Lições do Japão
Geocentelha 326
São admiráveis as lições do Japão, mas nem todas estão à
vista. A mídia, que consultou especialistas, não expôs todas elas. A
intensidade do terremoto, não a magnitude, usada para comparação, que atinge um
dado local, é inversamente proporcional ao quadrado da distância do local
considerado ao foco (hipocentro). Certo ou com ajustes a fazer, não faz sentido
estarmos agora preocupados com a profundidade de 24 km do foco, que só teria
sentido para dizermos da intensidade com que chega a onda de choque ao epicentro.
No caso de Sendai, cidade mais atingida, a 130 km do epicentro, e este a 24 km
do hipocentro (profundidade) a intensidade (ordem de grandeza) deve ter sido da
ordem de 3,35% da intensidade no epicentro. Considerando a distância para
Tóquio, de 370 km, a intensidade aí teria sido de 0,4% da intensidade no
epicentro! Portanto, o terremoto, mesmo tendo sido muito grande, não pôs à
prova, de fato, as estruturas em Sendai e muito menos em Tóquio.
Daí resulta a consequência mais global da localização do terremoto:
Ela fez que os principais danos diretos tenham ficado por conta do
tsunami, o que afinal foi visto nas imagens.
O que vi de mais positivo das lições que nos passaram os
japoneses: As autoridades deixaram evidente que valorizam mais a Vida que a
Propriedade, sendo o indicador mais forte a quantidade enorme de veículos
arrastados, portanto guardados em lugares mais expostos ao tsunami que as
residências, mas a posição destas não me convenceu inteiramente pelo que direi
mais à frente. Os barcos das marinas, confesso não saber bem como proteger mais
eficazmente. Neste aspecto, fica muito claro que a baixa orla japonesa
presta-se muito bem ao plantio de arroz e hortaliças, cujo risco fica limitado
à perda de safra ou à ocorrência fortuita. A disciplina geral com que se
comportou o povo nas primeiras horas pareceu-me um comportamento de quem está
convencido (valor cultural) das orientações muitas vezes treinadas que de uma
obediência cega.
A outra lição importante é a forma logicamente bem estabelecida
de fixar prioridades: Na prevenção reduzir ao mínimo a exposição ao risco
previsível em relação ao fortuito. Em orla sujeita a tsunamis é claro que a
habitação à beira-mar em cota baixa será certamente atingida, podendo isto
ocorrer com pessoas dormindo; banhistas na praia ou lavradores no arrozal podem
correr para plataformas resistentes ou lugares mais altos em resposta aos
avisos (risco fortuito e sobre pessoas em vigília).
A construção sismorresistente, não testada, não faz menos
temerário o gigantismo de Tóquio e não percebi uma cota mínima realmente segura
na urbanização da orla, que poderia ter salvo metade ou mais dos que morreram
no tsunami de 2004.
Finalmente, diante do sismo do Haiti e do maremoto que
atingiu Lisboa em 1755, originado no contato das placas africana e européia,
acho imprudente considerar o nosso Atlântico tão isento.
Belo Horizonte, 13 de março de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.
Comentários do autor
Amigos: Os editores e jornalistas em geral conhecem uma lei
muito parecida com as leis físicas. É mais ou menos isto: O volume de matéria
jornalística publicada sobre um fato notável é inversamente proporcional ao
tempo passado do fato. Por esta razão apressei-me em enviar ao Editor de
Opinião de O Tempo reflexões preliminares sobre o ocorrido no Japão, mesmo
correndo o risco de ser em parte desmentido. Procurei fazê-lo tentando cobrir
um campo, que considero importantíssimo, das medidas de prevenção do risco,
que, a meu juízo, tinham sido pouco exploradas pela própria imprensa e pelos
analistas especializados (vi as opiniões e declarações de uns 15). Atualizando
minhas avaliações para o que vi até a manhã de hoje (16/03/2011), tenho
tristemente confirmado o que tinha apontado como uma dúvida, que parte
significativa da orla certamente foi temerariamente ocupada por residências; vi
muralhas construídas na praia num dado local; mais do que prevenção no caso,
parece-me imprudência dos japoneses e erro de filosofia de urbanização; eu, em
hipótese nenhuma, colocaria minha residência a uma altitude menor que pelo
menos 20 metros no Pacífico e no Índico, assim evitando, com minha família, o
risco estatisticamente significativo; poderia eu então ser atingido na praia,
como banhista, ou plantador de arroz ou hortaliças, mas aí seria atingido
em estado de vigília, em ocorrência fortuita (a
circunstância probabilisticamente excepcional de eu estar na praia na hora
do ocorrido). Não falei da questão nuclear porque não sou conhecedor da parte
nuclear dela, mas o planejamento da prevenção, definitivamente, agora já não me
convence, estando os japoneses trabalhando com dois recursos improvisados,
além dos três que falharam surpreendentemente, sem terem no caso
enfrentado intensidade alta no local, quais sejam o bombeamento direto de água
do mar e agora esta de derramar água sobre os reatores a partir de
helicópteros, lembrando-me muito bem, contado a mim por um geólogo russo, a
forma inicial de sepultar o reator de Chernobil ----- por meio de massa de
concreto lançada de hilicópteros. Tanto quanto torço para que as fatalidades
não cresçam muito, torço para que a humanidade passe a considerar que, a rigor,
não há diferença entre perder vidas pelo hálito pestilento da morte nuclear,
pela dengue, ou pelo acidente geológico para o qual se tenha deixado de tomar
medidas preventivas cientificamente embasadas e lógicas.
A diferença entre elas é que, por desconhecimento de outros
fatores, possam levar a decisões de governo equivocadas.
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
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