Renúncias brasileiras [1]
Geocentelha 355A
Teria dito um civil do governo militar que, em relação a possibilidades
de aplicação de determinado ato legislativo que se planejava instituir, não
temia propriamente por decisões do general de tantas estrelas, mas pelas do
guarda da esquina. Sabemos que depois do retorno do dito regime democrático,
enquanto se desmontava por revogações de leis o chamado entulho autoritário,
simetricamente se votavam leis na área de gestão territorial e ambiental não
menos autoritárias. Chegou a meu conhecimento caso estarrecedor de amigo meu do
meio rural multado por ter um pássaro que salvara há 20 anos de morte certíssima,
filhotíssimo, perdido da mãe em noite de tempestade. A multa começara em R$
100,00 e quando chegou a R$ 583,00, ele, assustado, pagou esse último valor.
Parece que o Brasil desistiu da corrida espacial pelo incêndio de
Alcântara; parece indeciso quanto a pesquisas na Antártica depois de (outro?)
incêndio; parece também que hesita no plano nuclear depois do acidente com
(velhíssima) central nuclear japonesa, que, a rigor, apenas demonstrou péssima
localização de componentes sensíveis a tsunamis de alta probabilidade. Estará
também indeciso em relação ao pré-sal?
Ouço rumores de que certa EMBRAPA Internacional que chegara a ser criada
foi extinta. Sem conhecer o que deveria da EMBRAPA, tenho-a como um motivo de
orgulho do povo brasileiro, ao lado de poucos outros como a EMBRAER, por
exemplo. E penso logo em mais uma possível renúncia. A EMBRAPA Internacional
talvez pudesse proporcionar a grandes pesquisadores a pesquisa em domínios
geográficos que talvez lhes estejam fechados pelas APPs do famigerado Código
Florestal. Pesquisar cultivares em margens úmidas, nem pensar, ou só além dos
tantos metros da margem onde termina a APP e se tivéssemos fabuloso delta como
o do Nilo, em nenhum lugar dele seria possível, tal a esplêndida ramificação
dos canais distributários que multiplicariam as APPs, ocupando assim todo o
delta. Acima da cota 1.800 m, ainda que com a justificada pretensão de avaliar
potenciais agrícolas em climas de altitude, também nem pensar, porque é também
APP. “No caso o Brasil não perde tanto”, diria o lorpa da objetividade no dizer
de Nélson Rodrigues, “porque a extensão de território brasileiro acima dessa
cota é mínima”, como se o conhecimento não valesse mais que certas
materialidades.
Saindo da esfera exclusiva da EMBRAPA, pesquisar o que fazer com
centenas de crateras de minas desativadas, para quê, se lá no fundo surgiu olho
d’água que se transformou em lago, gerando nova APP?
Volto ao ponto inicial porque considero que o pior nem é a renúncia a
certos programas cujo desenvolvimento pressupõe o de conhecimentos e
tecnologias especiais, que poderiam ser marcas distintivas do Brasil, mas a
efetiva proibição de buscá-los, independentemente da aplicabilidade que possam
vir a ter. O brado retumbante precisa substituir o sussurro atual.
Belo Horizonte, 12/10/2012
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo
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