Reunião comemorativa dos 42 anos da entidade
Palavras de Agradecimento
por Edézio Teixeira de Carvalho
Disseram que os homenageados fariam uma palestra. Eu levei a sério
e resolvi ficar pelo menos em posição intermediária entre um
agradecimento puramente protocolar e algumas pretensiosas
considerações técnico – filosóficas sobre a profissão e o que
no seu exercício tenho feito.
Antes de tudo dou os parabéns à ABGE pelos seus 42 anos de
existência muito produtiva para o povo brasileiro.
Não andei muito pelo país e menos ainda pelo mundo. Não sou, p.
ex., como Saturnino de Brito, Engenheiro membro da comissão técnica
da construção de Belo Horizonte, há mais de 100 anos, sobre o qual
encontro referências em lugares distantes, para a época, como
Santos, Poços de Caldas, Campos, Recife, interior do Nordeste.
Imagino que, fosse vivo, a ABGE o teria como Associado e ele teria
sido homenageado em idade precoce.
Depois de, muito humildemente, agradecer a todos os que opinaram
por esta grande homenagem, acho que tenho o dever de falar um pouco:
• do que
faço e do que penso de nossa profissão;
• das
cidades que me cedem a base operacional e o objeto;
• talvez
até, mas uma linha só, do aquecimento global para que reste algum
tempo para o seguinte;
• dedicar
às famílias humanas de que participo.
Estava em Maruim – SE, 1971, vizinha de Carmópolis, onde
acompanhava a perfuração de um poço, e alguém levou-me a ver a
igreja-matriz imponente com rachaduras no piso externo e, se bem me
lembro, discretas fissuras suspeita de que a extração de
petróleo em Carmópolis repercutia em Maruim.
Andei lendo e descobri que a extração do petróleo raso nos
Estados Unidos provocara subsidências severas, mas achava improvável
conexão idêntica no caso, e, por ter deixado a PETROBRÁS, o que me
restou do episódio foi a carreira dedicada aos territórios em geral
e aos das cidades em particular, que me acostumei a chamar
de Plataforma Geológica, a verdadeira infra-estrutura
das cidades.
Aprendera com mestres, famosos e distantes (com os quais, além de
outros, divido este prêmio), como Josué, Álvaro, Prandini,
Gandolfi, Gusmão, Costa Nunes; no exterior Oliveira, meu caro
orientador do Mestrado, felizmente entre nós, e que tão amavelmente
me envia congratulações; ainda vivos na ocasião, li com muito
interesse Terzaghi, Legget, Ter- Stepanian, Rocha.
Na reflexão pessoal, lembrando Manuel Rocha, descobri que não
faz geologia urbana quem faz geologia na cidade tendo esta
simplesmente por sítio casual de estudos.
Antes de tudo, é necessário conhecer a Cidade e sua
História, ao longo das civilizações; conhecer as cidades e suas
histórias.
Do outro lado da questão, ocorre perguntar o que é, de fato, o
sistema geológico. Sim, para a geologia urbana, o que é o sistema
geológico? É a reunião mutuamente interativa dos componentes:
Permanente – Arcabouço mineral (sólido);
Transitório – Flora e fauna
(biosfera);
Itinerante – Água (e outros fluidos aeriformes ou líquidos).
Cessa aqui o que busco : A visão analítica dos sistemas
complexos. A humanidade foi além e fugiu da rota por ele traçada.
Para mim, a visão cartesiana é a do método que separa o
todo em seus componentes (separando os problemas) e consequentemente
as soluções. A cidade, organismo complexo, não aceita esta
abordagem, porque, como Prandini e eu dissemos, reclama soluções
compartilhadas, simultâneas, como as que encerram a fecundidade da
combinação da água com o espaço poroso dos resíduos inertes:
Lugar para a água e para os resíduos porosos, exatamente o mesmo!!!
Por outro lado, o que é a Cidade?
A Cidade não pode ser isto, porque a calçada é lugar
do pedestre, da cadeira de rodas, do carrinho do bebê, do
guarda-chuva aberto.
Nem isto, porque a cidade foi feita para ser eterna, mas
para alcançar a eternidade, precisa substituir regularmente seus
componentes transitórios, ainda que seja um pequizeiro.
Cidades incompletas por nascença não funcionam porque
não pensaram em conservar a água entre nós! Todas
querem ter muitas bocas de lobo e fazem temporadas quase cívicas
para a limpeza delas como agora mesmo.
Esquema da cidade convencional, incompleta, sem muretas, sem
cisternas de infiltração, sem poços tubulares, sem coletores de
águas pluviais, sem aterros de resíduos, sem aterros-diques,
sem sabodams, por isto mesmo sofrendo com o escoamento
horizontal da água. À direita o da cidade geossuportada, com tudo
isto, permitindo o fluxo vertical da água, sua preservação e
controle de suas funções geoambientais e retardamento de seu
retorno ao mar.
Por que a escassez, se há desastres cada vez maiores por excesso
de água? Porque medidas eficazes de combate ao excesso de
água são as mesmas para o combate à escassez e elas não são
tomadas, tantas e tantas vezes por impedimento da lei.
A humanidade bloqueou a entrada da água no arcabouço mineral do
sistema geológico e ela precisa ser reaberta; por outro lado,
drenamos profundamente a terra e deslocamos os reservatórios
superficiais para altitudes cada vez menores. A água vai atrás,
porque lhe falta autonomia ambiental.
Por grave que venha a ser um aquecimento global, ainda sem
certidão de nascimento, a perda de altitude média da hidrosfera
continental, além de irreversível, acontece desde a revolução
agrícola, sob comando da gravidade, que não muda de sentido.
Onde governo, ipececês ou ongues demonstram saber do fato?
Critérios de projeto obrigatoriamente começam na completa e
correta descrição do objeto, ou deveremos, geólogos e engenheiros,
que bem pretendemos conhecer as leis da geologia e da hidrologia,
achar que nossos bons professores estavam brincando quando nos
enunciaram princípios como este, que acabo de enunciar? Existem
ali 12 campos de gestão. Então a Gestão tem de cuidar de 12 campos
e não pode haver controvérsia nisto!
Nossas cidades só tratam tecnicamente de 2 ou 3 dos 12 campos de
gestão da água. Os demais constituem matéria escura do
planejamento urbano, ou são tratados genericamente por legislação.
Para onde vão aqueles conceitos de impossibilidades matemáticas que
aprendemos nos bancos escolares?
À esquerda distribuição de terra e água continentais por
altitude antes da revolução agrícola; à direita a distribuição
no presente. Há evidentes exageros nos esquemas, e as
suposições: a) Oscilações tectônicas globalmente neutras;
b)neoformação de solo insuficiente para repor o solo perdido;
c)parte do solo perdido mergulha no mar levando junto o reservatório
geológico contido. A humanidade, literalmente, terá de dragar o mar
e os grandes reservatórios para repor solo em terras altas. Já vale
a pena!!!
Lembrando que territórios urbanizados são menos de 1% das terras
emersas, por que decretar APP marginal que o processo geológico irá
desfigurar certamente, e impor ao cidadão viver ao lado de um brejo,
onde a água supostamente protegida fica sujeita a: a)Evaporação
precoce; b) Contaminação e poluição; c)Descarga
precoce de volta ao mar; d)Criatórios de vetores da
dengue e de outros insetos incômodos.
Não precisamos lembrar da história universal as lagoas Pontinas,
que, por milênios, desafiaram etruscos, Império Romano, o gênio de
Da Vinci e ainda Mussolini por constituírem-se em foco de doenças
endêmicas, como a malária. Lembremo-nos de Osvaldo Cruz e dos
engenheiros, que sanearam o Rio de Janeiro há cem anos, soterrando
áreas pantanosas, para livrar a cidade da péssima fama de sede da
febre amarela!
O ritual macabro da drenagem e a alternativa de não drenar
Depois de 40 anos sem a famigerada canaleta de crista, e sem
erosão expressiva, ganha a rodovia dos Inconfidentes a sua canaleta
de crista, que concentra escoamento, e portanto potência erosiva.
Poderia ter sido dispensada a canaleta e em troca sido feita uma
mureta ao pé do talude, que dissiparia o escoamento e reteria o solo
para acomodação da água. À direita manilhões, só para lembrar
que estamos sempre dispostos a fazer a água entrar pelo cano.
Um prêmio para quem conseguir provar-me a necessidade da canaleta
de crista.
Na curva do Ponteio, quem sabe se, aproveitando a ruptura do
concreto projetado, não se faz uma mureta simples e eficaz?
Uma mureta que possa apoiar o solo, que possa reter água e
suportar vegetação, como outra existente bem ao lado.
Seria melhor estudarmos uma forma de aproveitar bem a excepcional
permoporosidade da duna para forçar nela a infiltração da água,
não é verdade?
Muro de gabião em posto de gasolina, av. Brasília, Santa Luzia.
O escoamento desce diretamente ao gabião, notando-se não haver
canaletas no topo, e corre naturalmente pelo pátio até a sarjeta.
Mureta simples, e eficaz, na saída de Acaiaca: Vantagens sobre o
concreto na função são a dispensa de drenagem, dispersão do
escoamento e melhor integração visual na paisagem.
Recursos tecnológicos que tenho recomendado para controle da
água.
Mureta ao pé de um aterro de resíduos. Jorro de água
cristalina das chuvas de dezembro, retida e filtrada pelo aterro. A
mureta de pé... Bem posicionada faz o povo mais feliz, segundo a
moradora, depois de 26 anos de espera pelo fim de enxurradas
lamacentas em sua rua.
Voçoroca anterior com o centro de Contagem ao fundo. Caminhão
inicia o lançamento de resíduos. Lixo lançado no primeiro plano,
prática que o uso futuro eliminará.
Esplanadas e taludes resultantes do enchimento da cavidade. As
casas ao fundo, antes à beira do barranco, deixaram de estar em
risco, enquanto...
O destino final da água infiltrada é risonho: nascentes de águas
limpas e perenizadas. Esta nascente, oriunda do depósito, levaria
cerca de 800 dias para esgotá-lo, e poderia sobreviver a 2 anos sem
chuva. (Foto de 1997).
Técnicos da SUDECAP, SMMA/PBH e de Contagem apreciam o resultado.
Todos os fundos de vale podem ficar assim.
Seção longitudinal de bota-fora no interior de voçoroca
ou de um vale seco, com fluxo intermitente ou perene de pequena
vazão. A implantação do depósito proporciona armazenamento de
água no espaço poroso, beneficia a infiltração profunda em zonas
permeáveis (setas) e aumenta a vazão de base. A captura das águas
pluviais proporciona ainda o efeito de atenuar as cheias para
jusante.
Aterro de resíduos e piscinão. Este pode conter mais água,
mas exige obra de grande porte (barragem), ocupa ano inteiro o
reservatório para servir 20 ou 30 dias por ano, enquanto o aterro
oferece área para usos residenciais, comerciais, de lazer,
industriais, ou áreas verdes, depois de ter cumprido a importante
função de receber resíduos urbanos inertes.
Piscinão do Bonsucesso em execução
Custo informado: R$ 180.000.000,00
As minhas famílias
A humanidade é minha família maior: a ela dediquei algumas
madrugadas escrevendo o livro
Geologia urbana para todos – uma visão de Belo Horizonte.
Ficará para sempre como o meu legado mais significativo. Mostro a
sua carinha, hoje entregue à humanidade no endereço
http://www.geolurb.blogspot.com/
Entram nesta minha família maior as instituições a que servi
como professor e geólogo, em sequência: Escola Técnica Federal de
Ouro Preto, Petrobrás, Escola de Minas de Ouro Preto, Transcon
(projetos ferroviários), Instituto de Geociências da UFMG e
GEOLURB.
Entram também cidades a que prestei e onde prestei apaixonado
serviço, como Ouro Preto, Belo Horizonte, Contagem, Betim,
Itabirito, Teófilo Otoni, Sete Lagoas e muitas outras.
Belo Horizonte merece o destaque de ser a base principal e de mais
variados trabalhos para entes públicos e privados diversos.
Nela devo ainda a dois editores de Opinião a divulgação de
artigos meus: Dídimo Paiva (Estado de Minas) e Victor Almeida
(O Tempo).
Minha segunda família é aquela que me trouxe, enraizada em
Itaverava, dos Costa Carvalho, dos Teixeira, dos Ávila, que
continuou em Furquim da minha infância e da juventude,
onde deve esta geração da família um agradecimento especial à
Escola Técnica Federal de Ouro Preto, atual CEFET, nada menos que 9
irmãos ex-alunos e à Escola de Minas nada menos que 8 irmãos, 7
formados.
Chego à que com Simone iniciei, que tem aqui a Juliana com o
marido Perutz, a caçula Mariana viajando e Luciana, a mais velha, em
Joinville com o marido Michael, estes já tendo lançado em solo
catarinense a gavinha Malu, já capaz de rir bastante dos cabelos
desgrenhados do avô .
Para Simone, com muito amor, eu dou o destaque todo merecido, por
ser ela incentivadora à sua moda, crítica tantas vezes procedente,
lançada como um raio sobre a palavra mal escolhida, sobre o tema,
sobre a história que o rodeia, às vezes fingindo uma crítica até
mordaz, mas na medida justa para não desanimar o criticado.
Quanto lhe devo desta homenagem, quanto lhe devo!
Permitam-me duas palavras finais:
Uma de congratulações com Furnas Centrais Elétricas da qual uma
das obras principais acompanhei com muito interesse nos idos da
década de 1960. Que ela continue a fomentar o desenvolvimento
nacional com as diversas modalidades de energia que produz.
À ABGE eu não poderia deixar de fazer um pedido: Colocar em
pauta prioritária o debate sobre a obediência devida, que já
deixou cicatrizes terríveis na história do direito, e que vem sendo
praticada no Brasil em relação a leis de ordenamento que ferem de
morte a lógica, dispensam a ciência em geral e em particular a mais
abrangente das ciências da gestão – a Geologia – e que deixam
os geólogos de braços cruzados ou sujeitos a deixar de lado o que a
ciência nos ensinou.
Na Foto um Campo de voçorocas em Cachoeira do Campo. Cabe à
ABGE, a meu juízo, avaliar, por exemplo, o que a ritual observância
do Código Florestal fará para corrigir a situação, que perdura em
alguns casos há 300 anos.
Lembro que o famoso programa de revitalização do São Francisco
ainda não chegou aí. Lembro também que onde lei de ordenamento que
substitui o projeto impera a ciência não prospera.
As três famílias estão hoje reunidas. Trabalhemos juntos então
no sentido de substituir a obediência devida, para uns cômoda
e para muitos outros seca e estagnante, por uma lucidez responsável.