Colecionadores de Água
Geocentelha 328
A água oscila entre escassez e abundância. O planeta não a
perderá, porque a gravidade não deixa; na realidade, ele tem acréscimos de água
capturada de cometas, por exemplo. Materialmente podemos ver o sistema Terra
como um grande vaso fechado. O princípio do vaso fechado, que deveria ser
ensinado em todo o mundo como o mais universal instrumento de gestão,
apreensível por crianças de 5 anos, é usado intuitivamente por muitos, é claro,
ou cientificamente, como na geologia, em que compõe o jargão dos estudos de
metamorfismo. São comuns frases como esta: “Trata-se de transformação em vaso
fechado”, diz o geólogo, referindo-se a determinada transformação em que as
rochas da porção transformada não tenham trocado matéria com a região
envolvente, mas apenas calor.
Aplicação do princípio do vaso fechado ocorre nos estudos da
sustentabilidade relacionados com a água. A Terra é dotada de reservatórios de
variável grau de conexão entre eles. O maior é o oceano global, dividido em
compartimentos que se comunicam nas extremidades continentais e recebem nomes
locais de oceanos e mares. Calotas polares e geleiras são grandes
reservatórios, que, por conterem água congelada, dispensam a superfície plana.
Os poros de solos e rochas constituem o terceiro grande reservatório. O quarto
é a biomassa a que a água se agrega de várias maneiras. A água transita entre
reservatórios, levando e trazendo nutrientes, poluentes, contaminantes e calor,
manifestado por temperaturas. É por esta razão que lhe chamo componente
itinerante do sistema geológico.
Para compensar oscilações sazonais, estocamos água de várias
formas. Nas regiões desérticas e semi-áridas, precisamos de estoques
plurianuais; nas de pluviosidade certa, mas concentrada em poucos meses, a
estocagem faz-se para cobrir os meses secos. A melhor e mais democrática forma
de estocar em qualquer contexto é nos solos, protegidos por vegetação, em
terras altas (estoque proximal), mas cada litro de solo perdido por erosão ou
arrastado é um copo de cerveja a menos de capacidade de armazenamento.
Desconhecedora das possibilidades geológicas do
armazenamento proximal, a humanidade opta pelo distal em reservatórios de
barragens (muito importantes quando necessárias). Estes contam com as
desvantagens materiais de serem tardios em relação à fruição mais completa da
água em terra, que chega a eles depois de erodir, inundar e matar; vulneráveis
à evaporação e consequente aumento da salinidade; vulneráveis ao assoreamento.
No plano da organização social são concentradores de poder. Muitos de seus
detentores (estados, empresas, pessoas) são verdadeiros colecionadores de água.
Pela inconsistência geológica da medida, a Transposição parece-me atender a
interesses de colecionadores de água, e de poder.
Além de inúmeras soluções simples e democráticas, começa a
era da devolução do solo à montanha para devolver à água seu melhor lugar.
Belo Horizonte, 30 de março de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.
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