13 de janeiro de 2017

Nascentes Suicidas I


Nascentes suicidas I

Geocentelha 402 Nascentes suicidas

Temos pelas nascentes reverência, a ponto de acharmos todas sagradas. De fato as verdadeiras contam com reservatório geológico próprio, de porosidade capaz de conter água suficiente para atravessar estação seca normal e permeabilidade variável, com oscilações de vazão, influenciando os tempos de esgotamento. Enquanto não esgotadas, dessedentam pessoas e animais; às vezes os cursos d’água a que dão início contribuem para a formação de paisagens excepcionais, como uma Casca Danta. Por outro lado têm “defeito” natural: cursos d’água a que se diz darem nascimento buscam o mar independentemente de, no caminho, estarem demandas a atender.
Tão acostumados ficamos em associar às nascentes e seus cursos a realização de necessidades, que  nem pensamos na hipótese de termos água próxima no subsolo (li certa vez que em país da Ásia pessoas morriam de sede com água potável a escasso meio metro de profundidade). Essa água, quase superficial, em cisternas ou poços escavados, tem, para quem a usa, vantagem sobre a água corrente porque deles só se consome a necessária.
É justo que o Estado tenha pensado em emitir leis disciplinando o uso da água, mas precisava exagerar em platitudes inesgotáveis, metendo-se em áreas da alçada do conhecimento específico, comprometendo a sobrevivência do decantado recurso hídrico?
Vamos a caso lembrado para exemplo. Em encosta íngreme, aos quase 70 anos, não encontrei dificuldade em galgar 200 m, desnível de 60 m até a cabeceira da ravina,  esplêndido exemplar, maravilha geológica esculpida no solo residual do ortognaisse, com pelo menos 15 metros de profundidade na cabeceira subvertical, com paredes de castanho escuro revestidas de microflora a indicar imobilidade de processo finalizado há dezenas de anos, e a surpresa: Nenhum filete de água ao fundo, depois de uma semana de chuvas copiosas, onde voçorocas clássicas, ativas, têm águas barrentas escoando, emissárias que são do solo, principal fator geológico da sustentabilidade, em direção ao rio, e deste ao mar. São, portanto, mais de 15 metros de espessura sem água móvel porque toda ela escorreu na descarga laminar ajudada pelo pisoteio bovino implacável. Um metro abaixo desses o substrato impermeável.
Que representa essa voçoroca? A senilidade, que chegará para todas as demais, porque no território geologicamente instabilizado há 300 anos em Minas, todas as nascentes associadas ao processo erosivo esgotar-se-ão, porque toda água perder-se-á a escoar da nascente suicida que insiste em permanecer no Código Florestal. O componente itinerante do sistema geológico já passou dos dedos do Batista para a cabeça do Cristo e já ouviu Buda em Benares a dizer que “O mar, evaporando-se ao Sol, restitui ao rio suas pequenas ondas perdidas, sob a forma de ligeiras nuvens que gotejarão do alto das montanhas e correrão de novo sem trégua nem repouso”.
No Nascentes suicidas II a solução geológica.

   

Belo Horizonte, 23/02/2016

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo


Nenhum comentário:

Postar um comentário