Em 19/08/10, O Tempo, p. 33, informa que notificações de
infestação por dengue em Belo Horizonte multiplicaram-se por 3 entre o ano
passado todo (23332) e o ano corrente até 18/08 (64633). Para usar palavras
oficiais, com responsabilidade de autoridade constituída, reproduzo frases
atribuídas na matéria ao Secretário Adjunto de Saúde da capital, Fabiano
Pimenta: “Estamos intensificando os trabalhos de prevenção e combate a todo e
qualquer foco de dengue existente”; “Temos que aproveitar o inverno para acabar
com a dengue. Não podemos esperar que o calor e as chuvas voltem para
começarmos a agir.” A matéria diz que a maior preocupação está na eliminação de
focos existentes em vasos de plantas e caixas d’água destampadas. Águas
estagnadas constituem base física ideal para o vetor conhecido por Aedes
aegypti, o mosquito da dengue. Vetores de outras doenças endêmicas também
apreciam essa base física. Em 1960 soube por um professor de história do
colégio Dom Helvécio de Ponte Nova que as famigeradas lagoas Pontinas
atormentaram a Itália desde o período etrusco, no Império Romano, no
Renascimento passando por Da Vinci, que teria sido incumbido de saneá-las, e
eram ainda tormento de Mussolini por serem foco de malária. Hoje não sei como
estão.
A natureza da Cidade, que estudo há mais de 30 anos, é de
obra humana caracterizada exatamente por substituir a primeira natureza por uma
segunda, com funções precisas. Nessa substituição junta-se o edificado,
representado pela meso e superestrutura, à infra-estrutura natural, ou
plataforma geológica. Esta, constituída do arcabouço mineral sólido, dos
componentes transitórios, flora e fauna, e do principal componente itinerante,
a água, será parcialmente modificada. Como a água é itinerante, para cumprir
seu ciclo completo, precisa vencer o bloqueio do edificado para chegar ao seu
melhor abrigo, nos poros de solos e rochas. Quando a cidade não o permite, a
água escoa rapidamente de volta ao mar, não sem inundar, erodir, matar.
Pântanos ou brejos são exposições de água desprotegida sujeitas a evaporação
precoce, contaminação e proliferação de vetores como o citado. São, portanto,
incompatíveis com ambiente urbano sadio. Suas funções biológicas, sem dúvida
importantes, podem ser cumpridas nos 99% de terras rurais.
Brejos urbanos foram muitas vezes saneados por drenagem;
outras vezes por soterramento com bota-fora natural ou resíduos inertes. É esta
a forma sadia, compatível com a salubridade do meio urbano, mais compatível
ainda com a urgente necessidade que temos de preservar a água. Seria oportuno
que uma reunião de médicos e engenheiros sanitaristas, urbanistas, geólogos e
legisladores discutissem a questão. Um só brejo pode conter mais água estagnada
que todos os vasos de flores de Belo Horizonte juntos, o que põe em dúvidas justas
e severas a eficácia das medidas corretas anunciadas pela autoridade acima
citada.
Belo Horizonte, 19 de agosto de 2010
Não quero ser incômodo, mas gostaria, por absoluta
fidelidade a um juramento, de comentar rapidamente sobre a dengue. Cada um faz
o que pode, mas ninguém faz o que não sabe.
Os governos brasileiros parecem não saber que os famosos
brejos urbanos, que eles agora insistem em manter, geram o gravíssimo problema
geológico da insalubridade, que mata na geração de vetores, além de ser um
crime geológico evidente contra a preservação da água nas áreas continentais.
Com brejos de águas paradas à vontade, não precisamos de
chuva, como está provado. Não estou tentando salvar ninguém em especial, mas eu
não posso ter dengue, porque seria morte quase certa. Por esta razão estou
cogitando seriamente de ir refugiar-me no mato, longe de brejos. Chega de ver
tragédias terríveis como a daqueles estudantes de arquitetura em Angra e como
essa tragédia difusa da dengue.
A nova dispersão da dengue, que O Tempo tem tratado com
seriedade, é problema geológico de gestão exatamente como o do Katrina, o de
Porto Príncipe, os dois do Chile (terremoto e mineiros aprisionados) os
recentes de Angra, Niteroi, Pernambuco, Alagoas, assim como o do viaduto sem
acesso. Muitos outros virão, porque até parece que a Terra acaba de ser ocupada
pela humanidade, que vai de surpresa em surpresa com escandalosas evidências de
avisos prévios.
Que se cometam crimes contra a lógica, como enterrar, em
terra, uma baleia que morreu no mar, eu ainda tolero, mas deixar que gente
morra quase que se diria inevitavelmente, é demais. Certo que, por via das
dúvidas, se borrifem vasos de plantas, mas sem tocar nos brejos, isto é como
procurar a agulha perdida sob o poste para aproveitar a sua luz.
Cordialmente.
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
[1] Publicada a parte final em O Tempo, L.Leitor
em 10/09/2010, p. 20., sob o título “A dengue é um problema geológico de
gestão)”. O Artigo foi publicado no O.PINIÃO em 18/09/2010, p. 19.