31 de janeiro de 2017

Que fazer por Cachoeira do Campo


GC 419 ÁGUA: QUE FAZER POR CACHOEIRA

 
Já falei, e por ora não me lembro de quando, nem onde, que o Homem, este que é acusado por tudo de mau que ameaça o planeta, que é ele o único ser capaz (e podem colocar aí o universo inteiro) de corrigir defeitos naturais dos sistemas geológicos neste e noutros planetas, e também de criar defeitos tais, propositadamente ou por mera estupidez. Ele pode, e o faz muito às claras, até quando legisla contra a correção, que poderia ter, a tempo e horas, sido empreendida há pelo menos algumas dezenas de anos nas voçorocas de Cachoeira do Campo, desta forma, por exemplo, impedindo o progresso do impacto ambiental do desenvolvimento de voçorocas (impacto ambiental local), do leito assoreado do Maracujá (outro impacto ambiental local, ligado, este ainda tendo por visível o que o provocou, quando não estiver à frente uma colina majestosa, e ainda não atacada, do Complexo de Bação); mais além pelo reservatório quase todo assoreado de Rio de Pedras em Itabirito, assoreado pelo riozinho pequeno, e não pelo grande, o rio das Velhas, que lhe chega pela direita, para mostrar a uma sociedade geologicamente cega para o processo que o fato geológico, criado por esse processo geológico, não é criado só pelo agente mais capaz, mas pelo que atua sobre a massa mais vulnerável, no caso o espesso, gostoso e produtivo solo do Complexo de Bação, vulnerável à evidência pelo que estudou um pouquinho de geologia, aquela ciência que também não será ensinada no futuro segundo grau para todos os cidadãos (porque ninguém vive sem ela), e porque ela teria de ser ensinada por alguém versado nessa estranha geologia, superestrutura científica exigente, formada sobre os pilares da física, da química e da biologia.
Imagem do dia: Está bom assim?

A rigor, não fosse praticamente proibida por lei a intervenção corretiva sobre voçorocas (exatamente o mesmo que proibir o médico de pensar as feridas do acidentado), a redenção de Cachoeira (imagem do dia) seria extremamente simples, como abaixo segue.
Antes de tudo, pensar no fundamental: Reabilitar para quê: Ora, para fazer um belo sítio, mas um sítio daquele tamanho quanto vale? Não mais que um lote, mas ali cabem 200 lotes ou mais!
Então vamos aos lotes, mas antes vamos à continuação do que ficou parado acima no Rio de Pedras: Assoreia o Velhas até o São Francisco, depois de passar por Sabará, até aonde já foi navegável no século XIX, e este pelo menos até Sobradinho, acabando no percurso com todos os criatórios naturais de peixes. Continuando os motivos do que, obviamente, fazer, neste trecho ninguém mais liga o médio vale às distantes cabeceiras. Pronto: Uma voçoroca gulosa de onde sai água que nunca vai sozinha, mas sempre levando muita terra, é um problema ambiental local; o riozinho, que já foi o rei do alho, é mais um problema ambiental; o pequeno reservatório do Rio de Pedras é outro foco de problemas ambientais, aqui já múltiplos porque, além de prejudicar o reservatório quanto à capacidade, jogando a vazão das chuvas de 1997 sobre a pequenina Raposos, é fluxo abrasivo nas turbinas da hidrelétrica. Mais um problema ambiental visto localizadamente, e num futuro Sobradinho, mais um em si gigantesco.
Um país que nem sequer caracteriza seus problemas ambientais localizados, não é capaz de perceber o gigantesco desastre Territorial, que um dia chega ao Ceará, pelas mãos de governos  que talvez não enxerguem nem como Pedro II, autor da ideia de uma transposição bem maior que a da cidade que ameaça morrer de sede, depois de enviar o equivalente a 5 Velhas na altura de Bela Fama serra abaixo até Cubatão.
O conserto do desastre territorial é extremamente fácil, mas começando na urbanização do polígono acima para que a repercussão venha visível para quem está rio abaixo. Sei bem que será dito: “Mas Cachoeira não tem demanda!” Replico eu que Ouro Preto tem, e sei razoavelmente bem de seus problemas de risco geológico desde 1970.
Parece mais problema de governo, não porque só deva ele tratar disso, mas porque deve ensinar os caminhos que a sociedade já disse não conhecer.

Belo Horizonte, 29 de dezembro de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

Condensada reflexão sobre a água

GC 418 CONDENSADA REFLEXÃO SOBRE A ÁGUA

Compreensão com a água: coisa chã. Boa parte da humanidade nada sabe sobre a água: O Japão perdeu de 26.000 a 31.000 pessoas em 1896 por tsunami iniciado perto da costa; em 1960 mais 220 sob tsunami iniciado 22 horas antes no Chile (!); em 2004 viu morrerem 280.000 no tsunami do Índico iniciado em Java; em Sendai perdeu mais 16.000; uma brasileira, visitando parentes residentes no Japão, após o tsunami de Sendai, disse a repórter brasileiro que a entrevistava que, perto de Sendai, existe um penhasco em cuja parede está gravada a seguinte advertência: “Não construir além deste ponto: Risco de tsunami”. É claro que a advertência não foi observada.
Restos mortais de Armero

Em 1885 morreram 25.000 dos 28.500 habitantes de Armero, cidade colombiana, posta, a 75 km de distância, na saída de vale que vem do Nevado Del Ruiz, sepultada pelo lamaçal (lahar) consequente a erupção que derreteu o capuz de neve e esta arrastou tudo até sepultar a cidade, edificada, em lamentável erro de urbanismo, exatamente à saída do vale que traz um dos rios que nascem ao pé do vulcão (impressões digitais da extinta Armero podem ser vistas em imagem do dia, extraída do Google Earth).
Todo cidadão deve conhecer relações de solo e água, sabendo escolher onde morar, fazendo associações territoriais geológico-geográficas, usando o telhado para coletar a chuva, deixando para a municipalidade o que lhe reste fazer: Colocar ruas na diretriz e greide certos e ensinar geologia para a vida, porque os cidadãos estão, mas não precisam ficar, analfabetos na matéria. Quem sabe onde e como morar só é colhido no fortuito, nunca no habitual.
A água é capaz de estar presente em dado momento nos três estados da matéria. Pode participar do sistema geológico como componente itinerante, impregnando o arcabouço mineral, componente permanente, e de sair dele e a ele tornar, com maior ou menor facilidade. É também capaz de viver crises hidrológicas severas nas mudanças de estado físico que experimenta. A chuva é crise hidrológica por resultar de mudança do estado físico, de vapor para líquido. A saída da água (drenagem) pode ocorrer com facilidade maior que a entrada (saturação), que depende mais de fatores geológicos e circunstanciais. É por não compreender ou não pensar nisso que a humanidade não se acerta com a gestão da água. Se a Cidade não quer alterar muito o trânsito da água, pode usar o telhado para capturá-la, ou conduzi-la ao subsolo receptivo por modo fácil de fazer. Não resolvem tudo mas ajudam a custo mais módico que o piscinão.
Drenagem urbana[1] é como árvore cujo tronco é o rio. Começando na foz no Velhas, canalizações que aí chegam são galhos que crescem até os limites da bacia, levando cada vez mais água. Árvore que cresce engrossa o tronco para suportar os galhos, mas o do Arrudas chegou ao seu limite. Então B H constrói piscinões como o do Bonsucesso para organizar a fila da descarga, e jogar água fora. Melhor seria construir, em cada prédio e casa, uma caixa para capturar a água do telhado em vez de um piscinão por microbacia, ocupando espaço e criando focos de poluição. Da crista da serra até o Arrudas passa água tão velozmente que deixa ocioso, morrendo de sede, o subsolo, exatamente o reservatório que a natureza destinou à chuva. B H trabalha, não discordo, mas precisa de adotar soluções complementares que sua geologia proporciona.       


           
              
Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo



[1] Parte publicada em O Tempo, Cidades, 10/12/2016, p. 22

23 de janeiro de 2017

Tributo devido aos colombianos

GC 416 TRIBUTO AOS COLOMBIANOS

            Em 1903 aconteceu o que terá sido o acidente geológico de segunda maior repercussão direta quanto a perdas de vidas humanas no continente americano, só perdendo para o recente terremoto do Haiti. Trata-se da erupção vulcânica na Martinica do vulcão da Montaigne Pelée, que, não sem dar avisos suficientes para que a população de Saint Pierre pudesse escapar, matou cerca de 30.000 pessoas. A morte não veio por torrentes de lavas, como acontece em erupções não explosivas, mas sob a forma de nuvens ardentes. Muitos morreriam por certo, mas não tantos, não houvesse a administração local bloqueado vias de fuga para impedir a redução de votantes de uma eleição.
Passados 82 anos vem o segundo maior desastre geológico do século XX, que varreu quase totalmente  Armero na Colômbia, agora por via indireta, consequente à erupção do Nevado Del Ruiz, que provocou a fusão do capuz de gelo e projetou grande quantidade de material piroclástico. Nesse caso o que se chama lahar (massa expelida do vulcão, água da fusão do gelo, solo, rochas, árvores das partes mais baixas da montanha, toda essa massa em movimento) desceu estrepitosamente sobre a cidade por volta da meia noite matando 25.000 pessoas de um total estimado em 28.500.
Imagem do dia: Aspecto de Armero após ter sido inundada pelo lahar.
Origem: USGS - www.geology.sdsu.edu/how_volcanoes_work/nevado acessado a 4 de dezembro de 2016

O documento chamado Casos de Estudo: As Torrentes de Lama (mudflows) do Nevado Del Ruiz (Colômbia) – 13/11/1985 com elementos de apoio de J. Alveirinho Dias (Geologia Ambiental 99 Mar 06) Relatório 2/6 da UNDRO United Nations Disaster Relief Organization, dá relato complementar ao que eu já tinha consultado e ouvido diretamente de participantes (pesquisadores da Universidade EAFIT de Medellin) do Simpósio Latino-Americano de Risco Geológico Urbano. Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental – ABGE – São Paulo SP, 1990. Do autor acima consta o seguinte comentário final:
“Quando as equipas de socorro chegaram a Armero, no dia 14, depararam com o horrível. Era o caos! O que viram foi uma massa confusa de pedras, árvores, restos de casas, carros e corpos mutilados integrados numa matriz de lama cinzenta. Alguns sobreviventes agonizavam nesta massa enquanto outras pessoas faziam tudo o que podiam para as salvar. Dispersos no depósito do lahar estavam mais de 23 mil pessoas que tinham perecido, juntos com restos de 4500 casas que tinham sido destruídas e os corpos de mais de 15000 animais mortos. Os prejuízos financeiros foram estimados em mais de um bilião de dólares, ou seja, cerca de um quinto do Produto Nacional Bruto da Colômbia. No entanto, as medidas de socorro foram lentas e, frequentemente, pouco eficazes. Na análise deste caso tem que se ter em consideração que o governo colombiano estava na altura profundamente empenhado na luta contra os movimentos revolucionários que, desde Junho de 1985, tinham reiniciado a luta de guerrilha. Entre 6 e 9 de Novembro (imediatamente antes da catástrofe) o M-19 (movimento 19 de Abril) tinha mesmo ocupado o Palácio da Justiça em Bogotá. Actualmente o vale começa a estar novamente ocupado. O vulcão está a ser monitorado.”
Acrescento pontos que têm a ver com a decisão de escrever o artigo: Convivi com estudante de Bucaramanga, no LNEC, Portugal, em 1979, que me deixou impressionado por excepcional fidalguia; o acidente de Armero poderia ter sido evitado ou ter enfrentado consequências minimizadas se o urbanismo tivesse sido guiado por referência geológica de cunho territorial, como deveriam também ser as faixas marginais do Pacífico e do Índico, contra os tsunamis, evitando urbanizar para habitações a orla baixa, o que parece não ter sido observado nem por cuidadosos japoneses; vi o Mário Sérgio jogar uma vez pelo Vitória, em novembro de 1972, em Salvador, contra o América mineiro, e nunca mais o vi ao vivo em campo, mas ter-lhe-ia feito agradecimento especial se o encontrasse, pela inigualável arte demonstrada em dribles, da qual só por milagre escapou o América.
País que enfrenta a fúria da natureza com frequência maior que outros, que chega a bom termo na desavença interna como o faz a Colômbia, aprende mais cedo a conviver com a Terra, e é mais capaz de transbordar de amor pelo país irmão, merecendo o sincero tributo do reconhecimento pelo atendimento dado à comitiva da Chapecoense e aos que a acompanharam no sinistro de falha humana que os colheu.
Quanto a nós, espero que saibamos evitar o tsunami social que se abre sobre Brasília.
              
Belo Horizonte, 4 de dezembro de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

Nascimento e morte da voçoroca

GC 415 Nascimento e morte da voçoroca

            No passado porção centro-ocidental dos Estados Unidos encontrava-se em processo geológico peculiar ─ elevação continental, sem deformações compressivas ou distensivas, tecnicamente chamado epirogênese, cujos efeitos persistem ao longo do rio Colorado. Em consequência a área central mais elevada que a borda continental tem nascentes que correm para o golfo da Califórnia. O Colorado e seus tributários escavam, em formações sedimentares, leitos profundos, o que não aconteceria se não continuasse o soerguimento, que recria desníveis estimulando erosão linear, aprofundamento e alargamento dos leitos. No início a paisagem é feia, mas à medida que se amplia, alarga e ramifica, o porte gigantesco torna o que era feio uma das maiores maravilhas da natureza, o sublime no dizer de Ariano Suassuna em sua Iniciação à Estética.
                           Em Minas Gerais, e em outros pontos do Brasil, em determinadas formações geológicas, concentrações de escoamento pluvial geradas pelo desmatamento, e facilitadas por trilhas, valas divisórias, estradas rurais, começam a escavar os horizontes superficiais argilosos, resistentes ao escoamento, os quais, afinal ultrapassados, ensejam o aprofundamento rápido em solo pouco resistente, que acentua desníveis locais ativando a erosão. No avanço do processo, o fundo da ravina atinge o topo da zona saturada ou lençol freático, aumentando a água do escoamento, formando-se nascente tecnogênica (criada por nós). Se o centro de Minas estivesse em processo epirogênico, e as rochas fossem pouco resistentes, teríamos processo erosivo ilimitado como o do Grand Canyon (imagem do dia), mas não existem tal processo nem rochas brandas espessas; então as voçorocas param no limite físico do substrato forte.
Imagem do dia: Voçoroca em Itabirito em extinção e nascente tecnogênica quase extinta por sua própria ação. Grand Canyon com processo erosivo ativo nas cabeceiras

                        O que ocorre então? Iniciado o processo, cresce a velocidade da enxurrada que vem de cima, e aumenta a vazão da nascente; quantidades crescentes de solo são arrastadas pelas águas, processo que se atenua na estação seca, e é retomado com as chuvas. Por que diminui com o tempo a velocidade do processo? Porque a quantidade de solo que mantém a nascente diminui com o tempo por ser ele fator da sustentabilidade não renovável, de modo que o que já saiu não é reposto. Em consequência as cavidades erodidas, com formato de conchas, começam a estabilizar-se (voçoroca em Itabirito), e surge vegetação apoiada em menor espessura de solo remanescente, menos exuberante que a anterior.
Essa cavidade sobreviverá por milênios porque o processo está extinto; a nascente tecnogênica passa a intermitente até ser substituída por enxurradas de precipitações sazonais; o regime dos rios que elas alimentam torna-se irregular, com vazões de cheias excepcionais e vazões de base cada vez menores, até chegar o tempo dos chamados rios temporários lá embaixo.
Por esta razão chamo as nascentes das voçorocas de suicidas porque em seu trânsito arrastando solo acabam ficando sem reservatório que controlava suas águas. Olhando, quem se tenha acostumado a observar imagens do Google Earth, verá de imediato que em Cachoeira do Campo metade ou mais das voçorocas está extinta, embora algumas reativadas, diferentemente de Naque, à margem esquerda do rio Doce entre Ipatinga e Governador Valadares, onde quase todas se extinguiram. Vê-se bem que a paisagem de Naque é a de Cachoeira no futuro. É este caso de desastre territorial, atingindo centenas de quilômetros a jusante, assoreando rios e reservatórios, não mero impacto ambiental localizado e passageiro como um soluço da terra. Há tratamento? Há, mas requer que a lei não interfira no trabalho de quem estudou a questão. Afinal, as “nascentes”, enquanto não morrem por suas próprias mãos, matam territórios já tendo levado bilhões de metros cúbicos para os leitos dos rios vagarosos, para os reservatórios e para o mar. Afinal, a ANA não cuida disso, pelo menos para alertar o Congresso?
Belo Horizonte, 24 de novembro de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho

Engenheiro Geólogo

O risco geológico e os princípios de gestão

O RISCO GEOLÓGICO E OS PRINCÍPIOS DE GESTÃO

                                                           GC 414 O risco e os princípios de gestão
Conceito e aspectos gerais: Conceitua-se o risco geológico como expectativa de danos ou perdas materiais ou humanas consequentes à ocorrência de processos ou eventos geológicos, naturais ou ativados por intervenção antrópica. Os eventos naturais podem ocorrer sob distintas formas. As teoricamente possíveis, exceto catástrofes cósmicas, podem ser:
·       Acidentes da geodinâmica interna, como vulcões e terremotos.
·       Acidentes da dinâmica externa, como deslizamentos, inundações, abatimentos em áreas cársticas; acidentes de obras vinculados ao desconhecimento da natureza geológica e do seu comportamento; processos de erosão e assoreamento como os movimentados pelas terríveis nascentes associadas a voçorocas. Estes, diferentemente dos acidentes da dinâmica interna, podem ser induzidos ou evitados pelo Homem.
Não obstante se possa falar de cada modalidade de risco individualmente, cada uma pode estar associada a outras por vínculos intermodais mais ou menos claros. O trinômio erosão – assoreamento – inundações pode começar pela erosão e ter nos demais efeitos colaterais. Com efeito, a inundação pode ser causada em parte pelo assoreamento, mas também pelo bloqueio à infiltração nas áreas urbanizadas ou pela redução da capacidade de armazenamento dos terrenos erodidos, devendo ser lembrado que o solo, mais importante fator geológico da sustentabilidade, deve ser  considerado o que de fato é, irrecuperável, ou não renovável, para todos os efeitos práticos. A erosão potencializa duplamente as inundações a jusante. Uma vez provocadas remotamente por erosões, as enchentes que provocam inundações podem também provocar erosões nas barrancas dos cursos d’água, e assoreamento mais a jusante[1].
Apenas com o objetivo de antecipar reflexões com o sentido de gestão, chama-se atenção para a necessidade de distinguir fatores de causas. Por exemplo: A erosão em cabeceiras é fator importante para o processo de assoreamento, porque ela cria uma condição básica para esse processo, qual seja a geração de material cuja acumulação ao longo dos cursos d’água constitui o assoreamento; a causa final do assoreamento, contudo, é a incapacidade de o curso d’água promover a remoção do material aportado ao local considerado em velocidade equivalente à da chegada. Essa incapacidade pode ser natural (por exemplo a falta de declividade natural do leito) ou artificial, por exemplo resultante da construção de uma barragem, criando um reservatório.
Análises de risco: Consideram-se inerentes ao conceito de risco a probabilidade de ocorrência de evento ou processo, e a intensidade do dano associado. Para uma mesma modalidade de risco, probabilidades podem ser altas e danos baixos e vice-versa. Alguns autores (ex. Augusto Filho et all., 1.990)  têm proposto resolver a questão da classificação da intensidade ou grau do risco mediante a consideração de que o risco R pode ser avaliado por equação do tipo R = P x D, onde P é a Probabilidade da ocorrência de evento ou processo (consequente ou não ao impacto de determinada intervenção) e D o Dano consequente. O desenvolvimento desta questão escapa ao objetivo no momento, assim como sobre o sequenciamento dos estudos de risco, aqui apenas citados com seus conceitos básicos:
·       Previsão: Reconhecimento de possibilidades com base em conhecimento geral.
·       Predição: Estabelecimento do potencial formalmente quantificado por análise de risco, terminando por uma declaração concreta.
·       Prevenção: Estabelecimento de medidas preventivas através de intervenções físicas ou de ordenamentos apropriados. Podem ser obras de contenção destinadas a evitar deslizamentos, ou medidas do tipo ordenamento territorial, proibindo a urbanização em áreas expostas ao risco.
·        Controle: Conjunto de medidas que objetivem reduzir ou atenuar as perdas materiais e pessoais através de assistência e socorro  como são comuns as preparadas por órgãos de defesa civil.

Para concluir este ponto sobre a gestão do risco convém estabelecer posições naturais das categorias de atores que dela participam:
Poder público: Posição de maior responsabilidade por ser a categoria que cobre a questão idealmente dos pontos de vista conceitual e da geografia do risco. É responsável pela educação instrumentalizante da população, categoria  atingida, que levanta previsões, bem ou mal fundamentadas. O conhecimento geográfico faz do poder público o responsável pelo nivelamento das ações com base no princípio do vaso fechado (diz tal princípio que se se restringe a ocupação de dada área pela presença de fatores de risco, deve-se estar ciente de que áreas alternativas serão buscadas, eventualmente com risco maior, mas de modalidade menos visível). Há exemplo fácil de compreender: Áreas cársticas são frequentemente mais rejeitadas pelo poder público face ao risco de abatimentos que encostas de estabilidade aparente ou duvidosa; entretanto não há registro de perdas de vidas humanas em abatimentos cársticos no Brasil, enquanto há quantidade imensa de registros nas encostas de alta declividade, que se contam às dezenas de milhares se recuarmos um século na contagem.
Empreendedor: Gera o produto moradia. Na gestão do risco tem sobre os demais a vantagem da convivência continuada com o objeto especial da gestão, no caso a área que lhe pertença. É o que opta, orientado por tendências do mercado, pelo padrão e modelo de assentamento, embora devendo obediência à legislação geral e local. Em tese é o ator que pode deixar de adquirir um terreno quando, por sua experiência, não estiver de acordo com o modelo de assentamento vigente para a área;
Técnico, pesquisador, consultor: Ator de maior responsabilidade no processo de criação do desenvolvimento científico e tecnológico. Se estiver no poder público atuante na área deverá estar sempre reavaliando os procedimentos estabelecidos. Como consultor, tem o dever incompartilhável de usar os casos em que atue como objetos de avanço do conhecimento, mesmo diante de resistências naturais do agente público, que tem a dificílima missão de ser a um tempo guardião da lei na sua letra, mas permanente perscrutador das sutilezas de seus significados e fundamentos;
Proprietário, morador, usuário: Tem direitos perante os demais atores, mas também o dever perante familiares e a sociedade, de buscar informações para fazer a boa escolha e promover o bom uso do imóvel, e o de não esconder deficiências que descubra durante esse uso. 

Cartografia do risco: Intervenções antrópicas costumam potencializar ocorrências previsíveis, ou torná-las menos prováveis. Não é, portanto, a rigor, cartografável a inteira caracterização do risco relacionado a processos que dependam de deflagração antrópica em suas distintas modalidades, intensidades e muito menos em suas distintas dinâmicas, porque ações deflagradoras podem variar muito em intensidade, natureza e nos cuidados que possam ou não acompanhá-las. São, entretanto, cartografáveis potenciais inerentes à constituição geológica dos terrenos, a partir dos seus fatores predisponentes, e a geografia das áreas expostas a processos ou eventos originados alhures.

Conclui-se do exposto que será o mapa de risco, instrumento de apoio à Gestão regional, um mapa indicador de predisposição, aviso fundamentado de possibilidades realizáveis. Não é recomendável ir além do referido conteúdo em documentos de orientação geral à Gestão, porque isto transmitiria, mediante mecanismos psicológicos de geração de confiança, uma falsa expectativa de que ela, a Gestão, tem tudo sob controle, quando o nível de conhecimento fatual proporcionado pelas escalas próprias com que ela trabalha não permitem passar em regra da generalidade, o que já é muito bom, quando bem feito. Além desse ponto haverá de ir a Gestão na avaliação do risco a que estará submetido empreendimento em estudo, para o qual o mapa oferece um pano de fundo que em geral o empreendimento isolado não tem como produzir.
Na solução que aqui se recomenda a informação sobre o risco não é artificialmente quantificada, o que tenderia a fazer dela declaração vazia, exigência de fé. Ao contrário, a informação, podendo comportar aperfeiçoamentos cartográficos, é apresentada de modo a vincular as modalidades e onde possível a intensidade do risco aos fatores geológicos presentes e determinantes dessas modalidades e intensidade, sempre sem perder de vista o usuário as modalidades de solicitações que o empreendedor tiver em mente.
A cartografia do risco geológico deve sempre evitar geração de desenho autônomo, cartograficamente, que substitua ou esconda as fronteiras geológicas que a escala comporte, porque esta solução corta vínculos essenciais entre modalidade e intensidade do risco e características essenciais das entidades geológicas a que ele está associado. 
É importante o que segue: o conceito de risco é abstrato enquanto não for percebido como possibilidade real. Antes da catástrofe do Índico no natal de 2004, ninguém que pudesse decidir em nome da Gestão pensava na possibilidade de tamanho acidente. Se entretanto houvesse quem pensasse e pudesse agir em nome da Gestão, esse alguém teria incluído nas ordenações urbanísticas declaração de não urbanizáveis para todas as áreas situadas abaixo da cota 20, por exemplo, e com esta simples, mas politicamente quase impraticável medida, poderia ter salvo 200.000 pessoas. 
Na cartografia do risco devem ser observadas questões de lógica pura. Áreas litorâneas do Indico e Pacífico devem ser consideradas em risco de posição em relação aos tsunamis para altitudes da ordem de 20 metros acima da maré alta. Áreas situadas em regiões vulcânicas devem ser consideradas de risco, se não para vedar a ocupação, pelo menos para o controle dos efeitos. Áreas ribeirinhas são áreas de risco e assim devem ser tratadas pela Gestão conforme a posição ao longo do curso.
Imagem do dia: Convergência de três episódios de efetivação de riscos geológicos em épocas diferentes, comentados no texto.

Finalmente, mas não menos importante: A imagem do dia acima mostra a região da foz do Santo Antônio (quem não tenha a imagem aponte em seu computador para Naque-MG no Google Earth, por exemplo). Verá o Santo Antônio sensivelmente assoreado (abundante areia branca nas faixas marginais). Verá o rio Doce atingido por fenômeno recente transportando lama originada do acidente da mina da SAMARCO.
 São casos de efetivação do risco nas modalidades erosão regional na bacia do Santo Antônio e acidente de obra em Mariana. Não é só. Preste atenção o leitor à morfologia das colinas à volta de Naque: Verá que muitas delas têm formato côncavo em vez de convexo. Esse formato côncavo é semelhante ao de colinas de Cachoeira do Campo, a diferença estando em pormenores dos solos locais do Complexo de Bação e das rochas de complexos semelhantes do vale do rio Doce. Onde o interesse maior da lição? Uma área passou há tempos por processo semelhante ao de Cachoeira, não compreendido, e portanto não contido; as nascentes, no entorno de Naque, por serem nascentes suicidas, extinguiram-se depois de levarem para o mar o solo local, seu aconchegante reservatório, assim como estão as de Cachoeira caminanhando para o mesmo fim, agora não por falta de compreensão da população atual mas por culpa da legislação que fere de morte a terra afastando dela os especialistas que poderiam, quais médicos do sistema geológico, interromper o processo destrutivo e reabilitar onde possível o território destruído.


Belo Horizonte, 17 de novembro de 2016.

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


[1] Forma extremamente eficaz de provocar inundações é o bloqueio à infiltração promovido pelas cidades atuais ao qual se soma a transferência do reservatório geológico através do transporte do bota-fora para área distante de onde é escavado.

Ibéria equipada

Ibéria equipada
                                               GC 413 Ibéria equipada        
Inicio às 3 h de 28/10/2016 da rua Cecílio Sousa, bairro Alto, Lisboa, depois de experimentar, desde 17/10, noites seguidas em Lisboa, Porto, Elvas, Sevilha, o que chamaria silêncio noturno absoluto, de cuja existência já me havia esquecido em Belo Horizonte. Além das teclas ruidosas, ouço a própria respiração. Vem-me fome diabética, repentina, e busco um pão, na mesa da cozinha ao lado, olhando fachadas da viela ao fundo, que desce do bairro Alto para as bandas da marginal do Tejo. Ao tomar o saquinho para tirar o pão, ferem-se-me os ouvidos com o ruído da manipulação do papel seco. Não sei contrastar silêncio com ruído como professor de biologia contemporâneo meu aí pelos anos 80. Então falo de outras coisas dessa península Ibérica transformada nos últimos 38 anos no aeroporto de Lisboa, e seu metro, na Vasco da Gama e nas pontes do Porto, nas autoestradas, casas brancas do Alentejo e Andaluzia, pintadas de novo. O geólogo quer falar da geologia que as sustenta e das estradas que as ligam, não em linguagem técnica, mas circunstancial. Evita falar sobre a estabilização da muralha Fernandina no Porto, terra de arquitetos, geólogos e engenheiros que a construíram e que lhe dão manutenção, fala um pouco das autoestradas e dos seixos rolados de Sevilha, que, mesmo com base em fotos de baixa qualidade, como as tomadas do táxi que não pôde parar junto à muralha, impressionam por toda a cidade pela quantidade e pelo fim a que foram aplicadas.
Imagens do dia: Aplicação de seixos rolados na muralha em sua parte mais antiga, em piso do pátio do edifício da reunião Ibero-Americana (século XIX) e em piso de chuveiro (atual).

 Os seixos da muralha estão no trecho que autores dizem ser “feito de barro com madeira” (?). Na praça de Espanha, o edifício de 1928 que marca a Conferência Iberoamericana, tem o grande pátio extensamente recoberto por seixos claros possivelmente de quartzo leitoso bem rolados, lisos, elipsoidais, e seixos negros de rochas máficas, de minerais de habitus prismático, em desenhos bem concebidos. Um piso de chuveiro na casa da rua Castellar (e não Castelar, também existente, para confusão entre passageiro e taxista), bairro Macarena, de seixos rejuntados com cimento como os das ruas, com as saliências naturais evitando escorregamento e quedas, exatamente como no chuveiro. Finalmente uma camada fina de areia solta de grãos rolados, também lisos como os seixos, à volta dos brinquedos do parque, para evitar que se machuquem nas frequentes quedas as crianças que os usam (diferentes do piso que vi no jardim da praça à frente da igreja do Carmo, na cidade do Porto, de cor róseo-clara e consistência superficial almofadada, lembrando a da cortiça). O uso do barro e dos seixos, da Muralha às paredes das casas de Andaluzia e Alentejo (dizem outros viajantes nos sítios de consulta) constituem característica cultural herdada dos mouros.
A quantidade geologicamente surpreendente desses materiais colocados em obras diversas por centenas de anos, mostra que precocemente acharam usos para eles. Na muralha usou-se o material integralmente; no chuveiro e pisos viários passaram, suponho, o material em peneira grossa, e para o parque das crianças em duas, uma perto de 1 cm  e outra de 3 a 4 mm. Aproveitaram o material passado entre elas para fazer a camada de material liso, bem rolado, para proteger as crianças de arranhões nas quedas frequentes. Uma visão integral de sustentabilidade, desde priscas eras.
Que resta dizer? A quantidade do material parece colossal, embora dele no campo eu tenha visto, do carro em movimento, só as rochas do seu substrato nos desmontes a fogo das estradas, e blocos de mão de rochas claras cuidadosamente postos a mão intensamente na Lisboa-Porto e com mais parcimônia na Andaluzia, para controle de processo erosivo; nas passagens das rodovias nenhum sinal de terraços de seixos rolados, certamente distantes da pista de rolamento, elevada em relação às faixas aluvionares de cursos d’água (ribeiras) a exemplo das existentes entre Beja e Lisboa. O projeto geométrico nessas passagens é sempre arrojado, o que pode ter conduzido a custos construtivos elevados, talvez contando-se com ganhos de funcionalidade e segurança, embora o trânsito de pesados seja muito mais escasso que em nossas rodovias. Assim os jazimentos dos seixos de Sevilha não são vistos, mas estarão por lá. Geólogos naturais, cartagineses, romanos, mouros, tê-los-ão encontrado e proposto seu uso numa visão precoce de sustentabilidade.
De significado para a correlação entre a base física e o uso do solo rural, não há como deixar de perceber a invasão do eucalipto sobre os pinheirais, talvez reduzindo, se fosse o caso, o entusiasmo de Antônio Nobre ao descrevê-los (“Os meus cabelos são os pinheirais sombrios e veias do meu corpo os azulados rios”). São notáveis para quem acaba de fazer um vol d’oiseau rodoviário, com responsabilidade secundária de navegador, as presenças fortes dos sobreiros e oliveiras, além, naturalmente, dos magníficos vinhedos. Com forte presença na Faixa Piritosa (?) entre Sevilha e Beja, a mão humana fazendo longos cercados de pedra, contendo gado (bois, cabras, carneiros) e porcos cinza-negros, imensos, matéria prima de famoso presunto. Às vezes, aparentemente perdida a finalidade do cercado com os muros desfazendo-se, a impressão de que uma função adicional deles era remover o pedregulho grosso do terreno de plantio.
Temperaturas muito altas para a estação, até no Porto, que dispensou umas luvas antigas. Pouca água nas citadas ribeiras. Os 30o da morna Sevilha e os quase tantos nas duas passagens por Lisboa surpreenderam-me. O silêncio e a boa cozinha, esta sem surpresa, com o vinho bom de sempre, a preços inacreditáveis, no nível de qualidade que percebo, cativaram-me.
Não deixe, leitor, de visitar o magnífico Museu Geológico, que devemos a gerações de portugueses, onde vi belos exemplares de Minas e de outros estados nossos.

Belo Horizonte, 04 de outubro de 2016.

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

20 de janeiro de 2017

Repto e consequências

REPTO E CONSEQUÊNCIAS
GC 412 Repto e consequências

       O repto requer demonstração do que fazer quanto ao objeto. A demonstração começa nas imagens do dia, uma de poucas infelizmente existentes, em parte pelas razões expostas na GC 411 O repto do geólogo.


O caso começa por volta de 1988 quando a Pró-Reitoria de Planejamento e a Prefeitura da UFMG solicitaram  ao Instituto de Geociências assistência geológica para resolver problemas de erosão junto ao estacionamento da faculdade de Letras. No prolongamento do auxílio prestado coube-me propor solução para uma voçoroca nascente que descarregava muito solo erodido no estacionamento do Instituto de Ciências Biológicas. Hoje não há mais o estacionamento mas um prédio dessa unidade, permanecendo entretanto obras de contenção que proporcionaram a reabilitação da área de onde vinha o solo erodido.  Mais tarde experimentos adicionais estenderam-se a casos semelhantes de Contagem, Betim e da capital, nesta em trabalho de consultoria geológica à SUDECAP, ocasião em que intervenções corretivas foram feitas nas ruas Flor do Campo, Beira Linha, Coronel Lourival Vasconcelos e Sebastião Menezes, todos coroados de êxito consolidado. O caso do dia é destacado aqui porque encerra não só a reabilitação da profunda ravina e a implantação da Sebastião Menezes no quarteirão antes desocupado, mas também a habilitação da área marginal a ela para a construção de edifícios residenciais, como se vê na última foto acima.
Nas fotos e desenho em ordem de leitura seguem: A profunda ravina; a saída em estreita garganta (verdadeiro presente da natureza para facilitar a solução), o esquema conceitual da reabilitação, seguindo fases da implantação iniciadas pelo dique retentor de gabião revestido por geotêxtil permeável, seguido de exposição dos materiais de enchimento (resíduos de alvenaria e areia de desassoreamento da Pampulha), a rua implantada ao término dos trabalhos e edifícios residenciais em obras em setembro do corrente ano, estes, evidentemente, não integrantes do cuidadoso trabalho de reabilitação.
No desenho, o pormenor que parece um banquinho é o dique colocado na garganta de saída da feição, os materiais de enchimento são representados em traços diagonais; as linhas ponto e traço são as posições anterior e final do lençol freático; as setas curvas indicam os processos de trocas mútuas entre o enchimento e o maciço hospedeiro; o desenho superior é a seção transversal da ravina antes da intervenção corretiva.
Tudo é visível? O mais importante não é visível: trata-se de típica solução enquadrada no princípio das soluções compartilhadas pelo qual dois problemas são solucionados em operação única, o da erosão que existiu por muitos anos, impedindo a implantação da rua e do casario ora em construção, e o dos resíduos tipicamente urbanos, com os problemas associados, que o Brasil não aprendeu a resolver até hoje, em parte porque a lei o impede. A arte da geologia é reconstruir a velha terra. 


Belo Horizonte, 12 de outubro de 2016.

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

O repto do geólogo

O REPTO DO GEÓLOGO
GC 411 O repto do geólogo

Convivo com algumas frentes do campo geológico que se projetam sobre as ciências parcelares da matéria (física, química, biologia) que formam a infraestrutura científica para a superestrutura geológica. Movimentaram-se no país leis de ordenamento territorial no sentido de conferir ao território critérios de gestão adequados à preservação da sustentabilidade natural. É o Código Florestal a principal dessas leis. Não pensaram os membros do poder legiferante que o resultado poderia ser o que vemos, na imagem do dia. Nela vê-se campo de voçorocas em Cachoeira do Campo em 04/05/2016. Em 2002 a imagem é semelhante, mas, para quem tem olhos de ver, ainda menos desenvolvida, mais intensa, com os leitos dos córregos saindo lamacentos das nascentes tecnogênicas. Tratando-se essas formas tecnogênicas de conformações doentias do território, é justificado compará-las com as doenças do corpo humano, em relação às quais que faz a sociedade culta senão chamar o médico?

Imagem do dia: À esquerda pequeno conjunto de voçorocas em Cachoeira do Campo. Isoladamente parece grande, mas em verdade é pequeno diante do campo de voçorocas de que faz parte. Ele é apenas o contido no retângulo amarelo. A imagem é de 04/05/2016. No campo maior veem-se outras grandes voçorocas ativas e outras grandes voçorocas inativas ou em fase de inativação. Somando tudo podemos ter até 60% da área de solo perdido, note o leitor que permanentemente, definitivamente, porque o solo é o principal recurso geológico da sustentabilidade, e não renovável. Destruição territorial determinada por lei, eis a verdade.
Seria de perguntar por que essas feições continuam lá, como chagas territoriais, quando já teriam de estar curadas. Afinal, não fosse a liberdade de intervenção impedida pela Lei, teria ela consolidado o conhecimento empírico nos casos simples e o técnico-científico adequado teria alcançado o cidadão comum, esse mesmo que sabe das variadas doenças do corpo humano e das formas de tratá-las, porque o ato frequente gera exemplos, enquanto sua proibição não gera exemplos.
Desenvolvi forma de reabilitar a voçoroca a partir da reflexão; apliquei-a a uma voçoroca nascente na encosta a montante do que era o estacionamento do ICB, a poucos metros da Reitoria da UFMG (agradeço à Pro Reitoria de Planejamento e Prefeitura da UFMG, por receberem o projeto e aplicarem as intervenções que o integravam em 1989). Voçoroca nascente, seu desenvolvimento não alcançara o lençol freático, inexistindo, por falta de nascente, impedimento legal quanto à intervenção. Fiquei exultante com o resultado, pensando que haveria uma corrida nacional pela inovadora forma de reabilitação. Estava enganado, mas cerca de 5 anos mais tarde, em voçoroca de Contagem, contando com a clarividência da autoridade local, foi implantado o projeto de reabilitação de voçoroca clássica, com a famigerada nascente ao fundo. A intervenção, coroada de êxito, atraiu a atenção do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos de São Paulo, que o publicou em um de seus livros[1]. Mais uma vez pensava que a inovação triunfaria. Estava de novo enganado. Até hoje continua o Brasil assim: Doença do corpo humano? Chame-se o médico. Doença territorial, que teve por consequência o surgimento de nascente? Afaste-se o geólogo!
Vimos há um ano o solo que sai da imagem do dia no leito raso do São Francisco, cuja baixa vazão atual é atribuída à falta de chuvas, mas razão tão forte, senão maior, está na perda de solo levado pelas voçorocas intocáveis por estarem associadas a nascentes, que, diferentemente das naturais, são problemas graves de degradação do solo levando água precocemente ao mar, e com ela o solo, principal fator geológico da sustentabilidade, que guarda a água, sustenta a flora, alimenta a fauna.
Certamente por ignorância parcial minha, da evolução do Código Florestal, considero que não se baseia ele em nada que se poderia chamar de constitutivo, de modo que, embora fácil de compreender seu zoneamento, ele agrupa zonas que deveriam estar separadas, e separa zonas que talvez merecessem estar agrupadas. Em exemplo do primeiro caso, como não separar as margens de um córrego de vazão de base 1 litro/s de um ribeirão de vazão maior que 1.000 l/s, e de um rio de 100.000 l/s? Deixo ao leitor a reflexão que poderá levá-lo à compreensão autônoma, mas digo que o afastamento de um plantio de inhame (p. ex.) além de 30 metros da margem do córrego pode colocar o inhame a exigir irrigação que custe tempo e dinheiro de outra forma desnecessários. Lembro ainda que um dos mais produzidos cereais, o arroz, no Sudeste Asiático, é plantado dentro d’água! Separação que chegou a ser feita ou tolerada é a que deveria ser feita entre Campo e Cidade. Esta é segunda natureza muito especial, construída pelo Homem, podendo ser implantada, dependendo de aspectos físicos e culturais da região, sobre palafitas, flutuantes como em cidades holandesas, ou em ilhas oceânicas artificiais, criadas com a areia do deserto.
Vou ao caso mais absurdo da legislação de ordenamento territorial. Trata-se do conceito de nascente associada a voçoroca até 2.012, e depois da descaracterização dessa modalidade, a manutenção da exigência de delimitação de APP em torno do olho d’água do que seria o centro da nascente. Em qualquer dos casos há de considerar-se aí a existência de foco doentio do terreno local, algo como um furúnculo territorial. Vamos agora a mais uma analogia com o corpo humano: Esse foco territorial doentio é como uma chaga no corpo humano, de maior ou menor gravidade. Quanto a esta, como reage a sociedade culta? Submete o caso ao médico. Quanto ao foco de erosão da voçoroca nascente ou evoluída, a sociedade nada faz por existir ali uma APP. Assim não poderá o profissional aproximar-se da doença territorial para tratá-la, como é chamado a agir o médico no caso da enfermidade humana.
Concluo: Lei impede tratamento oportuno, devido e urgente das feridas territoriais. Isto significa que nas voçorocas, que vemos às centenas de milhares pelo país, a água retorna precocemente ao mar e, não fosse desastre ambiental bastante, ela o faz arrastando milhões de toneladas de terra, que armazenariam em seu local de formação muita água, que faltará, cada vez mais, à vazão de base de rios como o São Francisco, porque o solo, lembrem-se os legisladores, é recurso natural não renovável (e que, pasmemos juntos, no fundo de um rio, de uma represa, ou do pantanal, ele toma o lugar da água). Um dia ele acaba e sem ele a chuva escoa instantaneamente, muitas vezes sendo esta e não a escassez de chuva a principal explicação de rios secos.
Falamos, portanto, de lei claramente inconstitucional, a merecer a ação das associações científicas da área, com apoio da OAB, CONFEA e CREAs, dos sindicatos profissionais e das instituições de ensino, que veem seus ex-alunos impedidos de exercer ensinamentos que elas lhes proporcionaram para que possam pensar as feridas da Terra. Dano maior ainda pode-se ler em GC 367 Sem exemplos.
Estou certo de que, se provocada oportunamente pela sociedade, a ilustre ministra, com sua notória sensibilidade, socorrerá a terra que a viu nascer, pautando a matéria como ADIN para decisão do STF.

Belo Horizonte, 26 de setembro de 2016.

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Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


[1] CARVALHO, E.T. (2002). Reabilitação de uma boçoroca em Contagem – MG: In: Santos, A.R., Geologia de Engenharia – Conceitos, método e prática, Caso 5, p. 51-55. ABGE/IPT, 222pp. São Paulo, SP.