâncias conceituais, institucionais e práticas no interior da UFMG nos anos passados. Fizemos a nossa parte nesses 14 anos. Não podemos aceitar passivamente o findar de nossas esperanças de sujeitos do processo histórico e terminar em vão tantos esforços, reconhecidos pela academia e pelo conjunto da sociedade, pelo que estamos realizando em ensino, pesquisa e extensão focados na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.

A UFMG não se preparou devidamente para esse momento. A criação de órgãos suplementares ou de núcleos transdisciplinares está na ordem do dia no plano internacional. Na ausência de condições institucionais ideais, é mais conveniente se pagar o preço de deixar iniciativas criadoras aflorarem, trazendo sentimentos novos à universidade, que pisar no freio. É preferível viver uma primavera. Essa atitude será melhor que sufocar essas atividades agora para depois tentar ressuscitá-las. Os momentos não voltam. A história reconhecerá o mérito e a coragem dos dirigentes da UFMG em correr os riscos da mudança, mesmo porque não mudar agora é risco maior. Sabemos que a inteligência emocional move, enquanto a racionalização burocrática paralisa.

A transdisciplinaridade só é possível com a transgressão de fronteiras conceituais e princípios tradicionais de organização do conhecimento. Sim, respeitar as disciplinas é imprescindível, pois geram conhecimentos, mas elas precisam ter liberdade para se articularem. Imaginamos que seja este o sentido de finalmente estarmos todos nos concentrando no campus Pampulha, superando nossa origem de unidades autônomas.

A um Prêmio Nobel de Medicina é atribuída a máxima segundo a qual “o mundo tem problemas, a universidade tem departamentos”. A frase resume o quanto o isolamento das áreas prejudica a pesquisa, o ensino e a compreensão do Universo. A universidade não pode ter muros interiores. A transdisciplinaridade é hoje, inclusive, defendida pelo Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão (Cepe) como uma das prioridades de investimentos e articulações para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Mas toda estrutura de poder e de gerenciamento tem por lógica a sua própria
sobrevivência e reprodução, e nessa direção é costume abdicar de seus projetos de transformação, resistindo às mudanças. Porém, elas não são mais importantes que as transformações qualitativas impulsionadas pelo desenvolvimento das forças produtivas do conhecimento.

O desenho institucional da UFMG está defasado frente ao desenvolvimento das iniciativas acadêmicas mais avançadas. Para fazer, há muito mais obstáculos que para deixar de fazer; não faz nem deixa fazer. Essa lógica é perversa. No nosso caso, não nos move nenhum sentimento menor, seja de corporativismo, de propriedade intelectual, de poder, trata-se unicamente de uma linha de trabalho em torno de uma teoria e de uma proposta acadêmica de ensino, pesquisa e mobilização da sociedade, que conquistaram amplo respaldo da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.

Reivindicamos que nos seja concedido o terreno já prometido para construirmos o Centro Transdisciplinar em Bacias Hidrográficas e Saúde Coletiva Ecossistêmica/Projeto Manuelzão/UFMG, para integrar as nossas atividades acadêmicas de ensino-pesquisa, extensão e pós-graduação dos diversos departamentos e disciplinas que integram o Projeto Manuelzão, arcando nós com os custos de construção e dos equipamentos através de captações de nossa responsabilidade. Isso dará plenas condições para o funcionamento do nosso Conselho Gestor Transdisciplinar e convivência acadêmica. Aliás, o ex-reitor Ronaldo Pena e seus pró-reitores tinham esse entendimento e se comprometeram oferecendo área para esta construção, que chegou a ser reservada em croquis pela professora Maria Lúcia Malard, e obteve parecer favorável do professor Bismarck Vaz da Costa, que ficou na dependência de assinatura de uma unidade responsável. Chegamos a mobilizar parceiros externos à UFMG solidários em apoiar e financiar esta edificação, de características ecológicas.

O objetivo é trabalhar em uma perspectiva estratégica de expansão das metodologias consolidadas na bacia do Rio das Velhas para a bacia de todo o Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade. Dessa forma, a liderança e a capacidade nucleadora de nossa Universidade serão construídas em redes de parcerias nacionais e internacionais na busca de soluções na área ambiental. Consideramos que nesses 14 anos conquistamos legitimidade social e acadêmica para apresentar esta proposta à UFMG e credibilidade para afiançá-la.

O todo é maior que a soma das partes, assim como a UFMG é maior que a soma de departamentos e unidades, e o Manuelzão é maior que os seus setores e atividades tomados isoladamente e fisicamente desconectados.

O desenvolvimento da ciência tem se dado pela revisão e reorganização permanente dos seus princípios e não pelo mero acúmulo dos conhecimentos. Esse é um dos princípios da transdisciplinaridade, sendo essencial uma convivência que permita essas discussões cotidianas em função de interesses científicos e metas. O Manuelzão está e sempre esteve aberto a seguir essa linha de trabalho.



Apolo Henriger Lisboa

Professor da Faculdade de Medicina e
coord. do Projeto Manuelzão

16 de agosto de 2011

Ética, Estado e Governo

Ética, Estado e Governo
Geocentelha 335

O Brasil, chamava-me a atenção o lúcido engenheiro, constroi tardiamente a infraestrutura, palavra que uso a contragosto, porque infraestrutura é a terra que recebemos com seus paus brasis de pé. A montagem de infraestrutura ao longo da história cobrou custos financeiros, ambientais, propinas, chibatadas. Recortado de canais, ferrovias, pontes, o mosaico europeu, compartimentado por Pirineus, Apeninos, Alpes, Cárpatos, fiordes, está multiconectado a ponto de parecer homogênea planície. Europeus não querem que façamos como fizeram, mas como acham correto hoje. Fazendo um EIA-RIMA retrospectivo sobre a Europa, seria de perguntar: Desmontariam tudo por suas teses? A velha Albion estaria disposta a rearborizar sua mesa de bilhar?

O Brasil, que só foi além de Paracatu pelas mãos de JK faz 50 anos, precisa costurar seu mosaico, e ambientalistas, aliás, na origem, muito justamente, montam a lei como cavalo de batalha, mas que lei é essa? Servirá mesmo ela a seus (nossos) propósitos? E nós? Povão ruidoso, alegre, cheio de asiáticos, europeus e sulamericanos, com o feito prodigioso da tolerância, que parece apagar naturalmente as mútuas mágoas originais dos imigrados. Mesmo tendo essa riqueza que a outros países falta, precisamos aprender com eles até nos erros. Ficamos admirados com a ordem com que japoneses enfrentaram a tragédia de Sendai. Mas vocês notaram? Ficou só Fukushima; ninguém se lembra mais de Sendai, onde morreram mais de 20.000 pessoas! A tragédia japonesa tem duas dimensões, a das perdas e a da interpretação: A cidade e centrais nucleares estavam expostas a evento geológico de alta previsibilidade. O acidente nuclear parece ter sido espoletado pelo tsunami, em fragoroso erro geológico de localização, mas atinge o coração desse modal energético como se apenas ele contivesse erro inerente, e os outros não; ele roubou a cena, impedindo qualquer movimento mundial mais visível no sentido de cobrar dos planejadores japoneses mais atenção, na localização das cidades, com ocorrências geológicas que tão bem conhecem.

Estado e governo, que o vai mudando supostamente segundo a vontade do povo, precisam compreender que o efeito de leis de ordenamento territorial que dispensam e afastam a ciência é muito mais desastroso do que  erros individuais, que terão sempre a presença de acertos para comparação de resultados e evolução da civilização. Se me pedissem minuta de código ambiental, trabalharia essencialmente na fixação de taxas de exploração máximas por compartimento territorial homogêneo, deixando aos técnicos para esse fim formados a aplicação do conhecimento na fixação de onde colocar a atividade exploratória nas propriedades. Palavras de ordem de governos sobre água e outros temas ambientais completamente incorretas do ponto de vista científico devem ser vistas como pura ignorância governamental ou como imperdoável desvio de comportamento ético?     



Belo Horizonte, 16 de julho de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho

Eng. Geólogo.

1 de agosto de 2011

O segredo do Vaso Fechado

O segredo do Vaso Fechado
Geocentelha 334

Sou fascinado pela gestão, ciência de sutilezas lógicas. A busca do melhor arranjo do trinômio necessidade-possibilidades-vontade confere-lhe fascínio, que a faz mais arte que ciência. O agrupamento de pessoas, criando a Cidade, é fruto da reflexão em torno do trinômio. Gosto da Cidade como tema, mas o princípio mais fecundo da gestão aplica-se ao planeta inteiro com maior clareza. Embora a rigor não, do ponto de vista físico, nosso planeta pode ser comparado a um vaso fechado onde se encontra toda a sustentabilidade material ou geológica. Isto coloca-nos diante de opções de gestão ante essa sustentabilidade. Se conhecemos  os compartimentos em que ela se encontra, podemos estabelecer regras de gestão, e o fizemos sobre terras como leis de ordenamento territorial conformadas à natureza das nações, de seu desenvolvimento e regimes. Elas deveriam ser capazes de estimular a busca do conhecimento e de impulsionar a reflexão em torno dele (possibilidades), de modo a bem regar uma vontade (vontade) para atender a necessidades reais da humanidade (necessidade).

Um punhado de técnicos trabalhando por mais de 30 anos descobriu o petróleo do pré-sal (nunca tantos deveram tanto a tão poucos, diria Churchill). Geologicamente esse petróleo foi formado pelos materiais orgânicos levados ao mar pelos rios entre o São Francisco e pelo menos o Itajaí, e foi armazenado nas estruturas geológicas formadas também pelo sedimento por eles levado e assentado sobre o estéril assoalho basáltico). Não queiram estados produtores, por circunstâncias geográficas, ficar com o bolo sozinhos. Se existe o famoso tiro no pé, é este o caso.

Ao vaso: Não queiramos excluir da urbanização topos de morros, onde amplos os melhores lugares para urbanizar, seguros, enxutos, alegres. Toda a lógica os recomenda para tal função, especialmente a do vaso fechado, porque se não colocamos a população nesses pontos seguros e sadios, colocá-la-emos nas encostas e fundos de vales inseguros (Teresópolis que o diga), encharcados, úmidos, insalubres, e entretanto indicados para outras funções. A humanidade que não experimenta não adquire experiência. Tem sido assim o Brasil e une a essa falta de experiência teimosia e arrogância. Se o leitor resolver dar agora uma olhada pelo Google Earth sobre a Europa, verá duas coisas interessantes: belíssimas cidades em topos de serras, e outras que bem exemplificam o corolário principal do vaso fechado (não precisamos ter tudo em todos os lugares), como inúmeras ruas de Viena, por exemplo, sem árvores, porque nelas a calçada é da bicicleta e do pedestre: O lugar das árvores, mais numerosas que as nossas, sadias, não morrendo de velhas, é nas ruas largas, praças, parques e vazados dos edifícios. Tenho minhas diferenças com a velha Europa, mas respeito sua experiência de 30 séculos construindo cidades. Que queremos se não experimentamos, nem imitamos o que deu certo?



Belo Horizonte, 16 de julho de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.