16 de maio de 2013

Renúncias brasileiras

Renúncias brasileiras [1]
Geocentelha 355A

Teria dito um civil do governo militar que, em relação a possibilidades de aplicação de determinado ato legislativo que se planejava instituir, não temia propriamente por decisões do general de tantas estrelas, mas pelas do guarda da esquina. Sabemos que depois do retorno do dito regime democrático, enquanto se desmontava por revogações de leis o chamado entulho autoritário, simetricamente se votavam leis na área de gestão territorial e ambiental não menos autoritárias. Chegou a meu conhecimento caso estarrecedor de amigo meu do meio rural multado por ter um pássaro que salvara há 20 anos de morte certíssima, filhotíssimo, perdido da mãe em noite de tempestade. A multa começara em R$ 100,00 e quando chegou a R$ 583,00, ele, assustado, pagou esse último valor.

Parece que o Brasil desistiu da corrida espacial pelo incêndio de Alcântara; parece indeciso quanto a pesquisas na Antártica depois de (outro?) incêndio; parece também que hesita no plano nuclear depois do acidente com (velhíssima) central nuclear japonesa, que, a rigor, apenas demonstrou péssima localização de componentes sensíveis a tsunamis de alta probabilidade. Estará também indeciso em relação ao pré-sal?

Ouço rumores de que certa EMBRAPA Internacional que chegara a ser criada foi extinta. Sem conhecer o que deveria da EMBRAPA, tenho-a como um motivo de orgulho do povo brasileiro, ao lado de poucos outros como a EMBRAER, por exemplo. E penso logo em mais uma possível renúncia. A EMBRAPA Internacional talvez pudesse proporcionar a grandes pesquisadores a pesquisa em domínios geográficos que talvez lhes estejam fechados pelas APPs do famigerado Código Florestal. Pesquisar cultivares em margens úmidas, nem pensar, ou só além dos tantos metros da margem onde termina a APP e se tivéssemos fabuloso delta como o do Nilo, em nenhum lugar dele seria possível, tal a esplêndida ramificação dos canais distributários que multiplicariam as APPs, ocupando assim todo o delta. Acima da cota 1.800 m, ainda que com a justificada pretensão de avaliar potenciais agrícolas em climas de altitude, também nem pensar, porque é também APP. “No caso o Brasil não perde tanto”, diria o lorpa da objetividade no dizer de Nélson Rodrigues, “porque a extensão de território brasileiro acima dessa cota é mínima”, como se o conhecimento não valesse mais que certas materialidades.

Saindo da esfera exclusiva da EMBRAPA, pesquisar o que fazer com centenas de crateras de minas desativadas, para quê, se lá no fundo surgiu olho d’água que se transformou em lago, gerando nova APP?

Volto ao ponto inicial porque considero que o pior nem é a renúncia a certos programas cujo desenvolvimento pressupõe o de conhecimentos e tecnologias especiais, que poderiam ser marcas distintivas do Brasil, mas a efetiva proibição de buscá-los, independentemente da aplicabilidade que possam vir a ter. O brado retumbante precisa substituir o sussurro atual.
      


Belo Horizonte, 12/10/2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião, p. 21; 18/10/2012

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