3 de novembro de 2010

O País que Espera Lula

O País que Espera Lula
Geocentelha 155

É um país aflito. Este imenso país, quinto por extensão e dos maiores em população, atravessa fase difícil: extensas porções territoriais despovoadas ou degradadas; extensas porções em fase de desmatamento acelerado, seja para amealhar o ouro fácil da madeira, seja para introduzir o boi, rei verdadeiro dos animais.

O país confia. Agora confiar é também para quem não acreditou, e penso que prazo, para quem deu oito anos, não pode ser de 100 dias. Seria muito injusto. O país que espera Lula vai dar-lhe pelo menos dois anos para encarrilar o trem de nossa história.

Verdade é que ele repetiu defeito de outros ao não fazer declaração, que eu tenha visto, sobre a natureza de nossa terra, para apoiar nessa natureza alguma coisa. Outros ensaiaram, timidamente, um basear o desenvolvimento da Amazônia na constituição geológica regional e outro a possibilidade de buscar água doce como subproduto em poços da Petrobrás. Já é alguma coisa, pois afinal os demais sempre pretenderam assumir um continente como se ele não diferisse das Ilhas Virgens.

Tão importante quanto termos muita água superficial no Amazonas e Paraná-Paraguai, é termos o aqüífero Guarani (virão outros menores) com muita água subterrânea na bacia sedimentar do Paraná, desde que seja bem aproveitada. Para os que, acertadamente, pensam na gestão como algo mais sutil que o controle de uma reação em cadeia, vale lembrar que o excesso de água da Amazônia tem desafios de gestão comparáveis em escala às suas promessas de riqueza. Com calma, pois, que não é sobra a distribuir fisicamente como em transposições nem a ser dissipada virtualmente em commodities de preço baratinho para vencer o subsídio europeu. É para, ao contrário, na mais valia natural que nos concede, abrir espaço para a famosa agregação de valor. O grande aqüífero do nosso cone sul parece não tão exposto à gula internacional quanto a floresta e a água da Amazônia.

No mar de morros da Mantiqueira e na serra do Mar a degradação foi além da remoção da Mata Atlântica, porque levou o melhor do solo das vertentes íngremes. É Minas que mais tipifica o flagelo do esgotamento rural, e que mais sofre as dificuldades de adaptar sua mineração, urbanização e agricultura de montanha a exigências ambientais que sejam justas e bem fundamentadas. (É Minas que, até pela sinergia das bases já implantadas, precisa mover-se mais, por exemplo dando acesso metroviário a Confins e cassando-lhe a fama de distante).

O país que espera Lula exibe um cordão iluminado para a foto noturna do satélite, contornando o litoral de norte a sul. São milhões no inverno e dezenas de milhões no verão, que sem querer instabilizaram linhas de costa e salinizaram aqüíferos litorâneos, e que, querendo mesmo, aterraram mangues e enseadas. Isto reproduz o que a sensação de infinitude territorial avalizou em cada nova onda de povoamento.

E o povo? Levas e levas de populações deslocadas de suas bases territoriais. Este é o mais desafiador de nossos problemas ambientais e econômicos porque se funda na falta de base cultural: Massas urbanizadas de segunda geração, se são hoje menos analfabetas no domínio da língua, perderam o que conheciam da terra e assim formam uma nuvem inconspícua vagando na terra da transição entre um urbano cada vez mais intolerável até para seus fundadores e um rural decadente e regressivo pelo fenômeno da desruralização precoce que se estende da periferia para o campo mais distante. É país que descobriu que rodovias mal cuidadas prestam-se para assentamentos que já começam com a avenida principal asfaltadinha.

O povo não é formado só nas escolas, mas também nas tecnologias que lhe vão sendo demonstradas e o Brasil não desenvolveu qualquer tecnologia visível em associação com os grandes deslocamentos geográficos: Do campo para a cidade; dos baixos vales para o alto das montanhas e do interior para o litoral. Quem foi, podendo ou não, jamais pensou na tecnologia exigida para a mudança. Essas tecnologias existem, e podem mudar rapidamente o quadro. Nesse vórtice alucinante o país volta-se para Lula e espera. Que a trégua tácita seja bem aproveitada espero.
   


Belo Horizonte, 11 de novembro de 2002

Edézio Teixeira de Carvalho
Geólogo, Ex-Diretor do Instituto de Geociências da UFMG



Estado de Minas – Opinião, p. 9; 10/12/02


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