O País que Espera Lula
Geocentelha 155
É um país aflito. Este imenso país, quinto por extensão e
dos maiores em população, atravessa fase difícil: extensas porções
territoriais despovoadas ou degradadas; extensas porções em fase de
desmatamento acelerado, seja para amealhar o ouro fácil da madeira, seja para
introduzir o boi, rei verdadeiro dos animais.
O país confia. Agora confiar é também para quem não
acreditou, e penso que prazo, para quem deu oito anos, não pode ser de 100
dias. Seria muito injusto. O país que espera Lula vai dar-lhe pelo menos dois
anos para encarrilar o trem de nossa história.
Verdade é que ele repetiu defeito de outros ao não fazer
declaração, que eu tenha visto, sobre a natureza de nossa terra, para apoiar
nessa natureza alguma coisa. Outros ensaiaram, timidamente, um basear o
desenvolvimento da Amazônia na constituição geológica regional e outro a
possibilidade de buscar água doce como subproduto em poços da Petrobrás. Já é
alguma coisa, pois afinal os demais sempre pretenderam assumir um continente
como se ele não diferisse das Ilhas Virgens.
Tão importante quanto termos muita água superficial no
Amazonas e Paraná-Paraguai, é termos o aqüífero Guarani (virão outros menores)
com muita água subterrânea na bacia sedimentar do Paraná, desde que seja bem
aproveitada. Para os que, acertadamente, pensam na gestão como algo mais sutil
que o controle de uma reação em cadeia, vale lembrar que o excesso de água da
Amazônia tem desafios de gestão comparáveis em escala às suas promessas de
riqueza. Com calma, pois, que não é sobra a distribuir fisicamente como em
transposições nem a ser dissipada virtualmente em commodities de
preço baratinho para vencer o subsídio europeu. É para, ao contrário, na mais
valia natural que nos concede, abrir espaço para a famosa agregação de valor. O
grande aqüífero do nosso cone sul parece não tão exposto à gula internacional
quanto a floresta e a água da Amazônia.
No mar de morros da Mantiqueira e na serra do Mar
a degradação foi além da remoção da Mata Atlântica, porque levou o melhor do
solo das vertentes íngremes. É Minas que mais tipifica o flagelo do esgotamento
rural, e que mais sofre as dificuldades de adaptar sua mineração, urbanização e
agricultura de montanha a exigências ambientais que sejam justas e bem
fundamentadas. (É Minas que, até pela sinergia das bases já implantadas,
precisa mover-se mais, por exemplo dando acesso metroviário a Confins e
cassando-lhe a fama de distante).
O país que espera Lula exibe um cordão iluminado para a foto
noturna do satélite, contornando o litoral de norte a sul. São milhões no
inverno e dezenas de milhões no verão, que sem querer instabilizaram linhas de
costa e salinizaram aqüíferos litorâneos, e que, querendo mesmo, aterraram
mangues e enseadas. Isto reproduz o que a sensação de infinitude territorial
avalizou em cada nova onda de povoamento.
E o povo? Levas e levas de populações deslocadas de suas
bases territoriais. Este é o mais desafiador de nossos problemas ambientais e
econômicos porque se funda na falta de base cultural: Massas urbanizadas de
segunda geração, se são hoje menos analfabetas no domínio da língua, perderam o
que conheciam da terra e assim formam uma nuvem inconspícua vagando na terra da
transição entre um urbano cada vez mais intolerável até para seus fundadores e
um rural decadente e regressivo pelo fenômeno da desruralização precoce que se
estende da periferia para o campo mais distante. É país que descobriu que
rodovias mal cuidadas prestam-se para assentamentos que já começam com a avenida
principal asfaltadinha.
O povo não é formado só nas escolas, mas também nas
tecnologias que lhe vão sendo demonstradas e o Brasil não desenvolveu qualquer
tecnologia visível em associação com os grandes deslocamentos geográficos: Do
campo para a cidade; dos baixos vales para o alto das montanhas e do interior
para o litoral. Quem foi, podendo ou não, jamais pensou na tecnologia exigida
para a mudança. Essas tecnologias existem, e podem mudar rapidamente o quadro.
Nesse vórtice alucinante o país volta-se para Lula e espera. Que a trégua
tácita seja bem aproveitada espero.
Belo Horizonte, 11 de novembro de 2002
Edézio Teixeira de Carvalho
Geólogo, Ex-Diretor do Instituto de Geociências da UFMG
Estado de Minas – Opinião, p. 9; 10/12/02
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