22 de fevereiro de 2017

Que fazer pelo São Francisco IV

GC 423 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO IV


   Este artigo trata do trecho do rio das Velhas que vai da ponte da estrada Lagoa Santa – Baldim até a foz no São Francisco. Chama a atenção cartograficamente do observador o curso caprichosamente meandrante do rio até a foz do Pardo Grande a sul da serra do Cabral. A sistematização do trecho a norte da ponte fica para a GC 424. A imagem do dia, captada pela câmera deste autor, mostra a ponte que esteve submersa no pico da cheia de 1997, para cuja formação terá contribuído toda a cabeceira: Nas chuvas de 1997 aconteceu em Ouro Preto uma tragédia, na qual 11 pessoas de uma família morreram num deslizamento, restando viva apenas uma criança. O local é caracterizado na Carta Geotécnica de Ouro Preto, deste autor, com o Grau de Risco III, o mais elevado e, portanto, não recomendado para habitação antes que estudos e intervenções complementares de estabilização do terreno e critérios rigorosos para edificação futura sejam fixados. Situado no Morro da Queimada, perto da nascente do Velhas, embora na bacia do rio Doce, e a cerca de 150 km da ponte, terá enfrentado as mesmas chuvas de 1997 que levaram a contribuição mais remota para a vazão que chegou à ponte. Outra coincidência aconteceu na ocasião: Chegava de viagem e quando o avião fazia procedimentos de aterrissagem, vi em vários pontos de Belo Horizonte alagamentos extensos, com um tom amarelo barrento. Note o leitor: Se a drenagem em Belo Horizonte fosse mais eficiente, que teria sido da ponte? Se as bocas de lobo na Savassi não funcionam, é melhor ou pior para o Arrudas? Questão mal resolvida, caro leitor.

Cheia do rio das velhas na ponte da estrada Lagoa Santa – Baldim 1997

   Embora em bacia extensa a concentração de caudais dos grandes núcleos urbanos seja diluída na distância, é natural a influência concentrada nas áreas próximas a jusante. E aqui vem questão contraditória a ser considerada pelos responsáveis por projetos de pontes e estruturas semelhantes: Usam-se parâmetros médios para toda a bacia e aí pontos tais podem ser atingidos nos eventos excepcionais, ou adotam-se parâmetros especialmente elevados e fica-se com a dificuldade de justificar fatores de segurança muito altos (algo como 2 m de altura a mais no tabuleiro daquela ponte)? Há projetos de drenagem com vazões tecnicamente previstas, e nas cidades seria de olhar o que está a jusante, e basear o projeto urbano numa vazão admissível.

Litografia de Rugendas, séc. XIX, repro-duzida no jornal do Projeto Manuelzão (Ano 01/01, nov/dez/97) como prova de navegabilidade do Velhas de outrora.

    Para fechar a questão da ponte, não só ela sofreu com a chuva, mas também o São Francisco. Fecho o ponto como o poeta disse que deve ser completado o soneto: na cauda, último verso, como a picada do escorpião. Invertendo a ordem o sueco disse já no título: “Urbanization: a hydrological headache”. LINDH, Gunnar (1972). Ambio, Vol.1, nº 6. dez/72; p.185-201. É de fato a urbanização uma dor de cabeça hidrológica, disse o Gunnar, e como sabem tanto o Velhas quanto o São Francisco, com uma só capital no seu caminho, ao contrário do Danúbio, que imita o rosário com cinco grandes capitais nele dependuradas.
   Em 2001 elaborei para a FEAM mapa de risco Geológico da Bacia do Velhas, tendo como colaboradores o Geólogo Gilvan Brunetti Aguiar e o engenheiro Bartolomeu Mitre Vasconcelos de Assis Chaves. Do mapa, que inclui toda a bacia, serão referidas as formações a norte da ponte. A sequência é uniforme, mas só no leito, com afluentes que correm sobre diversa constituição geológica, que expõem o rio a variada sequência de vicissitudes. Uma delas? Foi navegável de Sabará para o norte, qualidade a ser recuperada por desassoreamento. Pelas excessivas curvas o traçado deve ser encurtado, não por corta-rios, mas por ligações terrestres retificadoras do curso transpostas por barcos anfíbios, solução usada por ônibus turísticos do Rio de Janeiro.

Belo Horizonte, 21 de janeiro de 2017
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

14 de fevereiro de 2017

Que fazer pelo São Francisco III



GC 422 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO III

A passagem pela Grande BH começa em Rio de Pedras. O Velhas passa a contar com reforço do rio Itabirito, deixando o miolo gnáissico do Quadrilátero para entrar nas formações xistosas, ferríferas, quartzíticas da área, banhando Rio Acima, Raposos, Sabará, Santa Luzia. Nova Lima, Belo Horizonte, Vespasiano, Lagoa Santa, Contagem e Ribeirão das Neves, não marginais mas todas na bacia por afluentes locais. Atravessa as formações do Quadrilátero em Sabará, caindo no Complexo Belo Horizonte, semelhante ao de Bação (com voçorocas parecidas), e entra no Grupo Bambuí em Vespasiano, na APA Carste de Lagoa Santa, de belas paisagens, na qual se apoia, não sem contribuição geológica minha, o aeroporto de Confins. Na Imagem do dia urbanização de topos em Nova Lima, tendo a leste RPPN. Na ponta da seta o aterro dique do Vale dos Cristais (apresentado no 15o CBGE em Bento Gonçalves-RS).
Urbanização de topos do Vale dos Cristais em Nova Lima

Por que passagem heroica? Começa com a tomada d’água de Bela Fama, seguida de estação de tratamento, de recalque e adutora ao longo de parte da crista da serra do Curral, onde o túnel do Taquaril chamou a atenção  nos anos LX do século passado, exigindo passagem provisória, enquanto não se completava o complicado túnel, por um by pass através de poço de grande diâmetro escavado por sonda da Petrobrás especialmente mobilizada. (Nos anos LXX  um torrista em Aracaju disse-me ter sentido muito frio com a operação noturna da sonda no inverno a quase 1500 m de altitude nas manobras que lhe cabia fazer, da ferramenta de perfuração). Completada a operação, a transposição deu a Belo Horizonte a água da adutora do rio das Velhas, desativando mais de centena de poços tubulares que então dessedentavam precariamente a cidade. Repare o leitor: A remoção dos poços ampliou inundações, independentemente de isso ter sido verificado! Por tal razão técnica as cidades devem, na medida do possível, ter parte significativa do suprimento de água por poços tubulares, o que beneficiaria triplamente as cidades ─ reduzindo inundações, dando razões fortes por controle ambiental do solo urbano, e reduzindo a demanda por água do meio rural envolvente.
Entre Rio Acima e Raposos passa ao lado de depósito antigo de rejeito da mina de Morro Velho (que chegou a ser a mina subterrânea mais profunda do mundo), e perto de grandes depósitos de rejeitos e estéril da mineração de ferro, de cavas ativas e abandonadas, além dos resíduos inertes da urbanização. Não há passagem heroica como em rios europeus, porque a serra do Curral, mais de 300 metros acima do rio em Nova Lima, concede a ele passagem calma em Sabará. A RMBH aprende a conviver com a mineração não sem ver oposição às vezes intensa de movimentos ambientalistas. Também sofrem empreendimentos urbanos acusados de especulação imobiliária pela verticalização, que, afinal, tem a seu favor redução na extensão das vias públicas. Esses movimentos, por outro lado, têm no Vale dos Cristais, avanços importantes como o aterro dique, que permite descargas pluviais do urbanizado menores que antes da urbanização (!), e uma RPPN que leva a ocupação efetiva a menos de 8% do terreno. O conjunto urbano-mineral na RMBH é provavelmente dos mais intensos do Brasil, contando com importantes núcleos do Ciclo do Ouro, especialmente Sabará.
Afinal, que fazer pelo São Francisco no trecho? Cuidado maior na reabilitação de cavas de mineração desativadas, com seu uso para depósitos de resíduos inertes, aproveitando a segurança geotécnica em comparação com aterros de resíduos mal dispostos, resolvendo dois problemas numa intervenção só. Importante ajuda local ao rio pode vir do uso dos telhados do maior núcleo urbanizado da bacia do São Francisco, como importante recurso hídrico para a captação das águas pluviais como proposto à PBH por Silva et Al. (1995), parcialmente recebido em critérios urbanísticos, modalidade de solução bem instruída em publicação recente dos autores Fendrich e Gevaerd em 2014, Curitiba – PR.
Na GC 423 o trecho Lagoa Santa até a foz no São Francisco.

Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2017

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


8 de fevereiro de 2017

O que fazer pelo São Francisco II


GC 421 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO II

Continuando a hipotética reabilitação do São Francisco, o que resultou do controle das voçorocas de Cachoeira do Campo, poderia ter sido também aplicado a outras cabeceiras a exemplo da vizinha bacia do rio Itabirito e especialmente sub bacia do córrego Bação. No presente caso, resultou um pouco aliviado o curso do Maracujá, que, com a redução do fluxo de solo erodido, pode ter-se recuperado um pouco do assoreamento do leito, mas o São Francisco ainda não se terá beneficiado bastante porque o reservatório de Rio de Pedras ainda está saturado, transmitindo para jusante os dois impactos comentados na Geocentelha anterior. Como reduzi-los é o desafio da presente fase.
Começaria por tratar o reservatório como jazida de areia, que pode conter aleitamento variável do ponto de vista textural, com leitos ora mais arenosos, ora mais argilosos em consequência da energia associada a cada fase do regime fluvial do Maracujá. Essa variação textural poderia recomendar variações do processo de lavra da jazida. Pode ser, mas isto seria dispensável em face de um processo de lavra que o leitor não esteja considerando. A imagem do dia, com dois tipos de sifões de grande capacidade, pode ajudar.
O reservatório pode ser desassoreado por sifonamento, em princípio facilitado pela relação de alturas entre a parte de montante e a de jusante da barragem. A descarga do material sifonado pode passar por peneiras para classificação granulométrica. A fração arenosa pode atender a mercados entre Mariana e Belo Horizonte, esta a escassos 50 km pela rodovia dos Inconfidentes, que passa quase ao lado; a fração argilosa poderia ser utilizada localmente para a fabricação de tijolos sem queima evitando o impacto ambiental de material fino em suspensão, que pode ser posto a depositar-se em bacia de tamanho adequado preparada à margem.
Sifões são dispositivos aplicá-veis ao desassoreamento de reservatórios.

São duas as vantagens ambientais da intervenção, além do benefício econômico direto: O tratamento do reservatório como jazida permitirá lavrar o material de construção nele hoje contido, recuperando a  capacidade de projeto (aliás obrigação do proprietário, que deveria ser cobrada pelo órgão ambiental e por outros órgãos de gestão), e ainda o que continuar descendo o já agora rio das Velhas, protegendo contra inundações as faixas ribeirinhas a jusante até pelo menos Sabará ou, quem sabe, Santa Luzia; ainda de significado ambiental relevante será a concorrência com as lavras de areia de jazidas convencionais.
Dir-se-á que isto ocorrerá apenas na linha que tem por eixo o Maracujá, mas não será assim, porque a tendência será o reconhecimento gradual das possibilidades econômico-ambientais associadas, a exemplo da bacia do rio Itabirito já citada. Daí à vizinha bacia do Paraopeba, também afluente do São Francisco e das bacias do Doce e Grande, também com campos de voçorocas, é um pulo. As visibilidades ostensivas no Google Earth escasseiam nos campos de voçorocas inativas, mas ainda aparecendo voçorocas ativas isoladas, como é o caso de Naque no Santo Antônio (junto à foz no Doce). Se o leitor não é usuário técnico comum das imagens,  começará por reconhecer formas de voçorocas ativas e gradualmente passará às de atividade extinta, que podem ter tratamento à parte em vastos programas de reabilitação territorial. Aqui o olhar pessoal do leigo pode descobrir-lhe importantes valores territoriais, perdidos, mas talvez reabilitáveis, e, inclusive, esse olhar inicial poderá provocar-lhe também a vergonha que me assalta ao descobrir em áreas pioneiras partes novas do território pátrio tão profundamente abandonadas.
No próximo artigo a passagem heroica do Velhas pela Grande BH.



Belo Horizonte, 03 de janeiro de 2017

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


2 de fevereiro de 2017

O que fazer pelo São Francisco I



GC 420 QUE FAZER PELO SÃO FRANCISCO I
Continuando a Geocentelha 419, a 420 fala do São Francisco, a partir da cabeceira modesta do rio Maracujá. A Imagem do dia mostra o Maracujá chegando ao reservatório do Rio de Pedras. A norte da barragem chega o rio das Velhas, limpo. O sedimento que chega do sul vem pelo Maracujá e é descarregado pelo vertedouro e pela tubulação que o conduz à turbina. Dois impactos: Rio abaixo o assoreamento pelo sedimento que transpõe o reservatório; nas turbinas o efeito abrasivo da areia.  Há solução? Eu diria mais de uma, mas vou pela que descrevo agora e que completarei no próximo artigo.
Do norte vem o Velhas limpinho e do sul chega o Maracujá barrento, emissário das voçorocas.

A solução permanente começa por conter a erosão progressiva das voçorocas, começando pelo bloqueio do solo mobilizado, que venho testando desde 1989. O primeiro teste  foi o da voçoroca do estacionamento do ICB/UFMG, hoje  ocupado por um prédio. Para que se tenha ideia do retorno  econômico da reabilitação, o engenheiro que comandou a execução comparou o custo ao custo anual de limpeza do estacionamento, feita mais de uma vez por ano.  Visitei-as a área há dias, e encontrei recuperação extraordinária no interior da cavidade. O segundo teste foi na voçoroca do bairro Piraquara, em Contagem, caso de intervenção mais completa, situada do lado sul da rua Frei Tito Frankort. A solução fez-se com base na introdução na cavidade de resíduos de construção civil, usualmente recolhidos por caçambas, dispostos em taludes. Hoje a área tem uma sequência de esplanadas, usadas como depósitos de veículos apreendidos pelo órgão de trânsito local. De particular interesse ambiental é o fato de ter sido substituída horrível nascente tecnogênica de pequena vazão contaminada por lixo, por um jorro d’água encorpado, de bom aspecto, que se vê ao fundo da feição formada pelas esplanadas. A solução permitiu a dispensa da contenção frontal. A área é fácil de localizar no Google Earth à margem da rua acima.
Há áreas reabilitadas em Belo Horizonte, Contagem, Itabirito, Lafaiete. O princípio geral do processo de reabilitação está exposto em folheto intitulado O MÉTODO GEOLÓGICO, que trata de como se pode reabilitar voçoroca ativa. As intervenções principais são: a) Bloquear a fuga do material erodido, intervenção essencial nas voçorocas ativas, sem a qual o processo não se extingue, que se pode fazer com dique de gabião ou equivalente implantado no gargalo de saída da voçoroca, que deixa passar a água, mas retém o solo; se pararmos por aí, teremos caso de assoreamento induzido na cavidade a montante; b) preencher a cavidade na forma desejada com entulho de caçamba, escombros de demolição, fundos de pedreiras, ou bota-fora geológico, de taludes viários, por exemplo; c) promover o acabamento conforme o uso futuro desejado.
Agora o principal: Reabilitar uma única voçoroca é a melhor intervenção sobre ela, mas em verdadeiros campos de voçorocas como os de Cachoeira do Campo, é perfeitamente possível reabilitar a área toda, preparando drenos de brita, cascalho natural, fundos de pedreira ao longo dos talvegues, conduzi-los até o ponto de descarga, onde se fará um dique de gabião único para todo o campo de voçorocas e fazer a conformação de uma ou mais esplanadas para urbanização. No caso de um campo desses, a área pode ser transformada em esplanada, posicionada, por exemplo, a cerca de 2/3 do desnível médio entre o topo e o ponto mais baixo do talvegue, neste caso, podendo o nivelamento ser feito por terraplenagem local, entretanto não devendo ser esquecido que a intervenção sempre oferece a possibilidade de resolver o problema de resíduos inertes sempre existentes. Quanto à qualificação geotécnica da esplanada assim formada, fica na dependência do material utilizado e da forma de disposição, nada tendo, entretanto, de especialmente desafiante.


Belo Horizonte, 02 de janeiro de 2017

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo