Chuvas dão surra na arrogância dos governantes [1]
Geocentelha 320
Saía para viagem à divisa Minas-Rio às 5:20 do dia 22/11.
Chovia copiosamente. No percurso para apanhar um colega, minhas hipóteses de
alagamento eram a Antônio Carlos com Américo Vespúcio/Bernardo Vasconcelos,
ponto baixo do Anel Rodoviário a montante da UFMG e na Betânia. Acabei passando
normalmente. Retornei no dia 24 de Além-Paraíba, encontrando o rio Pomba muito
cheio com alagamentos entre Cataguases e Astolfo Dutra. Não pudera acompanhar
senão por telefone as notícias de Belo Horizonte. Reflito pois mais
genericamente: Qual é a chuva que mais inunda? É a que ocorre sob as seguintes
circunstâncias: Chuva muito intensa, coroando período prolongado de chuvas
intensas e contínuas. No caso, essa chuva, mesmo não excepcional, encontra o
sistema geológico saturado, não receptivo, e a água passa em frente, sem
infiltrar-se. É assim no mundo inteiro, com gravidade maior nos países das
monções pela excepcionalidade das precipitações, da ordem de 10 vezes a
intensidade em Belo Horizonte, e nos eurocentrados, Brasil incluído, por causa
da Gestão. O Mississipi teve as piores inundações num período desses a jusante
dos criminosos diques laterais inventados pelos franceses, que, alegadamente
para proteger cidades marginais, forçam as águas a seguirem mais rapidamente
rio abaixo.
Na base do faça como eu, que fiz eu? Residi sempre em
lugares suficientemente elevados em relação aos leitos fluviais. Nos
deslocamentos pela cidade, de carro, em tempo chuvoso, evito as vias ditas
sanitárias e penso em pontos baixos como os acima citados; estando numa dessas
vias em chuva inesperada, procuro dela sair o mais rápido possível; quando
minhas filhas começaram a dirigir, recomendei enfaticamente a elas procederem
assim, buscando sempre que possível vias transversais subindo. Numa chuva
excepcional em que a cidade temerariamente ocupou os pontos mais baixos do
terreno, como é notório no Brasil, chego a “torcer” para que bocas de lobo
altas estejam em parte entupidas, porque o incômodo assim compartilhado pode
salvar vidas!
Num país diverso como o Brasil as arrogantes legislações
sanitária e ambiental apoiadas secularmente no pedestal da ignorância sobre as
condições geológicas e até sobre processos completamente independentes do fator
geológico, inflexíveis, conseguem complicar mais ainda a questão. Como
profissional, que faço? Fiel a meus deveres perante a sociedade, tenho
defendido sempre o espírito da lei, quando bom, mas combatendo incansavelmente,
creiam, o texto burro e inflexível, gerador de efeito oposto ao pretendido,
lamentando não ter agora em meu auxílio a verve inigualável de Nelson
Rodrigues, cronista do cotidiano, adepto de nossa alegria de viver, de nossa
genialidade futebolística, mas crítico cáustico de nossas irresponsabilidades
sociais, por ele atribuídas aos “lorpas da objetividade”. Caro leitor: Se a lei
dispensa que pense, por amor do que preza, pense!
Belo Horizonte, 25/11/10
Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.
O Tempo; Opinião; 27/11/10; p .21