20 de setembro de 2010

O Livro da Terra de Minas Gerais - Fascículo 3

Fascículo 3

A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) inclui-se na Província São Francisco do Mapa Geológico de Minas Gerais com litologias dos Supergrupos Minas, Rio das Velhas, Grupo Bambuí e Complexo Granito-Gnáissico Indiviso, no qual se localiza a maior parte das feições erosivas. A norte e a sul, em regiões de rochas granito-gnáissicas, complexos ortognáissicos, como os de Gouveia, Bonfim e Bação, este com grandes campos de voçorocas em Itabirito e Cachoeira de Campo, a profusão de erosões do tipo ravinas e voçorocas é evidente quando observadas do espaço por imagens como as do Google Earth. Outras cidades a sul, sudeste e sudoeste, como Conselheiro Lafaiete, São Brás do Suaçuí, Oliveira, São João Del-Rei, Lavras, estas duas já no alto rio Grande, sofrem com o mesmo problema. Tanto em Oliveira quanto em Lavras, as erosões estão concentradas em terrenos Arqueanos do Complexo Ortognáissico Lavras, mas também se relacionam com intrusões graníticas. Em São João Del-Rei a geologia é mais complexa, ocorrendo grande variação de terrenos pertencentes, dentre outros, aos Grupos São João del Rei e Nova Lima.

No mapa abaixo destaca-se o Quadrilátero Ferrífero com Belo Horizonte e Ouro Preto na diagonal noroeste-sudeste. No mapa a unidade A3b é o Complexo de Bação, onde está Cachoeira do Campo, com espetaculares campos de voçorocas, algumas reativadas, como o da aerofoto em cores feita pelo NEPUT/UFV para a Prefeitura Municipal de Ouro Preto em 2004. O Google Earth na área apresenta imagens praticamente equivalentes.


Uma palavra a mais sobre as voçorocas. Na aerofoto ocupam mais de 50% da área. Algumas são do Ciclo do Ouro e ainda não estão renaturalizadas. Há trabalhos científicos da UFOP e UFV sobre elas, que poderiam subsidiar a revitalização da bacia do São Francisco, que ainda não chegou à área. Somados todos os contornos para o Brasil inteiro, é provável que tenhamos um Paraguai, um Chile, até uma Bolívia, de áreas degradadas pela erosão. Em volume de perda de solo elas juntas representam algo comparável a toda a produção mineral brasileira, inclusive materiais de construção. Um quinto desse volume é reservatório natural de água perdido, obrigando as águas pluviais a buscarem imediatamente o mar, até porque as terríveis nascentes tecnogênicas, no Brasil, são “protegidas” por lei.

O Geólogo Cássio Ávila, a pedido da GEOLURB, cadastrou mais de 320 voçorocas clássicas e áreas de ravinamento, fazendo o trabalho de correlação delas com o substrato geológico. Colaborou também o geólogo Fábio Henrique Dias Leite.

Belo Horizonte, 18 de setembro de 20
 10

10 de setembro de 2010

Dengue por atacado?

Em 19/08/10, O Tempo, p. 33, informa que notificações de infestação por dengue em Belo Horizonte multiplicaram-se por 3 entre o ano passado todo (23332) e o ano corrente até 18/08 (64633). Para usar palavras oficiais, com responsabilidade de autoridade constituída, reproduzo frases atribuídas na matéria ao Secretário Adjunto de Saúde da capital, Fabiano Pimenta: “Estamos intensificando os trabalhos de prevenção e combate a todo e qualquer foco de dengue existente”; “Temos que aproveitar o inverno para acabar com a dengue. Não podemos esperar que o calor e as chuvas voltem para começarmos a agir.” A matéria diz que a maior preocupação está na eliminação de focos existentes em vasos de plantas e caixas d’água destampadas. Águas estagnadas constituem base física ideal para o vetor conhecido por Aedes aegypti, o mosquito da dengue. Vetores de outras doenças endêmicas também apreciam essa base física. Em 1960 soube por um professor de história do colégio Dom Helvécio de Ponte Nova que as famigeradas lagoas Pontinas atormentaram a Itália desde o período etrusco, no Império Romano, no Renascimento passando por Da Vinci, que teria sido incumbido de saneá-las, e eram ainda tormento de Mussolini por serem foco de malária. Hoje não sei como estão.

A natureza da Cidade, que estudo há mais de 30 anos, é de obra humana caracterizada exatamente por substituir a primeira natureza por uma segunda, com funções precisas. Nessa substituição junta-se o edificado, representado pela meso e superestrutura, à infra-estrutura natural, ou plataforma geológica. Esta, constituída do arcabouço mineral sólido, dos componentes transitórios, flora e fauna, e do principal componente itinerante, a água, será parcialmente modificada. Como a água é itinerante, para cumprir seu ciclo completo, precisa vencer o bloqueio do edificado para chegar ao seu melhor abrigo, nos poros de solos e rochas. Quando a cidade não o permite, a água escoa rapidamente de volta ao mar, não sem inundar, erodir, matar. Pântanos ou brejos são exposições de água desprotegida sujeitas a evaporação precoce, contaminação e proliferação de vetores como o citado. São, portanto, incompatíveis com ambiente urbano sadio. Suas funções biológicas, sem dúvida importantes, podem ser cumpridas nos 99% de terras rurais.

Brejos urbanos foram muitas vezes saneados por drenagem; outras vezes por soterramento com bota-fora natural ou resíduos inertes. É esta a forma sadia, compatível com a salubridade do meio urbano, mais compatível ainda com a urgente necessidade que temos de preservar a água. Seria oportuno que uma reunião de médicos e engenheiros sanitaristas, urbanistas, geólogos e legisladores discutissem a questão. Um só brejo pode conter mais água estagnada que todos os vasos de flores de Belo Horizonte juntos, o que põe em dúvidas justas e severas a eficácia das medidas corretas anunciadas pela autoridade acima citada.


Belo Horizonte, 19 de agosto de 2010


Não quero ser incômodo, mas gostaria, por absoluta fidelidade a um juramento, de comentar rapidamente sobre a dengue. Cada um faz o que pode, mas ninguém faz o que não sabe.

Os governos brasileiros parecem não saber que os famosos brejos urbanos, que eles agora insistem em manter, geram o gravíssimo problema geológico da insalubridade, que mata na geração de vetores, além de ser um crime geológico evidente contra a preservação da água nas áreas continentais.

Com brejos de águas paradas à vontade, não precisamos de chuva, como está provado. Não estou tentando salvar ninguém em especial, mas eu não posso ter dengue, porque seria morte quase certa. Por esta razão estou cogitando seriamente de ir refugiar-me no mato, longe de brejos. Chega de ver tragédias terríveis como a daqueles estudantes de arquitetura em Angra e como essa tragédia difusa da dengue.

A nova dispersão da dengue, que O Tempo tem tratado com seriedade, é problema geológico de gestão exatamente como o do Katrina, o de Porto Príncipe, os dois do Chile (terremoto e mineiros aprisionados) os recentes de Angra, Niteroi, Pernambuco, Alagoas, assim como o do viaduto sem acesso. Muitos outros virão, porque até parece que a Terra acaba de ser ocupada pela humanidade, que vai de surpresa em surpresa com escandalosas evidências de avisos prévios.


Que se cometam crimes contra a lógica, como enterrar, em terra, uma baleia que morreu no mar, eu ainda tolero, mas deixar que gente morra quase que se diria inevitavelmente, é demais. Certo que, por via das dúvidas, se borrifem vasos de plantas, mas sem tocar nos brejos, isto é como procurar a agulha perdida sob o poste para aproveitar a sua luz.

Cordialmente.



Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] Publicada a parte final em O Tempo, L.Leitor em 10/09/2010, p. 20., sob o título “A dengue é um problema geológico de gestão)”. O Artigo foi publicado no O.PINIÃO em 18/09/2010, p. 19.