GC
415 Nascimento e morte da voçoroca
No passado porção centro-ocidental
dos Estados Unidos encontrava-se em processo geológico peculiar ─ elevação continental,
sem deformações compressivas ou distensivas, tecnicamente chamado epirogênese,
cujos efeitos persistem ao longo do rio Colorado. Em consequência a área central
mais elevada que a borda continental tem nascentes que correm para o golfo da
Califórnia. O Colorado e seus tributários escavam, em formações sedimentares,
leitos profundos, o que não aconteceria se não continuasse o soerguimento, que
recria desníveis estimulando erosão linear, aprofundamento e alargamento dos
leitos. No início a paisagem é feia, mas à medida que se amplia, alarga e
ramifica, o porte gigantesco torna o que era feio uma das maiores maravilhas da
natureza, o sublime no dizer de
Ariano Suassuna em sua Iniciação à Estética.
Em
Minas Gerais, e em outros pontos do Brasil, em determinadas formações
geológicas, concentrações de escoamento pluvial geradas pelo desmatamento, e
facilitadas por trilhas, valas divisórias, estradas rurais, começam a escavar
os horizontes superficiais argilosos, resistentes ao escoamento, os quais,
afinal ultrapassados, ensejam o aprofundamento rápido em solo pouco resistente,
que acentua desníveis locais ativando a erosão. No avanço do processo, o fundo
da ravina atinge o topo da zona saturada ou lençol freático, aumentando a água
do escoamento, formando-se nascente tecnogênica (criada por nós). Se o centro
de Minas estivesse em processo epirogênico, e as rochas fossem pouco
resistentes, teríamos processo erosivo ilimitado como o do Grand Canyon (imagem
do dia), mas não existem tal processo nem rochas brandas espessas; então as
voçorocas param no limite físico do substrato forte.
Imagem do dia: Voçoroca em Itabirito em extinção
e nascente tecnogênica quase extinta por sua própria ação. Grand Canyon com
processo erosivo ativo nas cabeceiras
O
que ocorre então? Iniciado o processo, cresce a velocidade da enxurrada que vem
de cima, e aumenta a vazão da nascente; quantidades crescentes de solo são
arrastadas pelas águas, processo que se atenua na estação seca, e é retomado
com as chuvas. Por que diminui com o tempo a velocidade do processo? Porque a
quantidade de solo que mantém a nascente diminui com o tempo por ser ele fator
da sustentabilidade não renovável,
de modo que o que já saiu não é reposto. Em consequência as cavidades erodidas,
com formato de conchas, começam a estabilizar-se (voçoroca em Itabirito), e
surge vegetação apoiada em menor espessura de solo remanescente, menos
exuberante que a anterior.
Essa
cavidade sobreviverá por milênios porque o processo está extinto; a nascente
tecnogênica passa a intermitente até ser substituída por enxurradas de
precipitações sazonais; o regime dos rios que elas alimentam torna-se irregular,
com vazões de cheias excepcionais e vazões de base cada vez menores, até chegar
o tempo dos chamados rios temporários lá embaixo.
Por
esta razão chamo as nascentes das voçorocas de suicidas porque em seu trânsito
arrastando solo acabam ficando sem reservatório que controlava suas águas. Olhando,
quem se tenha acostumado a observar imagens do Google Earth, verá de imediato
que em Cachoeira do Campo metade ou mais das voçorocas está extinta, embora
algumas reativadas, diferentemente de Naque, à margem esquerda do rio Doce
entre Ipatinga e Governador Valadares, onde quase todas se extinguiram. Vê-se
bem que a paisagem de Naque é a de Cachoeira no futuro. É este caso de desastre territorial, atingindo
centenas de quilômetros a jusante, assoreando rios e reservatórios, não mero
impacto ambiental localizado e passageiro como um soluço da terra. Há
tratamento? Há, mas requer que a lei não interfira no trabalho de quem estudou
a questão. Afinal, as “nascentes”, enquanto não morrem por suas próprias mãos,
matam territórios já tendo levado bilhões de metros cúbicos para os leitos dos
rios vagarosos, para os reservatórios e para o mar. Afinal, a ANA não cuida
disso, pelo menos para alertar o Congresso?
Belo Horizonte, 24 de novembro de
2016.
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Edézio
Teixeira de Carvalho
Engenheiro
Geólogo
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