Ao cair da chuva [1]
Geocentelha 351
Ao cair da chuva escrevo desviando-me das sombras da
catarata que confio ter dias contados nas mãos da medicina reparadora da
natureza, operada pelo único membro dela capaz de corrigir seus defeitos por
ações propositadas, conduzidas por lógica comum a todo campo científico.
Desvios da constituição normal do corpo humano, mais complexos que a prosaica
catarata, são corrigidos no útero habitado por embriões até recentemente
refratários a correções oportunas.
O que fazemos ao corpo humano, por que não à terra? Porque
aí proibimos a ciência, substituída pelo arbítrio de códigos, no pedestal da
ignorância grandes monumentos à arrogância humana; pelo arbítrio também de
paradigmas técnicos que, ritualisticamente, expulsam a água de nossa presença
tantas vezes sem necessidade. Ouço gotas de chuva pipocando no telhado, e fico
satisfeito de saber que ficarão armazenadas em reservatório até que sejam
chamadas a amenizar o calor de sol causticante sobre os canteiros da horta.
Imagino a chuva que cai no vão inóspito de centenas de milhares de voçorocas do
Brasil, veias abertas do solo brasileiro, para tomar logo o rumo do mar aonde
chegará em poucos dias.
A seca do Nordeste poderia ser mais amena e a chuva em
Teresópolis também, mas como? Todos os rios que morrem no mar nasceram na atual
foz e escavaram seus leitos do mar para montante até chegarem às atuais
nascentes no coração dos continentes, coração maneira de dizer, porque o
afamado Tietê e o caudaloso Amazonas saem de escassas dezenas de quilômetros do
mar para empreenderem jornadas de milhares de quilômetros no sentido oposto. E
associamos a cada nascente que nutre esses rios e aos inúmeros cursos que para
eles convergem a nobre faculdade de sustentar a vida. Na perspectiva do acesso
direto à água é verdade, mas é verdade também que a nascente é o portal a
partir do qual águas continentais deixam o seguro abrigo no seio geológico da
terra para enfrentarem as vicissitudes da vida subaérea, sujeitas à evaporação
precoce, à poluição e ao retorno precoce ao mar: As águas que aí vemos estão
dizendo-nos adeus! Por que não retardar esse desenlace?
Amenizar os efeitos negativos do excesso de chuvas é
capturar no sistema geológico o máximo possível das águas pluviais que caem
hoje. Amenizar a seca de amanhã (quem guarda tem) é ter feito isto no tempo das
chuvas. Insensata humanidade: Não atrapalhe mais sua própria vida e resolva de
vez excluir do clube das “protegidas” as terríveis nascentes das voçorocas.
Assim você será mais feliz; compreenderá melhor por que as geociências
brasileiras estão de luto pela perda de Aziz, a quem o Congresso perdeu a
oportunidade de encomendar minuta coerente para o Código Florestal, e de Grossi
Sad, que lhe proporcionou poder contar com parte das terras raras de que tanto
precisa. Mais sábia, você partirá para conquistas maiores proporcionadas por
imensas possibilidades menos óbvias.
Belo Horizonte, 12 de junho de 2012
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
[1] O Tempo; O.PINIÃO; 21/06/2012; p. 19
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