16 de maio de 2013

O verdureiro de Bangcoc

O verdureiro de Bangcoc[1]
Geocentelha 359

Instado a opinar sobre avisos de tsunamis, o verdureiro de Bangcoc, perguntou: Então vocês me avisam do tsunami, e eu subo no primeiro coqueiro, é isto? Tenho refletido sobre o sistema geológico, com frequência variável. Incapaz de dedicar-me a pensamento desprovido de objetivo imediato, meus temas envolvem questões utilitárias. Lembro o homem que não poderia encontrar o mesmo rio duas vezes, porque no segundo encontro ambos teriam mudado. Quem propusera a declaração? Dou com o nome de Heráclito, no sumário bibliográfico um pré-socrático de Éfeso.
Encontrei atribuída a ele coisa mais profunda: Só pode conhecer o bem que a saúde representa quem tenha experimentado o mal trazido pela doença. O estado chuvoso, e o de seca, extremos, são partes da mesma realidade, estados limites do sistema geológico. Heráclito dizia também que “tudo flui como um rio”.

Na Geocentelha 348, publicada aqui sob o título “Três tempos”, escrevi: “A água vai e volta, erode e para. No ano que vem haverá menos terra para absorver água, porque o tempo geológico de substituição do solo erodido mede-se em centenas, milhares, milhões de anos. Então a representação geométrica do ciclo da água não pode ser um círculo (plano) mas uma helicoidal, para bem representar o gradual esgotamento da sustentabilidade geológica” (grifo novo). Isto equivale a dizer que, não obstante a água, recurso ciclicamente renovável, ir e voltar ano a ano, o solo, recurso redutível ao longo do tempo, que deveria recebê-la, não estará todo lá no ano seguinte.

Há outra questão entre sistema geológico e água. Ele é formado pelos componentes permanente (arcabouço mineral), transitório (matéria viva), e itinerante (água). A geologia clássica dedicada à pesquisa mineral trabalha com o primeiro componente, complementarmente usa o segundo (geobotânica, p. ex.) e raramente o terceiro (exceto quando se trata de água subterrânea, tema hidrogeologia). O componente itinerante faz do sistema geológico um objeto ímpar: Ele é capaz de perder na seca parte significativa de sua massa, diga-se 3% de uma capa superficial de solo poroso, e de recuperar esses 3% na estação chuvosa. A humanidade nunca reconheceu formalmente o evidente compromisso natural de jamais impedir, e de facilitar a entrada desses 3% que retornam ciclicamente, por dois meios a serem aplicados em cada caso: Reposição de solo poroso a substituir o erodido, por exemplo através de aterros de resíduos bem situados e executados; atravessamento da placa tecnogênica que separa nas cidades o edificado do substrato poroso, para recarregá-lo. Na drenagem urbana e das estradas, a água retirada por drenagem convencional é a que faltará na seca.

As águas que atormentam as cidades vão socorrer as hidrelétricas. Poderíamos fazê-las chegar lá mais brandamente. Como? Copiando as sabodams dos japoneses e refletindo um pouco mais sobre o que disse o verdureiro de Bangcoc.    



Belo Horizonte, 10 de janeiro de 2013 
                                                                 
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng.o Geólogo 



[1] O Tempo; Opinião; 31/01/2013; p.17


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