Ignorância do Inocentes [1]
Geocentelha 323
Já me declarei ignorante em muitas situações, especialmente
sobre minha saúde. Hoje estou em caminho mais seguro e agradeço aos médicos.
Todos têm direito à ignorância, inclusive executivos públicos individualmente.
Exceção é o ente governo. Este não. Além do imenso pesar pelos mortos e
atingidos pelas chuvas, confesso grande frustração pela pregação infrutífera.
Face ao risco geológico a humanidade é criança debruçada na janela: não
distingue o décimo andar do térreo. A ignorância que leva ricos e pobres a
residirem em áreas de risco ou mal preparadas para seu controle tem
explicações, que deveriam ser levadas em consideração antes de concluirmos que
foram punidos por ela. Misturada com ignorância, real ou não, pode estar
presunção de que aquele ente, mais capaz, já avaliou a situação e deu-a como
boa.
Tem acontecido de tudo: A água retoma seu lugar nos fundos
dos vales porque todo ano perde um pouco do solo poroso das terras altas, como
vimos na serra fluminense, e fica sem lugar lá em cima; então tem de descer
encontrando no caminho ruas e casas implantadas no lugar errado. O processo
geológico não tem como repor esse solo lá no alto até o ano vindouro.
Conclusão: Nem é preciso chover tanto para que a tragédia se repita; pode
chover até um pouco menos. É claro que nas altas encostas, o terreno pode ser
naturalmente instável e geólogos foram formados especialmente para serviços
como o de identificar e avaliar instabilidades naturais.
Erramos também na geração de situações de risco impensáveis:
Pode uma barragem feita, entre outras coisas, para proteger cidades vale
abaixo, fazer o oposto? Tanto pode que se repete frequentemente. Portugueses
costumam reclamar dos espanhois, que segurariam o que podem das águas do Tejo
em Alcântara e quando a chuva vem em excesso, soltam tudo com Lisboa rio
abaixo. Franco da Rocha (SP) é repetição exata de Lisboa no caso. Uma árvore
matou uma mulher. Árvores têm matado pessoas porque, de repente, começamos a
pensar, com proverbial ignorância, que árvores devem viver até morrer, o que na
cidade é um absurdo, porque a Cidade é ente criado especialmente para
substituir a primeira natureza por uma segunda, podendo admitir elementos da
primeira, quando necessários, convenientes, sadios, conviventes.
Para a vida perdida sob a árvore, para fluminenses,
paulistas e mineiros mortos, temos referência de valor recente de indenização
dada pela justiça, a ser paga pela empresa do voo Rio-Paris. Afinal as mortes
são todas iguais. Se os governos brasileiros, especialmente os legisladores,
fazem tantas leis absurdas, façam agora pelo menos uma que amenize a dor
ilimitada dos que perderam entes queridos: Indenização em rito sumário com
tramitação preferencial e reformulação orçamentária determinada pelo tribunal.
Talvez assim os governos do Brasil resolvam observar as leis que eles mesmos
fizeram (Lei 6766/79 Art. 3, incisos I e IV).
Belo Horizonte, 13 de janeiro de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.
O Tempo; Opinião; 15/01/2011; p.19
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