Estamos plenamente conscientes das dificuldades inerentes à
complexidade da estrutura de governo da UFMG, que sempre precisa consertar o
carro em movimento. Mas, ao mesmo tempo, decisões históricas precisam ser
tomadas, indo além do senso comum, para mudar o rumo das universidades
brasileiras. E estamos aqui solicitando fraternalmente a solidariedade
acadêmica aos nossos colegas professores, estudantes e técnicos da UFMG bem
como da direção da Universidade, para que examinem nossas ponderações sobre as
condições de trabalho do Projeto Manuelzão. Vivemos um momento de intensa
angústia e impasse, resultado dos efeitos cumulativos e sinérgicos de
adiamentos constantes de decisões por força de circunstâncias conceituais,
institucionais e práticas no interior da UFMG nos anos passados. Fizemos a
nossa parte nesses 14 anos. Não podemos aceitar passivamente o findar de nossas
esperanças de sujeitos do processo histórico e terminar em vão tantos esforços,
reconhecidos pela academia e pelo conjunto da sociedade, pelo que estamos
realizando em ensino, pesquisa e extensão focados na Bacia Hidrográfica do Rio
das Velhas.
A UFMG não se preparou devidamente para esse momento. A
criação de órgãos suplementares ou de núcleos transdisciplinares está na ordem
do dia no plano internacional. Na ausência de condições institucionais ideais,
é mais conveniente se pagar o preço de deixar iniciativas criadoras aflorarem,
trazendo sentimentos novos à universidade, que pisar no freio. É preferível
viver uma primavera. Essa atitude será melhor que sufocar essas atividades
agora para depois tentar ressuscitá-las. Os momentos não voltam. A história
reconhecerá o mérito e a coragem dos dirigentes da UFMG em correr os riscos da
mudança, mesmo porque não mudar agora é risco maior. Sabemos que a inteligência
emocional move, enquanto a racionalização burocrática paralisa.
A transdisciplinaridade só é possível com a transgressão de
fronteiras conceituais e princípios tradicionais de organização do conhecimento.
Sim, respeitar as disciplinas é imprescindível, pois geram conhecimentos, mas
elas precisam ter liberdade para se articularem. Imaginamos que seja este o
sentido de finalmente estarmos todos nos concentrando no campus Pampulha,
superando nossa origem de unidades autônomas.
A um Prêmio Nobel de Medicina é atribuída a máxima segundo a
qual “o mundo tem problemas, a universidade tem departamentos”. A frase resume
o quanto o isolamento das áreas prejudica a pesquisa, o ensino e a compreensão
do Universo. A universidade não pode ter muros interiores. A
transdisciplinaridade é hoje, inclusive, defendida pelo Conselho de Pesquisa,
Ensino e Extensão (Cepe) como uma das prioridades de investimentos e
articulações para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e
extensão. Mas toda estrutura de poder e de gerenciamento tem por lógica a sua
própria
sobrevivência e reprodução, e nessa direção é costume
abdicar de seus projetos de transformação, resistindo às mudanças. Porém, elas
não são mais importantes que as transformações qualitativas impulsionadas pelo
desenvolvimento das forças produtivas do conhecimento.
O desenho institucional da UFMG está defasado frente ao
desenvolvimento das iniciativas acadêmicas mais avançadas. Para fazer, há muito
mais obstáculos que para deixar de fazer; não faz nem deixa fazer. Essa lógica
é perversa. No nosso caso, não nos move nenhum sentimento menor, seja de
corporativismo, de propriedade intelectual, de poder, trata-se unicamente de
uma linha de trabalho em torno de uma teoria e de uma proposta acadêmica de
ensino, pesquisa e mobilização da sociedade, que conquistaram amplo respaldo da
comunidade acadêmica e da sociedade em geral.
Reivindicamos que nos seja concedido o terreno já prometido
para construirmos o Centro Transdisciplinar em Bacias Hidrográficas e Saúde
Coletiva Ecossistêmica/Projeto Manuelzão/UFMG, para integrar as nossas
atividades acadêmicas de ensino-pesquisa, extensão e pós-graduação dos diversos
departamentos e disciplinas que integram o Projeto Manuelzão, arcando nós com
os custos de construção e dos equipamentos através de captações de nossa
responsabilidade. Isso dará plenas condições para o funcionamento do nosso
Conselho Gestor Transdisciplinar e convivência acadêmica. Aliás, o ex-reitor
Ronaldo Pena e seus pró-reitores tinham esse entendimento e se comprometeram
oferecendo área para esta construção, que chegou a ser reservada em croquis
pela professora Maria Lúcia Malard, e obteve parecer favorável do professor
Bismarck Vaz da Costa, que ficou na dependência de assinatura de uma unidade
responsável. Chegamos a mobilizar parceiros externos à UFMG solidários em
apoiar e financiar esta edificação, de características ecológicas.
O objetivo é trabalhar em uma perspectiva estratégica de
expansão das metodologias consolidadas na bacia do Rio das Velhas para a bacia
de todo o Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade. Dessa forma, a
liderança e a capacidade nucleadora de nossa Universidade serão construídas em
redes de parcerias nacionais e internacionais na busca de soluções na área ambiental.
Consideramos que nesses 14 anos conquistamos legitimidade social e acadêmica
para apresentar esta proposta à UFMG e credibilidade para afiançá-la.
O todo é maior que a soma das partes, assim como a UFMG é
maior que a soma de departamentos e unidades, e o Manuelzão é maior que os seus
setores e atividades tomados isoladamente e fisicamente desconectados.
O desenvolvimento da ciência tem se dado pela revisão e
reorganização permanente dos seus princípios e não pelo mero acúmulo dos
conhecimentos. Esse é um dos princípios da transdisciplinaridade, sendo
essencial uma convivência que permita essas discussões cotidianas em função de
interesses científicos e metas. O Manuelzão está e sempre esteve aberto a
seguir essa linha de trabalho.
Apolo Henriger Lisboa
Professor da Faculdade de Medicina e
coord. do Projeto Manuelzão