16 de maio de 2013

Ao cair da chuva

Ao cair da chuva [1]
Geocentelha 351

Ao cair da chuva escrevo desviando-me das sombras da catarata que confio ter dias contados nas mãos da medicina reparadora da natureza, operada pelo único membro dela capaz de corrigir seus defeitos por ações propositadas, conduzidas por lógica comum a todo campo científico. Desvios da constituição normal do corpo humano, mais complexos que a prosaica catarata, são corrigidos no útero habitado por embriões até recentemente refratários a correções oportunas.

O que fazemos ao corpo humano, por que não à terra? Porque aí proibimos a ciência, substituída pelo arbítrio de códigos, no pedestal da ignorância grandes monumentos à arrogância humana; pelo arbítrio também de paradigmas técnicos que, ritualisticamente, expulsam a água de nossa presença tantas vezes sem necessidade. Ouço gotas de chuva pipocando no telhado, e fico satisfeito de saber que ficarão armazenadas em reservatório até que sejam chamadas a amenizar o calor de sol causticante sobre os canteiros da horta. Imagino a chuva que cai no vão inóspito de centenas de milhares de voçorocas do Brasil, veias abertas do solo brasileiro, para tomar logo o rumo do mar aonde chegará em poucos dias.

A seca do Nordeste poderia ser mais amena e a chuva em Teresópolis também, mas como? Todos os rios que morrem no mar nasceram na atual foz e escavaram seus leitos do mar para montante até chegarem às atuais nascentes no coração dos continentes, coração maneira de dizer, porque o afamado Tietê e o caudaloso Amazonas saem de escassas dezenas de quilômetros do mar para empreenderem jornadas de milhares de quilômetros no sentido oposto. E associamos a cada nascente que nutre esses rios e aos inúmeros cursos que para eles convergem a nobre faculdade de sustentar a vida. Na perspectiva do acesso direto à água é verdade, mas é verdade também que a nascente é o portal a partir do qual águas continentais deixam o seguro abrigo no seio geológico da terra para enfrentarem as vicissitudes da vida subaérea, sujeitas à evaporação precoce, à poluição e ao retorno precoce ao mar: As águas que aí vemos estão dizendo-nos adeus! Por que não retardar esse desenlace?

Amenizar os efeitos negativos do excesso de chuvas é capturar no sistema geológico o máximo possível das águas pluviais que caem hoje. Amenizar a seca de amanhã (quem guarda tem) é ter feito isto no tempo das chuvas. Insensata humanidade: Não atrapalhe mais sua própria vida e resolva de vez excluir do clube das “protegidas” as terríveis nascentes das voçorocas. Assim você será mais feliz; compreenderá melhor por que as geociências brasileiras estão de luto pela perda de Aziz, a quem o Congresso perdeu a oportunidade de encomendar minuta coerente para o Código Florestal, e de Grossi Sad, que lhe proporcionou poder contar com parte das terras raras de que tanto precisa. Mais sábia, você partirá para conquistas maiores proporcionadas por imensas possibilidades menos óbvias.



Belo Horizonte, 12 de junho de 2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo




[1] O Tempo; O.PINIÃO; 21/06/2012; p. 19


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