30 de março de 2011

Atraso na preservação de nossa cultura e a situação crítica dos tombamentos

Colaborador da FIABCI/BRASIL (Federação Internacional das Profissões Imobiliárias) comenta a situação crítica dos tombamentos no Brasil em documento hoje publicado no jornal Estado de São Paulo e cita argumentos de geologia urbana de Edézio Teixeira de Carvalho. Veja abaixo.

Sérgio Mauad (*)

Raízes, base do sólido e saudável desenvolvimento de qualquer país, devem ser preservadas. Na sociedade, a memória histórica deve sempre se somar ao nosso instinto desenvolvimentista, balizando regras básicas do bom convívio social, em clima de harmonia entre hábitos e cultura regional, para um avanço saudável. A sabedoria de cada povo está em discernir o que deve ser tombado e preservado, e a que custo, sem impedir a evolução da natureza, que busca seu próprio equilíbrio, e também o progresso de uma nação. Não é exatamente o que vemos no Brasil.
Anos atrás, num congresso da Fiabci Mundial na Áustria, um painel de debates sobre tombamentos, para preservação do patrimônio cultural, mostrou-se especialmente rico em argumentos. Foram levantados prós e contras, ao se avaliar um efetivo tombamento. Ouvimos opiniões bem embasadas, de autoridades no assunto, mostrando como viabilizar tombamentos, o porquê de fazê-los ou então o porquê de não fazê-los em determinadas circunstâncias. Exemplo de apresentação.
Prevaleceram as opiniões que defendiam a preservação da história, desde que não se desequilibrasse financeira e economicamente o poder público nem os indivíduos ou empresas proprietárias dos imóveis a serem tombados.  
Chamou atenção debate fecundo entre representantes de dois países de culturas e idades diferentes, Japão e Canadá. O representante japonês defendeu a idéia de que o espaço urbano deve ser maximizado. Exibiu foto de um casarão histórico no centro da cidade e pediu atenção para a arquitetura da sua fachada. Apenas ela fora preservada, incrustada na fachada do novo edifício, moderno, em um painel rente à calçada. Dizia ele: “Não podemos sacrificar a transformação natural da cidade, que precisa atender seu crescimento orgânico, daí ter sido mantida apenas a fachada histórica, preservada com uma placa identificando e registrando sua memória.”
O representante do Canadá interveio mostrando que, para tombar um edifício, particular ou público, a primeira premissa a ser respeitada é que o país seja rico o suficiente para garantir sua conservação, manutenção e uso adequado daquele bem.
No Brasil, temos assistido a discussões sobre tombamentos carentes de visão assim mais abrangente. Refiro-me ao enfoque que leve em conta, sim, a sustentabilidade e a preservação ambiental, mas que não despreze esse dado concreto de suma importância: nossas cidades ocupam menos de 1% do território nacional.
Recentemente, o geólogo Edézio Teixeira de Carvalho expôs seu pensamento pela Internet sobre o tema, que reproduzo em parte aqui: “...não podemos criar uma cidade aleijada só porque um pequizeiro está no caminho. Daqui a 50 anos, o pequizeiro morre e a cidade leva seu aleijão até o final dos tempos, porque ela é a única obra humana que foi concebida por um lado para a eternidade e, por outro, exatamente para substituir a primeira natureza por uma segunda, em que componentes da primeira podem ter lugar desde que necessários, convenientes e conviventes.” E perguntava ele: “O que havia antes no local onde foi construído o Louvre de Paris?”.
Quem olha uma planta de São Paulo com imóveis tombados ou em fase de tombamento e fixa sua atenção nos trezentos metros em volta, fica surpreso. Sua ocupação e o uso do solo são restritos, impondo-se como verdadeiros quistos urbanos desafiando qualquer plano racional de diretrizes para o desenvolvimento da área.
A condição deplorável em que se encontram vários imóveis tombados como Patrimônio Histórico, alguns deles, inclusive, invadidos, evidencia a ausência de políticas públicas consistentes para garantir a preservação da memória. Afinal, vale para o urbanismo o mesmo que se aplica à cabeça das pessoas: mente vazia é oficina do diabo. Melhor dizendo: lugares que não têm uso produtivo acabam sendo ocupados por quem não tem nada a oferecer para a cidade; é o risco latente de novas Cracolândias. Na questão dos tombamentos, abraçamos o atraso.



São Paulo, 30 de março de 2011.

(*) Sérgio Mauad é colaborador da Fiabci/Brasil, ex-presidente do Secovi-SP e presidente da SMDI-Desenvolvimento Imobiliário. 
Enviar comentários para sm@sergiomauad.com.br  



Fontes:
Jornal Estado de São Paulo [consultado em 30 de março de 2011]
http://sergiomauad.com.br/post.php?ID=19 [consultado em 03 de dezembro de 2014]

Nenhum comentário:

Postar um comentário