23 de janeiro de 2017

Nascimento e morte da voçoroca

GC 415 Nascimento e morte da voçoroca

            No passado porção centro-ocidental dos Estados Unidos encontrava-se em processo geológico peculiar ─ elevação continental, sem deformações compressivas ou distensivas, tecnicamente chamado epirogênese, cujos efeitos persistem ao longo do rio Colorado. Em consequência a área central mais elevada que a borda continental tem nascentes que correm para o golfo da Califórnia. O Colorado e seus tributários escavam, em formações sedimentares, leitos profundos, o que não aconteceria se não continuasse o soerguimento, que recria desníveis estimulando erosão linear, aprofundamento e alargamento dos leitos. No início a paisagem é feia, mas à medida que se amplia, alarga e ramifica, o porte gigantesco torna o que era feio uma das maiores maravilhas da natureza, o sublime no dizer de Ariano Suassuna em sua Iniciação à Estética.
                           Em Minas Gerais, e em outros pontos do Brasil, em determinadas formações geológicas, concentrações de escoamento pluvial geradas pelo desmatamento, e facilitadas por trilhas, valas divisórias, estradas rurais, começam a escavar os horizontes superficiais argilosos, resistentes ao escoamento, os quais, afinal ultrapassados, ensejam o aprofundamento rápido em solo pouco resistente, que acentua desníveis locais ativando a erosão. No avanço do processo, o fundo da ravina atinge o topo da zona saturada ou lençol freático, aumentando a água do escoamento, formando-se nascente tecnogênica (criada por nós). Se o centro de Minas estivesse em processo epirogênico, e as rochas fossem pouco resistentes, teríamos processo erosivo ilimitado como o do Grand Canyon (imagem do dia), mas não existem tal processo nem rochas brandas espessas; então as voçorocas param no limite físico do substrato forte.
Imagem do dia: Voçoroca em Itabirito em extinção e nascente tecnogênica quase extinta por sua própria ação. Grand Canyon com processo erosivo ativo nas cabeceiras

                        O que ocorre então? Iniciado o processo, cresce a velocidade da enxurrada que vem de cima, e aumenta a vazão da nascente; quantidades crescentes de solo são arrastadas pelas águas, processo que se atenua na estação seca, e é retomado com as chuvas. Por que diminui com o tempo a velocidade do processo? Porque a quantidade de solo que mantém a nascente diminui com o tempo por ser ele fator da sustentabilidade não renovável, de modo que o que já saiu não é reposto. Em consequência as cavidades erodidas, com formato de conchas, começam a estabilizar-se (voçoroca em Itabirito), e surge vegetação apoiada em menor espessura de solo remanescente, menos exuberante que a anterior.
Essa cavidade sobreviverá por milênios porque o processo está extinto; a nascente tecnogênica passa a intermitente até ser substituída por enxurradas de precipitações sazonais; o regime dos rios que elas alimentam torna-se irregular, com vazões de cheias excepcionais e vazões de base cada vez menores, até chegar o tempo dos chamados rios temporários lá embaixo.
Por esta razão chamo as nascentes das voçorocas de suicidas porque em seu trânsito arrastando solo acabam ficando sem reservatório que controlava suas águas. Olhando, quem se tenha acostumado a observar imagens do Google Earth, verá de imediato que em Cachoeira do Campo metade ou mais das voçorocas está extinta, embora algumas reativadas, diferentemente de Naque, à margem esquerda do rio Doce entre Ipatinga e Governador Valadares, onde quase todas se extinguiram. Vê-se bem que a paisagem de Naque é a de Cachoeira no futuro. É este caso de desastre territorial, atingindo centenas de quilômetros a jusante, assoreando rios e reservatórios, não mero impacto ambiental localizado e passageiro como um soluço da terra. Há tratamento? Há, mas requer que a lei não interfira no trabalho de quem estudou a questão. Afinal, as “nascentes”, enquanto não morrem por suas próprias mãos, matam territórios já tendo levado bilhões de metros cúbicos para os leitos dos rios vagarosos, para os reservatórios e para o mar. Afinal, a ANA não cuida disso, pelo menos para alertar o Congresso?
Belo Horizonte, 24 de novembro de 2016.
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Edézio Teixeira de Carvalho

Engenheiro Geólogo

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