16 de maio de 2013

Terra misteriosa

Terra misteriosa [1]
Geocentelha 354

Lembro aulas de história do padre que sobre a batina vestia capa com ares de toga, e era dado a ironias sobre o que lhe parecia absurdo do conhecimento geográfico da Europa medieval. Imitando-o, ríamos do que diziam do Atlântico chamado Tenebroso, cheio de monstros, e que caía no poente em formidável cascata, levando consigo navegadores que se aventuravam a tentar desbravá-lo, ou que simplesmente se perdiam por lá levados por correntes ou ventos invencíveis.

Hoje confundimos nascente com água e todas as nascentes, não importa sua real natureza geológica, são boazinhas com a água e conosco. Não admitimos casos em que deveríamos considerá-las más, como as das voçorocas, que, à semelhança de agulhas de extração de sangue esquecidas nas veias da terra, levam a água de nossa presença precocemente de volta ao mar. Não há também lugar para maldizer daquelas que, em brejos de águas estagnadas, castanho-avermelhadas, plúmbeas, irisadas, formam doentio paul, de onde essas águas a muito custo escapam quais exsudatos lacrimejantes de furúnculos maltratados. Com Dante (Divina Comédia): "No verão à saúde traz perigo; em vasto plaino o álveo dilatando, forma paul, das infeções amigo.” Com Graciliano (Angústia): “Muitos agora tiritavam, batendo os dentes como porcos caititus, na maleita que a lama da lagoa oferece aos pobres”.

Esquecemo-nos de que as lagoas Pontinas, circundadas de solos fertilíssimos, infernizaram a vida de etruscos, romanos e italianos quase atuais por serem morada predileta do mosquito do Nilo, e também de que as margens molhadas fizeram do Egito a dádiva do Nilo no dizer do sábio grego. Vamos por aí legislando às foiçadas. Já distantes da água condenamos outros territórios. Um dia haverá quem queira desmontar o Cristo, não porque o rebanho que contempla lá de cima não seja todo seu. No vaso fechado a ladeira perigosa vence o topo proibido.

Europa com mais de 3000 anos de história urbana, com cidades debaixo dos calcários, apoiadas nos calcários e dentro dos calcários, não merece ser imitada ... Não sabe ela que os calcários são mais misteriosos e perigosos que os calabouços do Ivan?

Não sabemos também que a história das civilizações é uma história de busca dos acessos, para a Terra Prometida, para El Dorado, para as terras das especiarias, para o ouro da Califórnia. Os famosos acessos, que o colega descreve, para transpor a grande barreira da serra do Mar, e aquele de Paranaguá a Curitiba ou de Curitiba a Paranaguá, qual das duas precisava mais? Feitos foram por anteciparem-se à lei? Leis não podem matar ciência.

Nossa educação ambiental vai por aí, grande parte baseada no que diz a lei dos homens, não a da natureza, nem a de sábios que fizeram história no traço arrojado dos itinerários, ou na imortalização de evidentes nexos causais: Tem quem guarda, prospera quem se arroja, aprende quem experimenta. Coreia? Uma delas passou por aqui há 20 anos! 



Belo Horizonte, 03/09/2012

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng. Geólogo



[1] O Tempo; Opinião; 06/09/12; p.23 


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