12 de janeiro de 2017

Geocentelha 399: Mineração

MINERAÇÃO E SEUS PRODUTOS INVISÍVEIS
GC 399 Mineração

   Leio em “Colapso” de Jared Diamond que Montana, belíssimo estado montanhoso dos Estados Unidos, caiu do 10º lugar em PIB per capita entre os estados federados para o 46º. Tornou-se o estado, portanto, dos mais ricos, para posicionar-se entre os mais pobres. Não se atribui a causa exclusivamente à opção por fechar grande parte dos empreendimentos minerais em virtude do altíssimo custo de reabilitação das áreas degradadas pela drenagem ácida e resíduos pesados (cobre, zinco, cádmio), mas também à degradação do solo pelas macieiras que teriam esgotado as reservas naturais de nitrogênio.
   Em Minas Gerais uma das primeiras manifestações contemporâneas  da atividade mineral foi condenada numa única frase atribuída ao político mineiro Artur Bernardes aí pelos anos 20 do século passado: “Minério não dá duas safras”. Daí ao “Minas fica com os buracos” é consequência lógica. Ninguém  poderá negar que justa razão está presente nessas manifestações. Por outro lado a realidade das duas safras ocorreu em Minas sem metáforas do ouro ao ferro em 200 anos de intervalo, entre picos havendo outras safras menos votadas, como a do Nióbio, contemporâneo, a das pedras ornamentais e tantas outras por serem simplesmente diferentes do ouro, do diamante, do ferro, e até dos materiais menos nobres como as areias, os cascalhos, as moinhas de rocha das pedreiras. Pois se nos ficaram buracos, interpretemo-los em suas possibilidades às vezes extraordinárias que não vemos, como nem o poeta maior viu por serem de início supostamente feias... Ainda explorando exposição alheia do citado Jared Diamond, diz ele que os filhos de Montana não ficam mais em Montana. Terá feito o estado a boa troca de uma população reclamando da poluição doméstica para ir viver a de outras atividades em terra alheia? Ou não sabemos mais ou nunca soubemos que o que não se produz aqui, ou terá de ter substitutos ou se produzirá acolá, pelo evidente princípio do vaso fechado?
   E então ocorre lembrar os garbosos cavalos ingleses que emprestaram sua força a comparar com a da locomotiva que os substitui nas ruas de Londres, num dia em que o primeiro desastre urbano debitado ao combustível geológico chamado carvão ou por eles coal tirou a vida a um distraído londrino debitando à mineração sua primeira fatalidade à vista de outros transeuntes que talvez não estivessem muito atentos aos males do grisu que a tantos matou antes que uma pilha de estéril em escorregamento matasse mais de 200, incluindo 64 pequeninos numa escola maternal da mineira aldeia de Aberfan em Gales. Ainda atualmente sabemos das inúmeras perdas humanas em minas de carvão chinesas, das menos frequentes na Europa Oriental e das já quase inexistentes na Ocidental. E a poética Praga, que já sofreu com abatimentos de minas a ela subjacentes? Sofre hoje mais com o furioso Vltava, de que foi tirado o leito maior no século passado na expansão da bela capital.
    Hoje o sofrimento bateu à porta de centenas de famílias em Bento Rodrigues; amanhã muitos mais sofrerão a forma amenizada inversamente proporcional à distância ao foco.
   A mineração é atividade que provoca acidentes diferentes dos associados a outras atividades, como a do simples escolher onde morar, comprar, vender e a das grandes construções viárias (rodo, ferro, hidro).
  No caso da mineração existe circunstância a mais a esconder seus benefícios e a explicitar suas desvantagens: deixa ela rastros indeléveis nas terras mineradas: buracos, montes, crateras, ravinas, barragens, às vezes perigosas, de rejeitos, nascentes e cursos d’água contaminados, lençóis freáticos contaminados também por substâncias nocivas como metais pesados, ácidos e outras.
 É verdade que barragens de rejeitos e sem componentes tóxicos podem constituir importantes aquíferos artificiais, mas isto é invisível ou pode ser, e é justo que se diga, insuficiente para compensar a redução do NA nas cavas muito grandes.
 Por outro lado o aspecto negativo evidente parece ser preservado com zelo pelos inimigos da atividade como a constituírem um libelo contra ela. Como setor econômico, não muito ou nada fez para melhorar a visibilidade dos seus benefícios para a sociedade e para amenizar os impactos negativos com uma atitude menos antipática perante essa sociedade que a rodeia sem saber que está por ali por causa dela.
 Não se vê, por exemplo, uma mineradora demonstrar simpatia pela população que a envolve patrocinando a atividade educativa nas aberturas do sistema geológico dadas como definitivas enquanto perdurar a atividade produtiva, nos domingos, por exemplo. Nem aquela casa que foi a CASA COR mostrando uma calçada de pedras São Tomé com magníficas dendrites nas placas de quartzito chama atenção da população porque não foram agrupadas as pedras com dendrites a chamar a atenção do leigo distraído. Com exceção do pessoal que opera as minas quase mais ninguém tem acesso a pontos do terreno dotados de vistas espetaculares, senão, quando muito por montanhistas e outros praticantes de esportes radicais, quando alguns desses locais, especialmente escolhidos poderiam ser dotados de acessos especiais como por teleféricos, elevadores (falo agora pensando num hipotético elevador ao pé da escarpa final da serra do Curral, por exemplo exibido atrás do hospital existente próximo à praça do Papa (uma versão mineira de outros recursos turísticos vistos em outros pontos do país). Um time de futebol, de vôlei, basquete ou trupe teatral, patrocinado pela mineração também não se vê, assim como um jardim botânico, zoológico, museu. De cada empreendimento mineiro não se vê, por exemplo, ou distraído sou eu, sua participação na reabilitação de áreas degradadas por processos naturais ou pela própria mineração anterior à atual que não tenha tido um PRAD bem concebido e executado na época certa.
   Finalmente a atividade atual verá chegada a hora de fechar as portas e isto é feito pela forma menos dispendiosa possível ou simplesmente não é feito.
  Exemplos de aproveitamento de áreas mineradas? O patrimônio cultural da humanidade em Las Medulas é grande exemplo. O complexo minerário da Serra do Curral, que poderia ser ou tornar-se, contém pelo menos 3 grandes cavas com água (1de formação ferrífera e 2 de dolomito), pilhas de estéril, pelo menos uma grande barragem de rejeito voltada para Nova Lima. Durante a vida útil da minas a céu aberto nunca vi aproximação maior com as cidade de Belo Horizonte e Nova Lima. Na aproximação que poderia ter sido feita seria de incluir a recepção sistemática de excursões estudantis, o acesso a cavas aos domingos e o acesso diário à crista da serra mediante teleféricos e/ou elevadores (estes auto-financiados para o turismo inclusive nos dias úteis).
  Não faz sentido no complexo urbano metropolitano superposto pelo complexo minerário da serra agir com cada mina ou cava individualmente. Um plano deve ser feito para o conjunto todo e isto não excluiria o exemplo de Las Médulas.

Se as cavas forem ficando livres em tempos diversos nada impediria que o plano contivesse etapas de implementação sucessivas.

Fig. 1: Las Médulas, León, Espanha: Área reabilitada que no passado sediou por mais de 2.000 anos mina de ouro do período romano. Atualmente Patrimônio Cultural da Humanidade, com rendimento anual provavelmente maior. Na foto de baixo turistas observam a paisagem.


Fig. 2: Cava de pedreira abandonada em Belo Horizonte em 2009, 2013 e 2015. Uma solução simples para o aproveitamento de área liberada pela atividade mineral removendo duas modalidades de risco existentes previamente ao enchimento com entulho inerte: a primeira modalidade era o evidente risco de quedas e de afogamentos, principalmente de menores, e a segunda a contaminação de nadadores. A esses benefícios soma-se, pelo princípio das soluções compartilhadas, a recepção, evidentemente necessária em Belo Horizonte, dos resíduos urbanos que vão ficando sem lugar e a preparação da área para integrar projeto urbanístico de habitação popular.


Fig. 3: Acima: Vista da escarpa das pedras rubras obtida por street view com uma alusão a um possível elevador panorâmidco a um dos pontos altos da serra do Curral onde se poderia implantar um mirante. Na imagem zenital acima o complexo minerário da serra do Curral entre Belo Horizonte e Nova Lima com pelo menos três grandes cavas, pilhas de estéril, barragem de rejeito e componentes minerários menores.



Fig. 4: No topo capela em mina de sal desativada na Polônia; raia olímpica de remo na USP-SP onde houve antigo porto de areia no rio Pinheiros; Supermercado em cava de pedreira em Santos – SP. 


Considerações finais

   Talvez exagerando em repetições, o Homem é o único componente da natureza capaz de corrigir seus desvios propositadamente, ou de provocar novos desvios. Muito antes de destruir belos acidentes da natureza, o Homem na prática da mineração, buscando transferir as substâncias úteis do lugar errado para o lugar certo, ainda que correndo o risco de mudar para piores os aspectos constitutivos e fenomenológicos da natureza, tem oferecido possibilidades notáveis de mudar para melhores muitos desses aspectos. Procurá-los é outra arte que a própria atividade mineral poderá não fazer sozinha. Então façâmo-las por ela, porque o simples remover da mineração não é solução para nada.

Fig. 5: Dendrites escondidas na dispersão de uma calçada são invisíveis. Agrupadas, lembrando chinesices, ornamentam a calçada, o muro, a fachada e ajudam a instruir geologicamente um povo.


Belo Horizonte, 07 de dezembro de 2015

Edézio Teixeira de Carvalho


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