Geocentelha 348
André, 11 anos, pergunta ao pai a diferença entre tempos
geológico, histórico e humano. O surpreso pai dá resposta deontológica com o
fim de despertar no filho o dever da reflexão pessoal, oposto do que fazem leis
que não só dispensam a ciência, mas que a afastam deliberadamente de debate
fecundo, e achou oportuno confiar a este geólogo acrescentar algo que achasse
significativo à resposta. Vivemos à espera de consultas do tipo por incontáveis
séculos, vendo o fato geológico promover ou modificar o processo geológico e o
processo geológico criar ou modificar o fato geológico, ambos desprezados pela
humanidade, esquecida de James Hutton, para o qual na Terra “tudo está em
movimento”, vindo-nos daí a revisão da idade da Terra pela concepção de tempo
geológico fluente numa sucessão de fatos e eventos que nos afastam da origem do
planeta e nos aproximam do seu fim. Algumas daquelas sucessões repetem-se
ciclicamente. A água vai e volta, erode e para. No ano que vem haverá menos
terra para absorver água, porque o tempo geológico de substituição do solo
erodido mede-se em centenas, milhares, milhões de anos. Então a representação
geométrica do ciclo da água não pode ser um círculo (plano) mas uma helicoidal,
para bem representar o gradual esgotamento da sustentabilidade geológica.
Essa linha de tempo começou há cerca de 4,5 bilhões de anos,
e terá outros tantos ou mais pela frente, até esgotar-se o estoque de elementos
radioativos responsáveis pelo aquecimento da camada terrestre que chamamos
manto e pela tectônica de placas, por sua vez responsável pelo surgimento de
montanhas novas como os Andes. Contra esse soerguimento de montanhas atua a
energia solar, que, por meio do ciclo da água, as desgasta e leva seus detritos
ao mar. Quando o estoque terminar, a energia solar não terá resposta e levará
todas as terras continentais aos mares do mundo, que se transformarão num
oceano global cobrindo todas as terras hoje emersas. Nesse hipotético
equilíbrio final, a ciência geológica, em suas aplicações ao planeta, deixará
de fazer sentido porque a terra ter-se-á tornado um objeto puramente físico,
geologicamente morto. Fora da ciência geológica hipótese mais drástica prevê a
extinção da Terra e do tempo geológico. Absorvida pelo sol, mudado em gigante
vermelha, ela não terá sequer o consolo da sobrevivência puramente física acima
descrita.
O tempo humano, do ente biológico, mede-se pela
paleontologia. Seu limite pode ser o do planeta, mas poderá ultrapassá-lo, se
antes a espécie humana abandonar seu lar solar.
O tempo histórico, incluído no tempo humano, é o tempo
cultural, que se vai dilatando com a pesquisa arqueológica, tendo por limite a
origem da espécie, a idade humana.
Do ponto de vista deontológico, não está nas obrigações do
homem dilatar indefinidamente o tempo geológico. Certamente muito menos: O mais
possível a manutenção de solo arável sobre a terra.
Belo Horizonte, 05 de março de 2012
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
[1] O Tempo; Opinião; 06/04/2012; p. 15