O vernáculo da Terra [1]
Geocentelha 324
BOLT e outros em “Geological hazards”, 1975, expuseram plano
de aviso para tsunamis do Pacífico. No rescaldo do ocorrido no Índico,
tema recorrente foi o aviso de tsunamis. Vendedor da região, homem simples
e prático, sugerindo reflexão mais profunda sobre o tema, disse: “Vocês
avisam-me e eu subo no coqueiro. É isso?”. O plano do Ministro não consegue
evitar conexão entre o sistema de aviso que parece ser a sua alma e
a preocupação do verdureiro. Não digo que não reduza óbitos, mas possivelmente
com consequências colaterais terríveis, como a vivida por humilde senhora, em
ocasião semelhante, na terceira geladeira, quando eu não tive mais de 4, duas em
uso. Quem perde, compra e paga geladeiras em sequência, consegue sim pagar
prestações justas de uma casa segura. Em janeiro de 1997 escrevi o artigo “A
dorsal do risco”, inédito e atual, porque não avançamos na sua gestão e sei que
regredimos naquilo em que alguns supõem termos avançado — a percepção,
extremamente contaminada por grosseiras simplificações amplamente difundidas.
Um exemplo? Às vezes “torço” para que algumas bocas de lobo não funcionem
idealmente porque, quanto mais eficientes sejam, mais morte e destruição levam
para os fundos de vale temerariamente ocupados. A dorsal do risco teria outro
nome; dorsal aí seria a qualidade do programa, estruturado com a cabeça no
governo federal (concepção geral, ciência básica, indenizações), espinha dorsal
nos estados (organização da tecnologia regional) e os membros (ação executiva
municipal). Organização semelhante (com os defeitos que tenha) ao SUS da área
de saúde.
Linhas gerais: O governo federal forma conselho
regionalmente representativo, que: Analisa e propõe imediata remoção de áreas
de risco inviáveis; propõe áreas receptoras com as respectivas obras
preparatórias; áreas marginalmente viáveis são objeto de programa mínimo
elaborado pelo Conselho; propõe revisão do aparato legal, inclusive
indenizações por morte em rito sumário; estuda a vocação das universidades para
formação de quadros (biólogos, geógrafos, geólogos e engenheiros) e geração de
conhecimento. Estados que nada tenham estruturado regionalmente senão talvez
CEDECs, com seu importante trabalho, teriam mapeamentos regionais articulados
com o Serviço Geológico Nacional. Inúmeras cidades têm problemas idênticos e
nenhuma capacidade de gerar mapas geológicos e cartas geotécnicas, e, creiam,
são incapazes de recebê-las tecnicamente.
Vi casas que podem ser de profissionais liberais em locais
cheios de avisos geológicos evidentes. É lamentável que cidadãos de instrução
superior não percebam. Estão esquecidos de que a geologia é o vernáculo da
Terra, sobre a qual precisamos aprender o mínimo para viver. A pedra imensa ao
lado da casa rolou naturalmente há cem ou mil anos. Como ela, pode haver
dezenas ou centenas esperando por sua vez. Lembremo-nos de que o melhor governo
não pode tudo.
Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2011
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.
[1] O Tempo; Opinião; 27/01/2011; p. 19
Nenhum comentário:
Postar um comentário