GC
426 DISTORÇÃO DA VERDADE
Vinha o conhecimento formalmente
admitido dos arredores espaciais da Terra como jardins e pomares rodeando a
casa (Ptolomeu), até que Copérnico propôs mudança drástica entre as posições da
Terra e do Sol, indo o Sol para o lugar da casa e a Terra para posição
secundária junto aos demais planetas. Um certo Giordano Bruno aderiu e foi
supliciado pela Santa Inquisição. Galileu teria renunciado a suas convicções
para salvar a própria pele. Mais tarde prevaleceu verdade mais ampla, entrando
outros componentes, que sobre a geometria e história do universo não para de
mudar.
De maneira não muito diferente do
que antecedeu a revolução de Copérnico, estabeleceu-se no Brasil um código florestal
todo ele baseado em critérios topográficos para delimitação de porções de
terras a serem manipuladas cada uma conforme a sua classificação, como se fosse
o povo brasileiro todo burro e não apenas aqui e ali destituído de dignidade e
de amor à sua terra.
Não existe aqui a pretensão de
promover sofisticada análise de aderência do dispositivo legal ao próprio
objetivo, mas uma visão simplificada de lógica dos resultados práticos a que
ele conduz em casos concretos.
O primeiro ponto que se justifica
considerar é a APP das cotas superiores a 1800 m. Pela necessidade real, parece próxima de inteiramente dispensável,
porque não há no Brasil áreas de extensão significativa acima dessa cota.
Portanto o impacto de sua ocupação e uso caso permitido seria diminuto. Por
outro lado temos vizinhos andinos com extensos territórios ditos páramos ou
altiplanos em cotas superiores com espécies vegetais que poderiam ser adaptadas
a pequenas extensões de equivalentes brasileiros. A eventual adaptação teria
consequências boas para o Brasil. Para não deixarmos de invadir a intimidade de
outros países, vi recentemente estrada de ferro chinesa com severos problemas
de manutenção em cotas superiores a 4.000 (!) m. Para quem não sabe o que isso significa,
trechos dela foram implantados no que chamamos permafrost, região de solos permanentemente gelados, com frequentes
problemas de fixação do piso e trilhos, e se lá existem vias, existem áreas
produtivas, que usam tais terrenos, até 2.200 m acima do nosso limitado limite!
E existe um tal topo de morro frequentemente mais estável que partes das
associadas encostas, principalmente na inacreditável extensão de um código
florestal feito para o meio rural adaptado ao meio urbano!
Indo para a beira do rio,
encontramos APP’s de nascentes, brejos, lagos e cursos d’água, mais uma vez
numa limitação de uso que em países europeus às vezes não passam de 5 m. Numa
APP de 50 m de raio, ou 30 m de largura quem desejar fazer modesta plantação de
inhame, atrás exatamente da água natural, tendo que obedecer a tais limites,
poderá ter de adotar dispendiosa irrigação com custos financeiros e ambientais
evidentes, ou então desistir do inhame e de inúmeros outros plantios igualmente
dependentes de água a nível raso. Tanto a nascente quanto o curso d’água, no
caso, por hipótese, a exemplo da montanhosa Minas, têm, à beira d’água, o
começo de uma subida de alta declividade, de modo que a não mais que 10 m dessa
água a encosta já subiu 5 m ou mais. Daí para cima o lençol freático já ficou
muito distante do inhame para poder nutri-lo sem rega. Então nem vou falar do
arrozal do sudeste da Ásia tantas vezes plantado dentro d’água.
Não se pense que o argumento
acima significa perder a preservação permanente de grandes áreas, porque, se se
desse ao conhecimento técnico liberdade criadora, encontraria ele lugares mais
lógicos a preservar nas absurdas declividades permitidas entre, por exemplo, os
limites de 50 e 100% da espantosa e burra admissibilidade geral, que nesse
caso, pelo menos, poderia ser variável por modalidade de uso à disposição da
inteligência do proprietário nos casos mais simples e da análise técnica dos
especialistas (exemplificadamente boi com seu cortante casco, e
trator-de-morro-abaixo poderiam ser substituídos por plantio permanente muito
menos agressivo).
Nas minhas cogitações ao escrever
estas linhas vejo finalmente algumas de milhares de “nascentes”, em verdade
fundos de voçorocas, por exemplo, e essas “nascentes” tratadas como nascentes,
em verdade o dispositivo geológico tecnogênico destrutivo em vigoroso
treinamento para arrancar solo da terra e rebaixar o lençol freático, papel que
ele sabe exercer muito bem, e nada posso fazer mesmo tendo sido preparado pelo
povo brasileiro, em boa escola de geologia, para esse nobre mister. Assim
sendo, quando morrer, peço que ponham no meu túmulo que, mesmo não tendo
seguido o destino de Giordano, morri geólogo envergonhado de todas as voçorocas
não tratadas do solo brasileiro em consequência de um certo código florestal
que não valoriza nem explora a inteligência humana.
Belo Horizonte, 25 de fevereiro
de 2017.
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo