13 de janeiro de 2017

Nascentes suicidas II

Nascentes suicidas II

Geocentelha 403 Nascentes suicidas

   Os cursos d’água a que dão origem as nascentes são os principais emissários da água que retorna ao mar levando solo erodido. Há outros emissários como os ventos dos desertos e águas das geleiras. Falamos aqui dos territórios desequilibrados pelos elementos climáticos. A escultura do Grand Canyon provocada por ascensão epirogênica não está incluída. Dentre os primeiros destacam-se nascentes surgidas das voçorocas, erosões ravinosas profundas que, em períodos de atividade  intensa, arrastam caminhões de terra (para dizer muita terra).

Figura 1: Voçorocas da região de Cachoeira do Campo (2006 e 2015) em fase avançada de evolução, quase esgotando-se por falta do material que elas mesmas removeram.

   Acima voçorocas de 2006 (esquerda) e de 2015. Estão agrupadas em posição de estereoscopia à vista desarmada. É possível notar que estão próximas da estabilidade, as mais antigas (da direita), quase já na senilidade. Observando qualquer dos quadros, pode-se imaginar ciclo anual de variações sazonais, e nele ver-se-á que no tempo chuvoso água chega suja ao talvegue, assim às vezes permanecendo por longos dias de passadas as chuvas, por isso mesmo havendo córregos sujos e ribeirões vermelhos. Terminado o primeiro ciclo, o segundo retoma os valores do primeiro (dois anos por hipótese idênticos em pluviosidade), de vazões, carga sólida, etc. Estaremos certos, admitindo que a propriedade sustentabilidade, inerente ao sistema geológico quanto a recursos hídricos não varia com oscilações sazonais? Não estamos, porque, no segundo ano, observando a vazão descarregada no mesmo dia do ano anterior, medida com suficiente precisão, não teremos vazão igual, mas maior que no ano anterior porque no ano anterior tínhamos mais solo com a mesma porosidade e portanto com mais espaço poroso para reter água. Então, por menor que seja a diferença de ano para ano, no seguinte temos menos água retida.

Figura 2: helicoidal ascendente em que z representa a vazão precocemente perdida ano após ano.

Mais uma vez, por que? Porque a água voltou direitinho, por ser recurso natural renovável, mas o solo que foi, foi de vez, e porque no curto espaço de um ano, ele não é reposto pelo processo geológico de formação de solo novo, recurso não renovável que é. O modelo geométrico da sustentabilidade para o ciclo acima não é um círculo (horizontal, e portanto de cota constante ao longo dos ciclos anuais, que caracterizasse a sustentabilidade hídrica como invariante no tempo), mas arco anual de uma helicoidal, portanto como a rosca de um parafuso cilíndrico, exatamente como o desenho acima.
Visto o desenho, não há pensar de forma diferente: O modelo helicoidal mostra que, chova mais ou menos ano a ano, não deixará ano a ano o solo de escapar da cavidade que se vai formando, movido pelos torneirões abertos da torrente descontrolada, descer pelo córrego Sujo e pelo ribeirão Vermelho. Junto com a água que se despede precocemente de nós, ainda que prometendo retornar, mas levando em definitivo o solo, vê-se este a entupir as veias da bacia de um pobre São Francisco. Urge, pois, agir também precocemente promovendo a retenção do solo das voçorocas novíssimas, antes mesmo que nelas surja inocente e sagrada nascente. Urge também a reposição do solo perdido definitivamente, em termos naturais, para recuperar a capacidade de armazenamento e portanto a sustentabilidade hídrica naquelas conchas que não guardam água, esvaziadas e secadas pela nascente que se suicidou.
Sei fazê-lo na retenção e na reposição, e não precisarei ensinar ao povo brasileiro intervenção tão evidentemente necessária e tão singela como se pode ver no método geológico! Por outro lado não se admita também, e isto vale para meus netos, a professorinha, e o senador, não desenvolverem no tempo certo, ou ainda que tardio, a percepção da evidência de que, sendo o solo, em termos práticos, recurso fundamental da sustentabilidade, não renovável, dessa sustentabilidade tão decantada, não há como mantê-la invariante no tempo, e crescente no tempo, sem as providências acima recomendadas, para que seja evitado o suicídio certo das nascentes novas, e para que façamos ressuscitarem as perdidas.
Afinal, país inteiro que não percebe o surgimento de desequilíbrio geológico aparentemente pequeno em cada exemplar, mas que se repete aos milhares, nem sua consequência jogando fora o solo e entupindo os rios, recebe essa consequência por insistir em “preservar” em sua lei ambiental maior as nascentes suicidas ou os buracos que já tenham feito.
Seria a conclusão acima como o final de um soneto, como já foi dito igual ao ferrão do escorpião, não existisse razão para poucas linhas a mais. Falei acima da dinâmica interna, um desequilíbrio geológico que a civilização talvez nunca venha a saber controlar ou modificar, como também não controla eventos endógenos como vulcões, terremotos, nem mesmo os pontuais geysers. Entretanto nascente de voçoroca responde a desequilíbrio geológico provocado direta ou indiretamente pela ação humana. Se nada se fizer para contê-lo, a natureza nos substituirá, e ele será controlado assim: O ponto de descarga ou nascente recuará encosta acima; a cavidade formada alargar-se-á com a perda anual de solo; com o tempo as quantidades de solo anualmente removidas vão-se reduzindo, até que a borda superior dessa cavidade se aproximará muito do topo da encosta, deixando ali, no máximo a trilha de um cavalo; a nascente morrerá, a menos que queiramos chamar nascente a enxurrada comportada das precipitações sazonais, simultânea com a precipitação.
Como parar o desequilíbrio inicial, e como reparar o avançado? Este, o da reabilitação da sustentabilidade perdida, pode ser feito como no Método Geológico, que acompanha este artigo. Quem o fizer uma vez saberá muito bem conter o desequilíbrio inicial provocado pelas nascentes novas.



Belo Horizonte, 28/03/2016

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

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