27 de janeiro de 2011

O vernáculo da Terra


O vernáculo da Terra [1]
Geocentelha 324

BOLT e outros em “Geological hazards”, 1975, expuseram plano de aviso para tsunamis do Pacífico. No rescaldo do ocorrido no Índico, tema recorrente foi o aviso de tsunamis. Vendedor da região, homem simples e prático, sugerindo reflexão mais profunda sobre o tema, disse: “Vocês avisam-me e eu subo no coqueiro. É isso?”. O plano do Ministro não consegue evitar conexão entre o sistema de aviso que parece ser a sua alma  e a preocupação do verdureiro. Não digo que não reduza óbitos, mas possivelmente com consequências colaterais terríveis, como a vivida por humilde senhora, em ocasião semelhante, na terceira geladeira, quando eu não tive mais de 4, duas em uso. Quem perde, compra e paga geladeiras em sequência, consegue sim pagar prestações justas de uma casa segura. Em janeiro de 1997 escrevi o artigo “A dorsal do risco”, inédito e atual, porque não avançamos na sua gestão e sei que regredimos naquilo em que alguns supõem termos avançado — a percepção, extremamente contaminada por grosseiras simplificações amplamente difundidas. Um exemplo? Às vezes “torço” para que algumas bocas de lobo não funcionem idealmente porque, quanto mais eficientes sejam, mais morte e destruição levam para os fundos de vale temerariamente ocupados. A dorsal do risco teria outro nome; dorsal aí seria a qualidade do programa, estruturado com a cabeça no governo federal (concepção geral, ciência básica, indenizações), espinha dorsal nos estados (organização da tecnologia regional) e os membros (ação executiva municipal). Organização semelhante (com os defeitos que tenha) ao SUS da área de saúde.

Linhas gerais: O governo federal forma conselho regionalmente representativo, que: Analisa e propõe imediata remoção de áreas de risco inviáveis; propõe áreas receptoras com as respectivas obras preparatórias; áreas marginalmente viáveis são objeto de programa mínimo elaborado pelo Conselho;  propõe revisão do aparato legal, inclusive indenizações por morte em rito sumário; estuda a vocação das universidades para formação de quadros (biólogos, geógrafos, geólogos e engenheiros) e geração de conhecimento. Estados que nada tenham estruturado regionalmente senão talvez CEDECs, com seu importante trabalho, teriam mapeamentos regionais articulados com o Serviço Geológico Nacional. Inúmeras cidades têm problemas idênticos e nenhuma capacidade de gerar mapas geológicos e cartas geotécnicas, e, creiam, são incapazes de recebê-las tecnicamente.

Vi casas que podem ser de profissionais liberais em locais cheios de avisos geológicos evidentes. É lamentável que cidadãos de instrução superior não percebam. Estão esquecidos de que a geologia é o vernáculo da Terra, sobre a qual precisamos aprender o mínimo para viver. A pedra imensa ao lado da casa rolou naturalmente há cem ou mil anos. Como ela, pode haver dezenas ou centenas esperando por sua vez. Lembremo-nos de que o melhor governo não pode tudo.         



Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.



[1] O Tempo; Opinião; 27/01/2011; p. 19

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