Nascentes suicidas I
Geocentelha 402 Nascentes suicidas
Temos pelas
nascentes reverência, a ponto de acharmos todas sagradas. De fato as
verdadeiras contam com reservatório geológico próprio, de porosidade capaz de
conter água suficiente para atravessar estação seca normal e permeabilidade
variável, com oscilações de vazão, influenciando os tempos de esgotamento.
Enquanto não esgotadas, dessedentam pessoas e animais; às vezes os cursos
d’água a que dão início contribuem para a formação de paisagens excepcionais,
como uma Casca Danta. Por outro lado têm “defeito” natural: cursos d’água a que
se diz darem nascimento buscam o mar independentemente de, no caminho, estarem demandas
a atender.
Tão acostumados
ficamos em associar às nascentes e seus cursos a realização de necessidades,
que nem pensamos na hipótese de termos
água próxima no subsolo (li certa vez que em país da Ásia pessoas morriam de
sede com água potável a escasso meio metro de profundidade). Essa água, quase
superficial, em cisternas ou poços escavados, tem, para quem a usa, vantagem
sobre a água corrente porque deles só se consome a necessária.
É justo que o
Estado tenha pensado em emitir leis disciplinando o uso da água, mas precisava
exagerar em platitudes inesgotáveis, metendo-se em áreas da alçada do
conhecimento específico, comprometendo a sobrevivência do decantado recurso
hídrico?
Vamos a caso
lembrado para exemplo. Em encosta íngreme, aos quase 70 anos, não encontrei
dificuldade em galgar 200 m, desnível de 60 m até a cabeceira da ravina, esplêndido exemplar, maravilha geológica
esculpida no solo residual do ortognaisse, com pelo menos 15 metros de
profundidade na cabeceira subvertical, com paredes de castanho escuro revestidas
de microflora a indicar imobilidade de processo finalizado há dezenas de anos,
e a surpresa: Nenhum filete de água ao fundo, depois de uma semana de chuvas
copiosas, onde voçorocas clássicas, ativas, têm águas barrentas escoando,
emissárias que são do solo, principal fator geológico da sustentabilidade, em
direção ao rio, e deste ao mar. São, portanto, mais de 15 metros de espessura
sem água móvel porque toda ela escorreu na descarga laminar ajudada pelo
pisoteio bovino implacável. Um metro abaixo desses o substrato impermeável.
Que representa
essa voçoroca? A senilidade, que chegará para todas as demais, porque no
território geologicamente instabilizado há 300 anos em Minas, todas as
nascentes associadas ao processo erosivo esgotar-se-ão, porque toda água perder-se-á
a escoar da nascente suicida que insiste em permanecer no Código Florestal. O
componente itinerante do sistema geológico já passou dos dedos do Batista para
a cabeça do Cristo e já ouviu Buda em Benares a dizer que “O mar, evaporando-se ao Sol, restitui ao rio
suas pequenas ondas perdidas, sob a forma de ligeiras nuvens que gotejarão do
alto das montanhas e correrão de novo sem trégua nem repouso”.
No Nascentes suicidas II a solução
geológica.
Belo Horizonte, 23/02/2016
Edézio Teixeira de
Carvalho
Engenheiro Geólogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário