19 de janeiro de 2017

Desequilíbrios geológicos

DESEQUILÍBRIOS GEOLÓGICOS

GC 407 Desequilíbrios geológicos

No último artigo, GC 406 Contradições inexplicáveis, apresentei declaração associada à comparação que fiz entre um tipo de desequilíbrio geológico, afinal um processo geológico, iniciado por evento singular, qual seja o surgimento de voçoroca no momento em que o enérgico escoamento torrencial rompe a película superficial mais resistente do solo (argiloso) e passa a escoar sobre o subleito siltoso, mais fraco que o superficial, como algo que pode ocorrer no corpo humano após uma fratura. A frase: “Uma voçoroca é exatamente como uma perna quebrada; a ela está associada uma forma telúrica de sangramento, uma nascente que chamo tecnogênica”. Um dos leitores disse ter ficado impactado com a expressão “uma forma telúrica de sangramento”. Fiquei exultante com a reação inteligente do leitor, que mostra ter compreendido a comparação que quis fazer entre a evolução da voçoroca nascente e a evolução do sangramento do acidentado em caso de fratura exposta, grave, sem assistência imediata: O acidentado morrerá de anemia aguda (espero estarem certos prognóstico e causa mortis), e a terra também, esta resistindo por tempo maior à litorragia, porque tem mais material a perder (água e solo, este não substituível na medida da perda anual por ser, em termos práticos, recurso natural não renovável). Quais serão os respectivos espólios? Um cadáver em minutos ou horas depois do acidente e a voçoroca algumas dezenas de anos depois de passar por fase de perda acelerada até que a forma convexa e verdejante passe a uma forma côncava, uma cavidade, com pouco revestimento de solo remanescente e sobre ele cobertura vegetal descontínua e pobre. A água, de tanto levar solo para fora, já vai praticamente sozinha para o mar tão logo chova, sem tempo de gerar solo novo no mais fecundo processo geológico, qual seja o do intemperismo químico, que transforma a estéril rocha no fecundo solo.
Imagem do dia: O vômito ferrífero em Bento Rodrigues.

Por que a insistência na analogia acima? Porque ela pode ser repetida às dezenas ou centenas de eventos ou processos geológicos que podem ser analogicamente comparados com eventos ou processos que se dão ao nível do corpo humano.
Da geodinâmica interna podem ser utilizados para analogias terremotos e vulcões; da externa escorregamentos, subsidências, elevação lenta do lençol freático enquanto a do corpo humano pode oferecer analogias a partir do AVC, crises agudas renais, do fígado e do coração; da dinâmica interna combinada com a externa podem sobrevir analogias como crises do fígado combinadas com manifestações externas como afecções cutâneas.
Vamos ao campo: Em 1985 o Nevado del Ruiz ronca, estrebucha, a terra treme a intervalos; fumaça espes-sa circunda o magnífico capuz de gelo no esplendor do inverno excepcional. Vulcanólogos comentam a situação com engenheiros geotécnicos e outros geólogos. Estes começam a esquadrinhar a terra à volta e fixam-se em Armero, a mais de 50 milhas da cratera encoberta do vulcão. Concluem que em passado recente da história geológica, embora remota para a humana, houve descidas de lama (lahars) gerada por fusão catastrófica do gelo e registros desse movimento estão nas imediações da cidade. Avisam Armero. Teriam sido chamados de catastrofistas e nenhuma providência teria sido tomada. Em questão de mês o vulcão explode e 25.000 dos 28.500 habitantes da cidade morrem soterrados na lama do lahar. Hoje se sabe que o previsível lahar, previsto a tempo, repetiu no ocaso do século 20 o que já tinha feito antes de colocar-se a cidade no lugar errado, um dos erros mais repetidos da humanidade ainda hoje.
Em 1896 um tsunami (consequente a um terremoto comum no Pacífico Norte) mata entre 26.000 e 31.000 habitantes do Japão, onde orla e tsunamis são velhos conhecidos. Em 1960 o terremoto mata 5.000 no Chile, de onde escapa um vagalhão que atravessa o Pacífico e 22 horas depois mata 220 japoneses em aldeia de pescadores, no Japão. No natal de 2004, já todos sabem, o terremoto na ilha de Java gera tsunami que se propaga como um grande leque em direção a Mianmar, Bangla Desh, Índia, Ceilão, Somália, Moçambique, Madagascar, quase todo o Índico ocidental, matando mais de 250.000 (segundo alguns, subcontados).
Em 1910 (o Japão de novo) 15.000 morrem em Sendai, em tsunami que também atingiu a usina nuclear de Fukushima (e talvez por esta razão o impacto imediato local maior do acidente tenha ficado praticamente no anonimato). Em entrevista uma brasileira, com parentes lá, diz que em penhasco na parte atingida pelo tsunami, inscrição do ano 1.000 recomenda não edificar além daquele ponto, o que faz não recomendáveis para residências as orlas do Pacífico e do Índico, fato já reconhecido no ano 1000 (naquele penhasco, colegas geólogos, terá ficado impresso o primeiro mapa de risco geológico da civilização atual!). Outros mares parecem inocentes; todavia o vagalhão que, subindo pelo Tejo, chegou ao Rossio em Lisboa em 1755, talvez com 10 metros de altura, começou no Atlântico. E agora, João Pessoa, Recife, Maceió, Natal, Fortaleza, Aracaju (minha cara Aracaju de meus tempos de Petrobrás em 1971/1973)? Questão de probabilidade, dir-se-á, que não será diferente para Nova Iorque, Salvador, Vitória, Rio, Santos. É verdade.
Em 1985 em Stada, Trento, a barragem de rejeito de uma mina rompe e mata cerca de 270 pessoas, evento em que a humanidade é, ao mesmo tempo, provocadora e atingida, como em Bento Rodrigues (que sugere ao Artista a imagem do dia). A história geral e a história geológica da terra oferecem leituras úteis e disponíveis.
A geografia física de eventos como os citados pode ser como nos Andes, no Índico, no Japão, e pode ser também como na serra fluminense, em que o evento, estritamente da geodinâmica externa, pode ocorrer debaixo dos nossos pés.  
  


Belo Horizonte, 14 de agosto de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho

Engenheiro Geólogo

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