7 de março de 2017

Que fazer pelo São Francisco VI


GC 425 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO VI



    Interrompi com o Artigo GC 426 a sequência do São Francisco, que agora retomo no mesmo trecho do GC424, porque não acredito na reabilitação do rio, nela incluindo milhares de intervenções que, mesmo sendo conduzidas por especialistas, devessem a cada uma solicitar autorização especial para a implantação, porque é isto que exigiria a intervenção em cada APP, mesmo que a nascente que a justificava tenha deixado de ser nascente com recente alteração do Código Florestal. No trecho o rio envolve-se menos que o metropolitano com ambiências urbana, mineral e viária. Corre sobre o Grupo Bambuí, subgrupo Paraopeba indiviso, no médio curso; no baixo, a oeste da serra do Cabral, corre sobre coberturas detríticas. A homogeneidade do sentido sul-norte contrasta com as seções transversais, que mostram a oeste coberturas sedimentares do Cretáceo dispostas como tabuleiros e a leste formas salientes em alinhamentos norte-sul do Supergrupo Espinhaço, convivendo com intrusivas básicas e o Complexo Gouveia. O lado oeste com declividades suaves e formações receptivas à infiltração, enquanto o lado leste, salvo nos topos, tem declividades acentuadas e menor receptividade litológica à infiltração. Observação atenta dos cursos d’água locais revela leitos assoreados por solos claros (arenosos), por influência dos quartzitos, e pela alta energia do fluxo, que leva as porções finas em suspensão, deixando a areia no leito. Abaixo imagem do dia com visualização de dispositivos aplicáveis de controle de enchentes.

1 – Barragem com espelho dágua e parque em reservatório assoreado. 2 – Casas com reservatório enterrado. 3 – Talude  com mureta de pé contendo materiais erodidos. 4 – Posto de gasolina com reservatório. 5 – Botafora estabilizado e arborizado. 6 – Edifício residencial com reservatório sob o telhado. 7 – Muro de contenção com enchimento de terra a montante, revestido com vegetação. 8 – Via local de paralelepípedo, blocos intertravados perfurados, ou pé-de-moleque. 9 – Via ou pátio impermeável.




Hidrelétrica no Paraúna com assoreamento de alta mobilidade em face das altas declividades.




    Admitindo o Velhas à esquerda do desenho acima de área urbanizada com cuidados especiais, notam-se corpos porosos 1, 3, 5, 7 fáceis de implantar, favorecendo a infiltração; 2, 4, 6 são casas e prédio que aproveitam os telhados como coletores ideais de águas pluviais; 8 via local permeável; 9 único dispositivo impermeável. São todos implantáveis em cidade que não os tenha feito desde a fundação. Ainda no desenho: Árvores escolhidas para funcionarem como dispositivos de sucção podem, nas áreas menos estáveis, drenar o terreno para reduzir o risco de deslizamento. Ainda mais, se se observar com atenção o leito do Paraúna no Google Earth, ver-se-ão acumulações de areia em locais favoráveis para a lavra, em especial uma a montante da usina hidrelétrica (imagem acima), em que o período chuvoso é capaz de repor sazonalmente o material levado, por exemplo, pelo nosso já conhecido sistema de sifonamento. 
    Não há nada impossível se pretendemos, de fato, salvar um rio.
 
Belo Horizonte, 03 de março de 2017
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo
 





 


6 de março de 2017

Que fazer pelo São Francisco V


GC 424 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO V

   Segue sumário do trecho que vai da ponte do artigo anterior à foz do Velhas. A imagem do dia é mapa de risco geológico, formado por agrupamentos estratigráficos consagrados na literatura geológica. Apresenta-se legenda expandida para as áreas do mapa, excluídos os Complexos Bação e Belo Horizonte do Agrupamento 1, e o Agrupamento 2. Em ordem de idade os que restam são:
   Agrupamento 1(rosa claro): Complexo Gouveia, exposto como janela erosiva como Embasamento do SG Espinhaço. Feições semelhantes às do Complexo de Bação e Belo Horizonte (voçorocas) são os principais processos de perda de solo.
  Agrupamento 3(amarelo): Supergrupo Espinhaço. Quartzitos e filitos, incluindo intrusivas básicas, responsáveis pelas melhores manchas de solo intercaladas às faixas áridas dos quartzitos. Erosão linear, assoreamento, inundações. O Espinhaço é bom coletor de águas pluviais nos topos de chapadas.
  Agrupamento 4(roxo): Supergrupo São Francisco – Grupo Macaúbas: Metapelito e metarritmito. Metapelitos, pouco permeáveis, cedem aos vales grandes caudais nas chuvas fortes. Neles é relevante o papel das formações de cobertura e da vegetação na absorção das águas pluviais, conferindo ao sistema rugosidade capaz de auxiliar no controle do escoamento, protegendo o solo contra a erosão. Por outro lado, o Velhas e afluentes enfrentam o risco de posição. Na foz o nível do Velhas depende do São Francisco e de descargas de Três Marias.

 

      Grupo Bambuí: Rochas solúveis (calcários, puros ou intercalados com metapelitos, da Formação Sete Lagoas, principalmente) e impermeáveis (metapelitos da Formação Serra de Santa Helena). Nos calcários são comuns os colapsos, abatimentos, recalques, com feições consequentes típicas como funis (sink holes), dolinas, janelões em grandes escarpas, grutas e similares. A fenomenologia cárstica, condicionante do controle ambiental, é bem conhecida dos geólogos e geomorfólogos. Os metapelitos, recobrindo as rochas solúveis, podem ser espessos o suficiente para ocultar grandes cavidades cársticas, e para isolar as águas pluviais de um acesso mais franco mas eventualmente sendo atravessados em fraturas, ou envolvidos em colapsos de grande envergadura. Os comportamentos em presença da água, são, naturalmente, muito distintos.
       Agrupamento 5(ciano): Distingue-se por ser constituído por formações de cobertura. As mais antigas, cretácicas, Formações Areado e Urucuia, areníticas, assentadas sobre a formação Três Marias, a maior exposição das quais no tabuleiro entre o São Francisco e o Velhas. Coberturas cenozoicas, capeiam o Agrupamento 4. Nos arenitos Areado, Urucuia, em parte no Três Marias, a infiltração é alta, dada a boa permeabilidade e baixa declividade. Nos pontos em declive, bacias de captação de águas pluviais foram implantadas próximo às descargas de drenagem. O resultado é satisfatório e poderia ser estendido às vias rurais onde a declividade do terreno o permita.
       A “vantagem”, se assim se pode dizer, de quem pretenda ajudar o São Francisco na área, é que a degradação do solo em face das diversas formas de solicitação, como atividade agropecuária, em especial a implantação do pasto e seu pisoteio, a lavra artesanal de minerais especiais e dos materiais de construção, e, especialmente, a construção viária senso lato são como “assinaturas” geológicas de fácil reconhecimento e avaliação.
    A humanidade, brasileira ou europeia, não sabe ler geologicamente, mas não teria grande dificuldade de Fazê-lo e se surpreenderia se se dispusesse de fato a aprender. O benefício, em termos de prolongar a convivência com a água, melhorar a navegabilidade do rio e impedir a perda de solo, é de fazer inveja ao dono do petrodólar. O leitor que quiser ajudar de fato o São Francisco deve começar por um zoneamento lógico do tipo exposto, e encontrará outros melhores do que o apresentado. 
 


Belo Horizonte, 06 de janeiro de 2017
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Edézio Teixeira de Carvalho 
Engenheiro Geólogo