Nascentes suicidas II
Geocentelha 403
Nascentes suicidas
Os cursos d’água a que dão
origem as nascentes são os principais emissários da água que retorna ao mar
levando solo erodido. Há outros emissários como os ventos dos desertos e águas
das geleiras. Falamos aqui dos territórios desequilibrados pelos elementos
climáticos. A escultura do Grand Canyon
provocada por ascensão epirogênica não está incluída. Dentre os primeiros
destacam-se nascentes surgidas das voçorocas, erosões ravinosas profundas que, em
períodos de atividade intensa, arrastam
caminhões de terra (para dizer muita terra).
Figura 1: Voçorocas da região de Cachoeira do Campo (2006 e 2015) em fase avançada
de evolução, quase esgotando-se por falta do material que elas mesmas
removeram.
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Acima voçorocas de 2006 (esquerda) e de 2015. Estão agrupadas em posição de
estereoscopia à vista desarmada. É possível notar que estão próximas da
estabilidade, as mais antigas (da direita), quase já na senilidade. Observando qualquer dos quadros,
pode-se imaginar ciclo anual de variações sazonais, e nele ver-se-á que no tempo chuvoso água chega suja
ao talvegue, assim às vezes permanecendo por longos dias de passadas as chuvas,
por isso mesmo havendo córregos sujos
e ribeirões vermelhos. Terminado o
primeiro ciclo, o segundo retoma os valores do primeiro (dois anos por hipótese
idênticos em pluviosidade), de vazões, carga sólida, etc. Estaremos certos,
admitindo que a propriedade sustentabilidade,
inerente ao sistema geológico quanto a recursos
hídricos não varia com oscilações sazonais? Não estamos, porque, no segundo
ano, observando a vazão descarregada no mesmo dia do ano anterior, medida com
suficiente precisão, não teremos vazão igual, mas maior que no ano anterior porque
no ano anterior tínhamos mais solo
com a mesma porosidade e portanto com mais
espaço poroso para reter água. Então, por menor que seja a diferença de ano para
ano, no seguinte temos menos água
retida.
Figura 2: helicoidal
ascendente em que z representa a vazão precocemente perdida ano após ano.
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Mais uma vez, por que? Porque a água
voltou direitinho, por ser recurso natural renovável,
mas o solo que foi, foi de vez, e porque no curto espaço de um ano, ele não é
reposto pelo processo geológico de formação de solo novo, recurso não renovável que é. O modelo
geométrico da sustentabilidade para o
ciclo acima não é um círculo
(horizontal, e portanto de cota constante ao longo dos ciclos anuais, que
caracterizasse a sustentabilidade hídrica como invariante no tempo), mas arco anual de uma helicoidal, portanto como a rosca de um parafuso cilíndrico, exatamente
como o desenho acima.
Visto o desenho, não há pensar de
forma diferente: O modelo helicoidal mostra que, chova mais ou menos ano a ano,
não deixará ano a ano o solo de escapar da cavidade que se vai formando, movido
pelos torneirões abertos da torrente descontrolada, descer pelo córrego Sujo e pelo ribeirão Vermelho. Junto com a água que se
despede precocemente de nós, ainda que prometendo retornar, mas levando em definitivo o solo, vê-se este a entupir
as veias da bacia de um pobre São Francisco. Urge, pois, agir também
precocemente promovendo a retenção do
solo das voçorocas novíssimas, antes mesmo que nelas surja inocente e sagrada
nascente. Urge também a reposição do
solo perdido definitivamente, em termos naturais, para recuperar a capacidade
de armazenamento e portanto a sustentabilidade
hídrica naquelas conchas que não guardam água, esvaziadas e secadas pela
nascente que se suicidou.
Sei fazê-lo na retenção e na
reposição, e não precisarei ensinar ao povo brasileiro intervenção tão
evidentemente necessária e tão singela como se pode ver no método geológico!
Por outro lado não se admita também, e isto vale para meus netos, a
professorinha, e o senador, não desenvolverem no tempo certo, ou ainda que
tardio, a percepção da evidência de que, sendo o solo, em termos práticos,
recurso fundamental da sustentabilidade, não renovável, dessa sustentabilidade
tão decantada, não há como mantê-la invariante no tempo, e crescente no tempo,
sem as providências acima recomendadas, para que seja evitado o suicídio certo
das nascentes novas, e para que façamos ressuscitarem as perdidas.
Afinal, país inteiro que não percebe o
surgimento de desequilíbrio geológico aparentemente pequeno em cada exemplar,
mas que se repete aos milhares, nem sua consequência jogando fora o solo e
entupindo os rios, recebe essa consequência por insistir em “preservar” em sua
lei ambiental maior as nascentes suicidas ou os buracos que já tenham feito.
Seria a conclusão acima como o final
de um soneto, como já foi dito igual ao ferrão do escorpião, não existisse
razão para poucas linhas a mais. Falei acima da dinâmica interna, um
desequilíbrio geológico que a civilização talvez nunca venha a saber controlar
ou modificar, como também não controla eventos endógenos como vulcões,
terremotos, nem mesmo os pontuais geysers.
Entretanto nascente de voçoroca responde a desequilíbrio geológico
provocado direta ou indiretamente pela ação humana. Se nada se fizer para
contê-lo, a natureza nos substituirá, e ele será controlado assim: O ponto de
descarga ou nascente recuará encosta acima; a cavidade formada alargar-se-á com
a perda anual de solo; com o tempo as quantidades de solo anualmente removidas
vão-se reduzindo, até que a borda superior dessa cavidade se aproximará muito
do topo da encosta, deixando ali, no máximo a trilha de um cavalo; a nascente
morrerá, a menos que queiramos chamar nascente a enxurrada comportada das
precipitações sazonais, simultânea com a precipitação.
Como parar o desequilíbrio inicial, e
como reparar o avançado? Este, o da reabilitação da sustentabilidade perdida,
pode ser feito como no Método Geológico, que acompanha este artigo. Quem o
fizer uma vez saberá muito bem conter o desequilíbrio inicial provocado pelas
nascentes novas.
Belo Horizonte, 28/03/2016
Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo
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