27 de junho de 2011

Renegado a civilização

Renegado a civilização
Geocentelha 333

Vejo com tristeza tudo isto: Deputado relator faz o possível para encontrar acordo de viabilidade para o Código Florestal. Está no papel dele, fazendo política, a arte do possível. Chego a ter simpatia por ele, que abre mão com desprendimento de princípios inerentes a sua filiação doutrinária. Tenho razões para criticá-lo, mas seria injusto quando merecem críticas mil lados em que se fragmentou a discussão. Fragmentou-se e amontoou-se em torno de questões ideológicas, corporativas, de visibilidades fisiográficas diferenciadas, de experiências culturais distintas. Em nenhum argumento vi traços de base científica a balizar posições. Não vejo esforço em usar exemplo alheio ao longo da história das civilizações, para fundamentar opções. Os únicos em que vejo possibilidade de ter razões consistentes são produtores rurais que usam o próprio braço, dirigem o próprio trator, tiram o próprio leite. Ouçâmo-los com respeito, mesmo nas situações comuns em que, a meu juízo, estejam cometendo absurdos por ignorância ou inércia.

Antes de outra consideração, percebo o Código, em alguns domínios fisiográficos, permissivo em termos de desmatamento, e com remendos que foi recebendo para conter os abusos, foi atingido pela platitude de proteger tudo o que restou, não importa o lugar, esquecendo-se de que o replantio numas 2 bolívias de áreas degradadas pode permitir remoções para urbanização ou permuta de posição na atividade rural, ainda que condicionando o desmatamento aqui ao plantio antecipado, com resultado comprovado, ali.

APPs de topos de morros e de altitude: todas as civilizações ocuparam topos de morros e cotas elevadas do terreno, sempre que outras condições o permitiram, como o acesso à água. Nenhuma fragilidade genérica justifica nossa opção, e a quem diga que acima de 1800 metros temos área muito pequena, respondo que, por isto mesmo, deveríamos ter nessas alturas experimentos civilizatórios que nos aproximariam das outras culturas de altas latitudes e altitudes. Devo então concluir que, se trocássemos de lugar com a América espanhola, renunciaríamos a tudo que está acima dos 1.800 m, inclusive uma das maiores cidades do mundo atual em população? Quanto a topos espaçosos, aí, no campo ou cidade, as condições geotécnicas e ambientais melhor atendem às exigências de segurança e qualidade para a vida humana, dentre elas a salubridade. É também onde mais facilmente se combate a erosão.

O prosaico inhame plantado à beira d’água, dentro da APP, pouco acima do lençol freático, nada mais pede para dar-nos boas e suculentas safras; afastemo-lo os famosos 30 metros, e, digamos, 5 metros acima do lençol freático, e veremos como pede água ou fenece logo. Captemos então água para dar-lhe e arquemos com o impacto ambiental disto! A lei assumiu-se como fim. Usurpou minhas prerrogativas de pensar.

Ninguém erra de forma tão canhestra impunemente. Teremos o país que merecemos.   



Belo Horizonte, 14 de maio de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


3 de junho de 2011

Lugar de Plantar

Lugar de Plantar
Geocentelha 330

Plantaram os geólogos nossos antepassados ideias novas sobre a Terra, inclusive para provarem que ela era 750.000 vezes mais velha do que era ensinado ou imposto como dogma. Pelo menos desde o século V antes de Cristo geólogos, ostentando ou não o nome, têm-se esforçado por colocar algumas coisas no lugar. No dia do Geólogo, 30 de maio, não custa lembrar duas coisas: O que fizeram com coragem, cumprindo dever sagrado para com a humanidade e o tanto que não conseguiram fazer. Geólogos australianos e japoneses, por exemplo, conhecem a história geológica deixada por tsunamis com ondas de dezenas de metros de altura, mas não conseguiram convencer uma nação tão esclarecida quanto o Japão de que não se deve urbanizar a orla baixa nem colocar nela centrais nucleares. A orla baixa é muito boa para plantar arroz, nunca para morar. Não convenceram outros povos de outras necessidades como a de generalizar o conhecimento da terra através da geologia. Não por acaso, portanto, este século já deve estar chegando aos 10.000.000 de mortos por tragédias consequentes a acidentes geológicos e a meras escavações temerárias de uma vala ou um barranco.

Mas o tema de hoje é outro: É o princípio do vaso fechado, caro aos geólogos no estudo de temas  geológicos maiores como o metamorfismo e o metassomatismo. Esse princípio, entretanto, deveria ser reconhecido e aplicado por toda a humanidade na gestão em outras áreas. Diz ele que toda a sustentabilidade disponível está concentrada no vaso fechado da Terra. Se deixarmos, por exemplo, de consumir a baleia caçada em idade adulta, teremos de substituí-la por uns 200 bois, que, criados extensivamente em terrenos íngremes, destroem o solo, a casa ideal da água, e as conseqüências virão em cadeia: O processo geológico não repõe solo novo na velocidade com que é perdido.

O vaso fechado nos ajuda noutro ponto: Lugar de plantar inhame, banana, uma infinidade de hortaliças, o arroz em grande escala no Sudeste Asiático e alhures, é na presença de água exposta à superfície ou sub-aflorante, onde as plantações são naturalmente irrigadas. Esses plantios em absolutamente nada prejudicam a água, por exemplo, e também não as margens, porque o que destroi as margens não são esses cultivos, mas o boi, o carneiro, a capivara, e as enxurradas que vêm de cima. Se não os plantarmos aí, principalmente onde chove pouco, terão de ser plantados (vaso fechado) noutro lugar para onde a água será levada por gotejamento, em regos ou por aspersão, certamente com impactos ambientais também e às vezes maiores.

Se as cidades cultivarem brejos, terei de passar meus últimos anos longe delas. Com Dante, passado por Fábio: “No verão a saúde traz perigo; em vasto plaino o álveo dilatando, forma paul, das infecções amigo”, ou com Graciliano (Angústia): “Muitos agora tiritavam, batendo os dentes como porcos caititus, na maleita que a lama da lagoa oferece aos pobres”.



Belo Horizonte, 7 de maio de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.