O RISCO GEOLÓGICO E
OS PRINCÍPIOS DE GESTÃO
GC
414 O risco e os princípios de gestão
Conceito e aspectos gerais: Conceitua-se o risco
geológico como expectativa de danos ou perdas materiais ou humanas consequentes
à ocorrência de processos ou eventos geológicos, naturais ou
ativados por intervenção antrópica. Os eventos naturais podem ocorrer sob
distintas formas. As teoricamente possíveis, exceto catástrofes cósmicas, podem
ser:
· Acidentes da geodinâmica interna,
como vulcões e terremotos.
· Acidentes da dinâmica externa,
como deslizamentos, inundações, abatimentos em áreas cársticas; acidentes de
obras vinculados ao desconhecimento da natureza geológica e do seu
comportamento; processos de erosão e assoreamento como os movimentados pelas terríveis
nascentes associadas a voçorocas. Estes, diferentemente dos acidentes da
dinâmica interna, podem ser induzidos ou evitados pelo Homem.
Não
obstante se possa falar de cada modalidade de risco individualmente, cada uma pode
estar associada a outras por vínculos intermodais mais ou menos claros. O trinômio
erosão – assoreamento – inundações pode começar pela erosão e ter nos demais
efeitos colaterais. Com efeito, a inundação pode ser causada em parte pelo
assoreamento, mas também pelo bloqueio à infiltração nas áreas urbanizadas ou
pela redução da capacidade de armazenamento dos terrenos erodidos, devendo ser
lembrado que o solo, mais importante fator geológico da sustentabilidade, deve
ser considerado o que de fato é, irrecuperável, ou não renovável, para todos os efeitos práticos. A erosão potencializa
duplamente as inundações a jusante. Uma vez provocadas remotamente por erosões,
as enchentes que provocam inundações podem também provocar erosões nas
barrancas dos cursos d’água, e assoreamento mais a jusante.
Apenas com o
objetivo de antecipar reflexões com o sentido de gestão, chama-se atenção para
a necessidade de distinguir fatores de causas. Por exemplo: A erosão em
cabeceiras é fator importante para o processo de assoreamento, porque ela cria
uma condição básica para esse processo, qual seja a geração de material cuja
acumulação ao longo dos cursos d’água constitui o assoreamento; a causa final
do assoreamento, contudo, é a incapacidade de o curso d’água promover a remoção
do material aportado ao local considerado em velocidade equivalente à da
chegada. Essa incapacidade pode ser natural (por exemplo a falta de declividade
natural do leito) ou artificial, por exemplo resultante da construção de uma
barragem, criando um reservatório.
Análises
de risco: Consideram-se
inerentes ao conceito de risco a probabilidade de ocorrência de evento ou
processo, e a intensidade do dano associado. Para uma mesma modalidade de
risco, probabilidades podem ser altas e danos baixos e vice-versa. Alguns autores
(ex. Augusto Filho et all., 1.990) têm
proposto resolver a questão da classificação da intensidade ou grau do risco
mediante a consideração de que o risco R pode ser avaliado por equação do tipo
R = P x D, onde P é a Probabilidade da ocorrência de evento ou processo
(consequente ou não ao impacto de determinada intervenção) e D o Dano consequente.
O desenvolvimento desta questão escapa ao objetivo no momento, assim como sobre
o sequenciamento dos estudos de risco, aqui apenas citados com seus conceitos
básicos:
· Previsão:
Reconhecimento de possibilidades com base em conhecimento geral.
· Predição: Estabelecimento do
potencial formalmente quantificado por análise de risco, terminando por uma
declaração concreta.
· Prevenção:
Estabelecimento de medidas preventivas através de intervenções físicas ou de
ordenamentos apropriados. Podem ser obras
de contenção destinadas a evitar deslizamentos, ou medidas do tipo ordenamento territorial, proibindo a
urbanização em áreas expostas ao risco.
· Controle: Conjunto de medidas que
objetivem reduzir ou atenuar as perdas materiais e pessoais através de
assistência e socorro como são comuns as
preparadas por órgãos de defesa civil.
Para concluir este ponto sobre a gestão do
risco convém estabelecer posições naturais das categorias de atores que dela
participam:
Poder público: Posição de maior responsabilidade por ser a
categoria que cobre a questão idealmente dos pontos de vista conceitual e da
geografia do risco. É responsável pela educação instrumentalizante da
população, categoria atingida, que
levanta previsões, bem ou mal fundamentadas. O conhecimento geográfico faz do
poder público o responsável pelo nivelamento das ações com base no princípio do vaso fechado (diz tal
princípio que se se restringe a ocupação de dada área pela presença de fatores
de risco, deve-se estar ciente de que áreas alternativas serão buscadas,
eventualmente com risco maior, mas de modalidade menos visível). Há exemplo
fácil de compreender: Áreas cársticas são frequentemente mais rejeitadas pelo
poder público face ao risco de abatimentos que encostas de estabilidade aparente
ou duvidosa; entretanto não há registro de perdas de vidas humanas em
abatimentos cársticos no Brasil, enquanto há quantidade imensa de registros nas
encostas de alta declividade, que se contam às dezenas de milhares se recuarmos
um século na contagem.
Empreendedor: Gera o produto moradia. Na gestão do risco
tem sobre os demais a vantagem da convivência continuada com o objeto especial
da gestão, no caso a área que lhe pertença. É o que opta, orientado por
tendências do mercado, pelo padrão e modelo de assentamento, embora devendo obediência
à legislação geral e local. Em tese é o ator que pode deixar de adquirir um terreno
quando, por sua experiência, não estiver de acordo com o modelo de assentamento
vigente para a área;
Técnico, pesquisador, consultor: Ator de maior
responsabilidade no processo de criação do desenvolvimento científico e
tecnológico. Se estiver no poder público atuante na área deverá estar sempre
reavaliando os procedimentos estabelecidos. Como consultor, tem o dever
incompartilhável de usar os casos em que atue como objetos de avanço do
conhecimento, mesmo diante de resistências naturais do agente público, que tem
a dificílima missão de ser a um tempo guardião da lei na sua letra, mas
permanente perscrutador das sutilezas de seus significados e fundamentos;
Proprietário, morador,
usuário: Tem
direitos perante os demais atores, mas também o dever perante familiares e a
sociedade, de buscar informações para fazer a boa escolha e promover o bom uso
do imóvel, e o de não esconder deficiências que descubra durante esse uso.
Cartografia do risco:
Intervenções
antrópicas costumam potencializar ocorrências previsíveis, ou torná-las menos
prováveis. Não é, portanto, a rigor, cartografável a inteira caracterização do
risco relacionado a processos que dependam de deflagração antrópica em suas
distintas modalidades, intensidades e muito menos em suas distintas dinâmicas,
porque ações deflagradoras podem variar muito em intensidade, natureza e nos
cuidados que possam ou não acompanhá-las. São, entretanto, cartografáveis
potenciais inerentes à constituição geológica dos terrenos, a partir dos seus
fatores predisponentes, e a geografia das áreas expostas a processos ou eventos
originados alhures.
Conclui-se do exposto que será o mapa de risco,
instrumento de apoio à Gestão regional, um mapa indicador de predisposição,
aviso fundamentado de possibilidades realizáveis. Não é recomendável ir além do
referido conteúdo em documentos de orientação geral à Gestão, porque isto
transmitiria, mediante mecanismos psicológicos de geração de confiança, uma
falsa expectativa de que ela, a Gestão, tem tudo sob controle, quando o nível
de conhecimento fatual proporcionado pelas escalas próprias com que ela
trabalha não permitem passar em regra da generalidade, o que já é muito bom,
quando bem feito. Além desse ponto haverá de ir a Gestão na avaliação do risco
a que estará submetido empreendimento em estudo, para o qual o mapa oferece um
pano de fundo que em geral o empreendimento isolado não tem como produzir.
Na solução que aqui se recomenda a informação
sobre o risco não é artificialmente quantificada, o que tenderia a fazer dela
declaração vazia, exigência de fé. Ao contrário, a informação, podendo
comportar aperfeiçoamentos cartográficos, é apresentada de modo a vincular as
modalidades e onde possível a intensidade do risco aos fatores geológicos
presentes e determinantes dessas modalidades e intensidade, sempre sem perder
de vista o usuário as modalidades de solicitações que o empreendedor tiver em
mente.
A cartografia do risco geológico deve sempre
evitar geração de desenho autônomo, cartograficamente, que substitua ou esconda
as fronteiras geológicas que a escala comporte, porque esta solução corta
vínculos essenciais entre modalidade e intensidade do risco e características
essenciais das entidades geológicas a que ele está associado.
É importante o que segue: o conceito de risco é
abstrato enquanto não for percebido como possibilidade real. Antes da
catástrofe do Índico no natal de 2004, ninguém que pudesse decidir em nome da
Gestão pensava na possibilidade de tamanho acidente. Se entretanto houvesse
quem pensasse e pudesse agir em nome da Gestão, esse alguém teria incluído nas
ordenações urbanísticas declaração de não urbanizáveis para todas as áreas
situadas abaixo da cota 20, por exemplo, e com esta simples, mas politicamente
quase impraticável medida, poderia ter salvo 200.000 pessoas.
Na cartografia do risco devem
ser observadas questões de lógica pura. Áreas litorâneas do Indico e Pacífico
devem ser consideradas em risco de
posição em relação aos tsunamis para altitudes da ordem de 20 metros acima
da maré alta. Áreas situadas em regiões vulcânicas devem ser consideradas de
risco, se não para vedar a ocupação, pelo menos para o controle dos efeitos.
Áreas ribeirinhas são áreas de risco e assim devem ser tratadas pela Gestão
conforme a posição ao longo do curso.
Imagem do dia: Convergência de
três episódios de efetivação de riscos geológicos em épocas diferentes,
comentados no texto.
Finalmente, mas não menos
importante: A imagem do dia acima mostra a região da foz do Santo Antônio (quem
não tenha a imagem aponte em seu computador para Naque-MG no Google Earth, por
exemplo). Verá o Santo Antônio sensivelmente assoreado (abundante areia branca
nas faixas marginais). Verá o rio Doce atingido por fenômeno recente transportando
lama originada do acidente da mina da SAMARCO.
São casos de efetivação do risco nas
modalidades erosão regional na bacia do Santo Antônio e acidente de obra em
Mariana. Não é só. Preste atenção o leitor à morfologia das colinas à volta de
Naque: Verá que muitas delas têm formato côncavo em vez de convexo. Esse
formato côncavo é semelhante ao de colinas de Cachoeira do Campo, a diferença
estando em pormenores dos solos locais do Complexo de Bação e das rochas de
complexos semelhantes do vale do rio Doce. Onde o interesse maior da lição? Uma
área passou há tempos por processo semelhante ao de Cachoeira, não
compreendido, e portanto não contido; as nascentes, no entorno de Naque, por
serem nascentes suicidas, extinguiram-se depois de levarem para o mar o solo
local, seu aconchegante reservatório, assim como estão as de Cachoeira
caminanhando para o mesmo fim, agora não por falta de compreensão da população
atual mas por culpa da legislação que fere de morte a terra afastando dela os especialistas
que poderiam, quais médicos do sistema geológico, interromper o processo
destrutivo e reabilitar onde possível o território destruído.
Belo Horizonte, 17 de
novembro de 2016.
__________________________
Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo