11 de abril de 2011

Colecionadores de Água


Colecionadores de Água
Geocentelha 328

A água oscila entre escassez e abundância. O planeta não a perderá, porque a gravidade não deixa; na realidade, ele tem acréscimos de água capturada de cometas, por exemplo. Materialmente podemos ver o sistema Terra como um grande vaso fechado. O princípio do vaso fechado, que deveria ser ensinado em todo o mundo como o mais universal instrumento de gestão, apreensível por crianças de 5 anos, é usado intuitivamente por muitos, é claro, ou cientificamente, como na geologia, em que compõe o jargão dos estudos de metamorfismo. São comuns frases como esta: “Trata-se de transformação em vaso fechado”, diz o geólogo, referindo-se a determinada transformação em que as rochas da porção transformada não tenham trocado matéria com a região envolvente, mas apenas calor.

Aplicação do princípio do vaso fechado ocorre nos estudos da sustentabilidade relacionados com a água. A Terra é dotada de reservatórios de variável grau de conexão entre eles. O maior é o oceano global, dividido em compartimentos que se comunicam nas extremidades continentais e recebem nomes locais de oceanos e mares. Calotas polares e geleiras são grandes reservatórios, que, por conterem água congelada, dispensam a superfície plana. Os poros de solos e rochas constituem o terceiro grande reservatório. O quarto é a biomassa a que a água se agrega de várias maneiras. A água transita entre reservatórios, levando e trazendo nutrientes, poluentes, contaminantes e calor, manifestado por temperaturas. É por esta razão que lhe chamo componente itinerante do sistema geológico.

Para compensar oscilações sazonais, estocamos água de várias formas. Nas regiões desérticas e semi-áridas, precisamos de estoques plurianuais; nas de pluviosidade certa, mas concentrada em poucos meses, a estocagem faz-se para cobrir os meses secos. A melhor e mais democrática forma de estocar em qualquer contexto é nos solos, protegidos por vegetação, em terras altas (estoque proximal), mas cada litro de solo perdido por erosão ou arrastado é um copo de cerveja a menos de capacidade de armazenamento.

Desconhecedora das possibilidades geológicas do armazenamento proximal, a humanidade opta pelo distal em reservatórios de barragens (muito importantes quando necessárias). Estes contam com as desvantagens materiais de serem tardios em relação à fruição mais completa da água em terra, que chega a eles depois de erodir, inundar e matar; vulneráveis à evaporação e consequente aumento da salinidade; vulneráveis ao assoreamento. No plano da organização social são concentradores de poder. Muitos de seus detentores (estados, empresas, pessoas) são verdadeiros colecionadores de água. Pela inconsistência geológica da medida, a Transposição parece-me atender a interesses de colecionadores de água, e de poder.

Além de inúmeras soluções simples e democráticas, começa a era da devolução do solo à montanha para devolver à água seu melhor lugar.



Belo Horizonte, 30 de março de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.


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