O verdureiro de Bangcoc[1]
Geocentelha 359
Geocentelha 359
Instado a opinar sobre avisos de tsunamis, o verdureiro de
Bangcoc, perguntou: Então vocês me avisam do tsunami, e eu subo no primeiro
coqueiro, é isto? Tenho refletido sobre o sistema geológico, com frequência
variável. Incapaz de dedicar-me a pensamento desprovido de objetivo imediato,
meus temas envolvem questões utilitárias. Lembro o homem que não poderia
encontrar o mesmo rio duas vezes, porque no segundo encontro ambos teriam
mudado. Quem propusera a declaração? Dou com o nome de Heráclito, no sumário
bibliográfico um pré-socrático de Éfeso.
Encontrei atribuída a ele coisa mais profunda: Só pode conhecer o bem que a saúde representa quem tenha experimentado o mal trazido pela doença. O estado chuvoso, e o de seca, extremos, são partes da mesma realidade, estados limites do sistema geológico. Heráclito dizia também que “tudo flui como um rio”.
Encontrei atribuída a ele coisa mais profunda: Só pode conhecer o bem que a saúde representa quem tenha experimentado o mal trazido pela doença. O estado chuvoso, e o de seca, extremos, são partes da mesma realidade, estados limites do sistema geológico. Heráclito dizia também que “tudo flui como um rio”.
Na Geocentelha 348, publicada aqui sob o título “Três
tempos”, escrevi: “A água vai e volta, erode e para. No ano que vem haverá
menos terra para absorver água, porque o tempo geológico de substituição do
solo erodido mede-se em centenas, milhares, milhões de anos. Então a
representação geométrica do ciclo da água não pode ser um círculo (plano) mas
uma helicoidal, para bem representar o gradual esgotamento da
sustentabilidade geológica” (grifo novo). Isto equivale a dizer que, não
obstante a água, recurso ciclicamente renovável, ir e voltar ano a ano, o solo,
recurso redutível ao longo do tempo, que deveria recebê-la, não estará todo lá
no ano seguinte.
Há outra questão entre sistema geológico e água. Ele é
formado pelos componentes permanente (arcabouço mineral), transitório (matéria
viva), e itinerante (água). A geologia clássica dedicada à pesquisa mineral
trabalha com o primeiro componente, complementarmente usa o segundo
(geobotânica, p. ex.) e raramente o terceiro (exceto quando se trata de água
subterrânea, tema hidrogeologia). O componente itinerante faz do sistema
geológico um objeto ímpar: Ele é capaz de perder na seca parte significativa de
sua massa, diga-se 3% de uma capa superficial de solo poroso, e de recuperar
esses 3% na estação chuvosa. A humanidade nunca reconheceu formalmente o
evidente compromisso natural de jamais impedir, e de facilitar a entrada desses
3% que retornam ciclicamente, por dois meios a serem aplicados em cada caso: Reposição
de solo poroso a substituir o erodido, por exemplo através de aterros de
resíduos bem situados e executados; atravessamento da placa tecnogênica que
separa nas cidades o edificado do substrato poroso, para recarregá-lo. Na
drenagem urbana e das estradas, a água retirada por drenagem convencional é a
que faltará na seca.
As águas que atormentam as cidades vão socorrer as hidrelétricas. Poderíamos fazê-las chegar lá mais brandamente. Como? Copiando as sabodams dos japoneses e refletindo um pouco mais sobre o que disse o verdureiro de Bangcoc.
Belo Horizonte, 10 de janeiro de 2013
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng.o Geólogo
[1] O Tempo; Opinião; 31/01/2013;
p.17
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