16 de maio de 2013

Olhares

Olhares Transparentes [1]
Geocentelha 353

Olhos atentos tudo vêem; mentes condicionadas só o que querem. Olhos atentos não são dons naturais, porque em parte significativa essa qualidade é preparada pela condução científica. Foi dito de Ângelo de Sismonda por seu trabalho de apoio à construção do primeiro túnel ferroviário sob os Alpes que “para os sábios as montanhas são transparentes”. O que Sismonda “via” era a organização interna, estrutural, das massas geológicas, aleatoriamente reveladas por sondagens. Compreendida essa estrutura, o acidente geológico tornava-se previsível, evitável, controlável; ele e suas principais consequências, as mortes, diminuíam sensivelmente; do reconhecimento dos operários ganhou a cultura humana a célebre frase por eles então cunhada.

Toda ciência, no caso a geológica, prepara a visão neutra, sem contaminações de motivações efêmeras, sua mais preciosa contribuição para o futuro da humanidade. Viram os geólogos naturais, no início do controle do fogo, de onde vinham o chumbo e outros metais, e criaram a mineração, sem a qual a humanidade não teria saído das cavernas.

Sismonda salvou vidas; outros como ele descobriram ferro, carvão, petróleo e elementos radioativos, que já salvaram muito mais vidas do que uma guerra e alguns acidentes nos levaram. Os geólogos, sobre a terra, assim como os médicos, sobre o ser humano, veem componentes distintos e separados no tempo e no espaço, e têm a possibilidade e o dever de elaborar previsões sobre suas interações. Australianos, chilenos, japoneses, americanos, nas costas do Pacífico e do Índico, têm feito previsões de tsunamis e elaborado esquemas básicos de atitudes preventivas, mas normalmente não operam os sistemas de prevenção. Então, países costeiros serão “surpreendidos” outras vezes por eventos previsíveis, que se repetiram muitas vezes ao longo da história registrada na imprensa, não só no quase invisível registro geológico.   

A visão condicionada vê o que quer, parcialidades, platitudes, impossibilidades definitivas ocultando possibilidades fecundas; mais que isso, costuma arrastar-nos a ver o que não vemos.

O que vejo num topo de morro, dependendo de sua forma particular? O que viram civilizações atentas: Amplas vistas sobre as partes baixas do terreno, salubridade, segurança geotécnica maior que nas encostas. Em cava de mineração desativada vejo oportunidades como acomodar o estéril ou resíduos trazidos da vizinhança para criar áreas planas úteis e necessárias em terreno montanhoso; aproveitar o resultante lago se esta for conveniência local; implantar campos de esportes, aeroclubes e similares. Nas margens de pequenos córregos conforme seu regime; nas de grandes rios conforme seu regime; nas faixas litorâneas conforme sua morfologia e dinâmica. Tudo o que a inteligência humana conceber de melhor, nunca sempre a mesma coisa. Não hesito em acompanhar o apelo de Donald Haney (Geotimes, fev/93): “Acordemos, geólogos!”


   
Belo Horizonte, 24 de julho de 2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 11/08/2012; p. 23 (sob o título Olhares transparentes).

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