27 de abril de 2011

Sacola: Bola da vez


Sacola: Bola da vez
Geocentelha 330

Campanha furiosa contra a sacola do supermercado. A meu ver, seu único defeito é o abuso no seu uso. Bastava estabelecer a cobrança para controlar o abuso; o que restasse, e que, concedo, pode até não ser pouco, seria mais fácil administrar. Em idos da década de 1980, membro do Conselho universitário da UFMG, participei de uma discussão inesperada, diria quase surrealista, dessas lançadas por alguém no uso da famosa “palavra livre”, concedida pelo Reitor usualmente ao final do expediente, esgotada a pauta.

O plenário pegou fogo. A maioria esbravejava contra a pretensão dos supermercados, que queriam cobrar por ela. Intervindo timidamente ponderei que a cobrança poderia conduzir as pessoas a uma conduta mais sóbria; pensava eu exatamente na questão ambiental mais direta e, com olhar geológico, na da sustentabilidade, ainda um tanto escondida na época. Se fosse voto seria vencidíssimo, tratado com paciência e compreensão por velhos amigos, e com certo desdém por outros de pensamentos muito diversos dos meus: “Queremos a sacola de graça”, era o brado retumbante.

Agora no país do tudo ou nada, a exemplo do famigerado Código Florestal, nada então! A próxima bola serão pandeiros contra os quais se investirá porque perturbam o silêncio noturno? Vocês acham que ganhamos com isto alguma dimensão especial de nação civilizada?



Belo Horizonte, 27 de abril de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


14 de abril de 2011

Código Florestal


Código Florestal
Geocentelha 329

Respostas ao pedido abaixo de Apolo Heringer Lisboa:

Elenque 5 pontos, em ordem de prioridade, sobre o que considera mais importante numa discussão sobre o Código Florestal nesta conjuntura de mudança. Inclusive com perfil histórico e mundial se puder.

Ponto 1: Ausência de cultura traduzida na falta de dimensão pedagógica na forma de redigir a lei. Uma lei de ordenamento territorial precisa ter dimensão pedagógica na aderência das disposições ao objeto. Não existe nada no Código Florestal que indique essa aderência: Ele poderia ser aplicado a Marte e à Lua se esses astros tivessem água, que o desastre seria o mesmo. Naturalmente essa total falta de cultura acha que aplicar limites numéricos para determinar formas de tratar a terra não é um desrespeito a ela, mas é, e é o maior de todos. É uma forma humanamente arrogante de determinar formas de explorar a Terra que está apoiada evidentemente na ignorância, pedestal preferido da arrogância.

Ponto 2: Em nenhum ponto a lei recorre aos profissionais das ciências da terra para o estabelecimento final de critérios locais de uso do solo. É dizer que o Agrônomo, Eng. Florestal, Biólogo, Geólogo, Geógrafo, dentre outros, sabem menos que um remoto deputado em Brasília sobre aquele pedaço de terra atingido pela lei. Para onde vai a responsabilidade profissional, inclusive assumida em juramento? O profissional desobedece mais à lei se atende ao limite numérico contra todas as evidências locais, ou está, e estamos mesmo, traindo a confiança da população e aí sim cometendo um crime profissional a todos os títulos imperdoável? Se isto não for suficiente para estabelecer a inconstitucionalidade flagrante do Código Florestal, em qualquer das versões discutidas, eu não sei o que é inconstitucionalidade, depois de ter sido por mais de 4 anos Membro da Comissão de Legislação do Conselho Universitário da UFMG. Quem enquadrará o profissional que obedece à lei, mas trai o povo, ou o que, para não trair o povo, desobedece à lei?

Os pontos seguintes são estritamente técnicos

Ponto 3: Por que o tudo ou nada em relação às APP’s? explico com um exemplo. Encostas do leste/sul mineiro de média e alta declividade podem ser não recomendáveis para a enxada e o pisoteio, mas podem perfeitamente ser adequadas para forrageiras de corte ou para arborização comercial, que excluem o pisoteio e a enxada. O Código tem de ser minimamente flexível. O tudo ou nada é o fim do mundo em termos de lógica de ordenamento territorial.

E eu digo: Não estou à procura de mais desmatamento em termos líquidos, porque, a meu juízo, o Código Florestal é extremamente permissivo no total.

Ponto 4: Por que uma APP de topo a partir de 1.800 m de altitude? Imagine-se que o Brasil troque de posição com a América do Sul espanhola. Então somando as áreas acima de 1.800m de altitude no Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia  e Venezuela, sem falar da América Central e México, teremos por aí pelo menos um Peru ou uma Bolívia ou os dois juntos inteiros fora da atividade produtiva, inclusive culturas como a de Machu Pichu não teriam vez.

Um colega geólogo disse-me que eu era um chato porque, no Brasil, as áreas de altitude maior que 1.800 m eram insignificantes e não se estava perdendo nada por preservá-las. Lamentável equívoco desse meu colega, cabeça coroada da geologia nacional, porque, exatamente por serem diminutas essas áreas, é que elas deveriam ser visadas com o maior carinho possível em termos de ocupá-las com culturas e cidades numa experiência civilizatória que nos tornaria como nação mais experiente, mais irmã de culturas como as da América espanhola atual, da Ásia Central, das Rochosas, da alpina. É triste vermos como a nação não reage a absurdos civilizatórios como este. Chego a duvidar de sermos uma nação inteligente.

Ponto 5: APP’s marginais: Acho que devem existir, mas jamais limitadas por números rígidos, e devem também poder não existir, desde que profissionais no exercício de suas funções dêem solução diversa em certos casos. Por exemplo, essas APP’s ocupam faixas de terreno naturalmente irrigadas durante todo o ano, abrigando culturas que alimentam bilhões de pessoas (bilhões mesmo). Se implantadas a ferro e fogo como a lei nazifascista determina, o vaso fechado da sustentabilidade vai funcionar, e a agricultura (estou pensando no Nilo e Sudeste da Ásia) terá de irrigar terras mais altas de lençol freático mais profundo consumindo mais energia e aumentando custos, muitas vezes para famílias completamente destituídas de meios para fazê-lo).


Para completar eu gostaria de dizer como a lei determina um desastre ambiental como a erosão do solo no leste/sul mineiro: O pasto está em encosta de declividade 40o . O pisoteio promoveu uma degradação terrível dilacerando completamente o solo superficial. Ah, mas o proprietário não desrespeitou a lei; portanto não há crime ambiental. Quero dizer com isto que a lei virou um fim em si, dispensou a ciência, a boa técnica e os profissionais formados a peso de ouro pela população desamparada.

Não é por acaso que a discussão atual do Código Florestal, na falta absoluta de ciência verdadeira, descambe para imediatismos legítimos de cunho ideológico, corporativo e assim por diante. Miséria extrema de civilização é o que é este estado de coisas.



Belo Horizonte, 13 de abril de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo


11 de abril de 2011

Colecionadores de Água


Colecionadores de Água
Geocentelha 328

A água oscila entre escassez e abundância. O planeta não a perderá, porque a gravidade não deixa; na realidade, ele tem acréscimos de água capturada de cometas, por exemplo. Materialmente podemos ver o sistema Terra como um grande vaso fechado. O princípio do vaso fechado, que deveria ser ensinado em todo o mundo como o mais universal instrumento de gestão, apreensível por crianças de 5 anos, é usado intuitivamente por muitos, é claro, ou cientificamente, como na geologia, em que compõe o jargão dos estudos de metamorfismo. São comuns frases como esta: “Trata-se de transformação em vaso fechado”, diz o geólogo, referindo-se a determinada transformação em que as rochas da porção transformada não tenham trocado matéria com a região envolvente, mas apenas calor.

Aplicação do princípio do vaso fechado ocorre nos estudos da sustentabilidade relacionados com a água. A Terra é dotada de reservatórios de variável grau de conexão entre eles. O maior é o oceano global, dividido em compartimentos que se comunicam nas extremidades continentais e recebem nomes locais de oceanos e mares. Calotas polares e geleiras são grandes reservatórios, que, por conterem água congelada, dispensam a superfície plana. Os poros de solos e rochas constituem o terceiro grande reservatório. O quarto é a biomassa a que a água se agrega de várias maneiras. A água transita entre reservatórios, levando e trazendo nutrientes, poluentes, contaminantes e calor, manifestado por temperaturas. É por esta razão que lhe chamo componente itinerante do sistema geológico.

Para compensar oscilações sazonais, estocamos água de várias formas. Nas regiões desérticas e semi-áridas, precisamos de estoques plurianuais; nas de pluviosidade certa, mas concentrada em poucos meses, a estocagem faz-se para cobrir os meses secos. A melhor e mais democrática forma de estocar em qualquer contexto é nos solos, protegidos por vegetação, em terras altas (estoque proximal), mas cada litro de solo perdido por erosão ou arrastado é um copo de cerveja a menos de capacidade de armazenamento.

Desconhecedora das possibilidades geológicas do armazenamento proximal, a humanidade opta pelo distal em reservatórios de barragens (muito importantes quando necessárias). Estes contam com as desvantagens materiais de serem tardios em relação à fruição mais completa da água em terra, que chega a eles depois de erodir, inundar e matar; vulneráveis à evaporação e consequente aumento da salinidade; vulneráveis ao assoreamento. No plano da organização social são concentradores de poder. Muitos de seus detentores (estados, empresas, pessoas) são verdadeiros colecionadores de água. Pela inconsistência geológica da medida, a Transposição parece-me atender a interesses de colecionadores de água, e de poder.

Além de inúmeras soluções simples e democráticas, começa a era da devolução do solo à montanha para devolver à água seu melhor lugar.



Belo Horizonte, 30 de março de 2011

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo.