6 de abril de 2012

Três tempos

Três tempos [1]
Geocentelha 348

André, 11 anos, pergunta ao pai a diferença entre tempos geológico, histórico e humano. O surpreso pai dá resposta deontológica com o fim de despertar no filho o dever da reflexão pessoal, oposto do que fazem leis que não só dispensam a ciência, mas que a afastam deliberadamente de debate fecundo, e achou oportuno confiar a este geólogo acrescentar algo que achasse significativo à resposta. Vivemos à espera de consultas do tipo por incontáveis séculos, vendo o fato geológico promover ou modificar o processo geológico e o processo geológico criar ou modificar o fato geológico, ambos desprezados pela humanidade, esquecida de James Hutton, para o qual na Terra “tudo está em movimento”, vindo-nos daí a revisão da idade da Terra pela concepção de tempo geológico fluente numa sucessão de fatos e eventos que nos afastam da origem do planeta e nos aproximam do seu fim. Algumas daquelas sucessões repetem-se ciclicamente. A água vai e volta, erode e para. No ano que vem haverá menos terra para absorver água, porque o tempo geológico de substituição do solo erodido mede-se em centenas, milhares, milhões de anos. Então a representação geométrica do ciclo da água não pode ser um círculo (plano) mas uma helicoidal, para bem representar o gradual esgotamento da sustentabilidade geológica.

Essa linha de tempo começou há cerca de 4,5 bilhões de anos, e terá outros tantos ou mais pela frente, até esgotar-se o estoque de elementos radioativos responsáveis pelo aquecimento da camada terrestre que chamamos manto e pela tectônica de placas, por sua vez responsável pelo surgimento de montanhas novas como os Andes. Contra esse soerguimento de montanhas atua a energia solar, que, por meio do ciclo da água, as desgasta e leva seus detritos ao mar. Quando o estoque terminar, a energia solar não terá resposta e levará todas as terras continentais aos mares do mundo, que se transformarão num oceano global cobrindo todas as terras hoje emersas. Nesse hipotético equilíbrio final, a ciência geológica, em suas aplicações ao planeta, deixará de fazer sentido porque a terra ter-se-á tornado um objeto puramente físico, geologicamente morto. Fora da ciência geológica hipótese mais drástica prevê a extinção da Terra e do tempo geológico. Absorvida pelo sol, mudado em gigante vermelha, ela não terá sequer o consolo da sobrevivência puramente física acima descrita. 

O tempo humano, do ente biológico, mede-se pela paleontologia. Seu limite pode ser o do planeta, mas poderá ultrapassá-lo, se antes a espécie humana abandonar seu lar solar.

O tempo histórico, incluído no tempo humano, é o tempo cultural, que se vai dilatando com a pesquisa arqueológica, tendo por limite a origem da espécie, a idade humana.

Do ponto de vista deontológico, não está nas obrigações do homem dilatar indefinidamente o tempo geológico. Certamente muito menos: O mais possível a manutenção de solo arável sobre a terra.



Belo Horizonte, 05 de março de 2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 06/04/2012; p. 15

5 de março de 2012

O Método Geológico

Caros colegas, coloco a disposição o texto "O Método Geológico Aplicado à Implantação de Aterros de Resíduos", que trata da recuperação de áreas degradadas pela disposição controlada de resíduos de construção e demolição.


Link para download: Método Geológico

Exclusão da liberdade

Exclusão da liberdade [1]
Geocentelha 347

“Criar centros de desenvolvimento da tecnologia da gestão à semelhança de centros temáticos que criou a EMBRAPA ...”. Ao refletir sobre a rua sem saída do Código Florestal (qualquer versão), lembrei-me da proposta que incluí no capítulo “A revolução geológica” do livro “Geologia Urbana para todos – Uma visão de Belo Horizonte” que começa com a citação de Han Yu, pensador neoconfucionista do século nono: “Quem se senta no fundo do poço para contemplar o céu há de achá-lo pequeno”. Vi na EMBRAPA o modelo operativo para a revolução geológica e no SUS a organização do Estado para o enfrentamento dos problemas geológicos do nosso cotidiano, especialmente o do risco. Esforços de escassa repercussão, porque desde então (1999), tivemos problemas com grandes perdas em Santa Catarina, serras fluminenses, Nordeste,  em nosso estado e tantos outros.

Sem razões para rever os modelos, envio à EMBRAPA (direção e pesquisadores) consulta que dispensa justificação: Dada a natureza experimental da pesquisa agropecuária, como tratam as áreas de preservação  nas pesquisas de campo? Para melhor esclarecer a profunda angústia que move tal pergunta, ponho-me em situações opostas, a primeira na de quem preza a liberdade que nutre a criação e a segunda na de quem acha que ela não vale nada. Na primeira, sendo a APP intocável, como conseguem aprovação para pesquisa experimental, por exemplo, de arroz plantado dentro d’água? Vocês têm o direito de pesquisar nas APPs, desde que tais ambientes sejam necessários à pesquisa. Sendo missão natural da instituição obter soluções para a agropecuária brasileira, como justificam o uso dos recursos que lhes passo por delegação ao governo, para fazê-las senão para repassar seus resultados a outros povos, visto que não serão usados aqui? Na segunda condição pergunto-lhes: Vocês estão fazendo experimentos de campo em áreas de APP? Quando foi que, como financiador de seus cometimentos científicos, lhes dei a liberdade de pesquisar o que querem, nas sagradas áreas de APP?

Alguns concordam quando digo que importante em política de ordenamento territorial é haver diretrizes gerais de preservação e de reabilitação de áreas degradadas diferenciadas conforme domínios geoambientais definidos por critérios geográficos, geológicos, físicos, químicos e biológicos. Em cada domínio, respeitado o percentual mínimo estabelecido, profissional habilitado fixará na propriedade as áreas de produção e de preservação. Às vezes dizem temer a transição. Não há o que temer: Congele-se o atual que a Lei determina para evitar retrocesso e acompanhem-se as mudanças autorizadas e determinadas pela nova lei. Extinguir-se-ão naturalmente dilemas absurdos como o exposto e o país se beneficiará imensamente do uso do fundamento científico, hoje não só dispensado, mas sujeito a ameaças de devastador efeito.

Uma idade média de mil anos pode suceder ao desvario de uma geração.      



Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.



[1] O Tempo; Opinião; p. 15; 27/02/2012


13 de janeiro de 2012

Causas entrelaçadas

Causas entrelaçadas [1]
Geocentelha 346

Houve tempo em que as pessoas estavam mais perto da natureza, mesmo morando em cidades, então pequenas, e, no caso de Belo Horizonte, curiosos deixavam suas casas para observar a cachoeira do Arrudas ou do Onça; em São Paulo colega meu disse que não perdia uma cheia do Piracicaba, e eu aos 8 anos não perdia uma do Gualaxo do Sul, ainda hoje só não tão bonito quanto o que vi do Zêzere. Um conhecimento intuitivo vinha chegando com o tempo e com o conviver.

Disse a um amigo que indivíduo que tenha aprendido algo útil jamais se esquece, mas as nações se esquecem facilmente. Basta uma geração. Tínhamos um curso universitário chamado História Natural, com ênfases em geologia, geografia, biologia. Lembro-me de colegas das três ênfases, observando-os de fora, notando que havia distinções filosóficas mais ou menos profundas, mas respeito mútuo, porque discutiam temas ambientais cruzados e todos ganhavam. Terminado o curso, ficaram as licenciaturas de geografia e biologia em ambientes estanques, e não foi criada a de geologia, talvez com uma de duas suposições absurdas, o bacharelado em apenas 20 cursos responder pela demanda desses quadros, ou a matéria ser dividida apenas entre licenciados de outras áreas. Talvez hoje o Brasil tenha uma única licenciatura geológica na UNICAMP. Então, mesmo onde haja a matéria geológica no ensino fundamental em geral, não haverá licenciados em geologia para ministrá-la. As outras licenciaturas estarão sentindo falta do contraditório no ambiente escolar. Bateremos cabeças na questão até reaprendermos.

Escorregamentos dependem, nas cidades, do contexto geológico, dos modelos de assentamento adotados, nem sempre os mais lógicos, das declividades e da forma de escavar e construir, e das chuvas. Estes são os cinco fatores centrais. A geologia, na intimidade de cada contexto geológico geral, abre inúmeros outros fatores.

Rios? Há pelo menos 3 grandes categorias: Os que nascem nas cidades e sobre os quais elas teriam à partida pleno domínio (Arrudas e RMBH); os que passam pelas cidades (Piranga e Ponte Nova) sobre os quais a cidade não tem quase nenhum domínio, senão reduzir o inevitável risco de posição, e os federais (Paraíba do Sul e Campos) sobre os quais nem o estado tem domínio. Escorregamentos ampliam inundações, agora, e levam o reservatório geológico para sempre. Perda de solo é perda d´água certa no futuro. Ponte Nova e Campos dependem em primeiríssimo lugar da consciência verdadeira, solidária, sensível, sem insensatez, das cidades a montante, acostumadas a descarregar jatos d’água sobre as coirmãs; das áreas rurais (governo federal com seu ilógico Código Florestal) e dos estados que estão a montante. Se não for assim, ficaremos à mercê de batalhas por verbas baseadas em argumentos nem sempre bem fundamentados, e muitas vezes oportunistas.

Dinheiro básico e bem dirigido, sim. Mas também reformulação do ensino fundamental já.



Belo Horizonte, 07 de janeiro de 2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo.




[1] O Tempo; Opinião; 11/01/2012; P19