10 de janeiro de 2017

Geocentelha 397 Rio Doce: Amargo trânsito

Rio Doce: Amargo trânsito1
GC 397 Rio Doce: Amargo trânsito

   Qual rescaldo de gigantesco incêndio, com labaredas saltitantes. Tive em criança contato com formadores do rio Doce: O Carmo, longamente vitimado pelo tratamento de bauxita em Ouro Preto, cantado por nós na arte de Mozart Bicalho, poeta de Furquim. Para mim notório por eventos como o passar da criança ferida que rolara escada abaixo na inauguração da Usina Nova, tão importante que a banda local dera lugar à de Mariana; a criança sobreviveu. O rio tem vivido episódios tristes: Só recentemente vi águas claras, livres da lama de bauxita, embora permanecendo a lama das urbanizações recentes de Ouro Preto e Mariana, responsáveis pelo assoreamento imediato do reservatório da nova PCH, a demonstrar que desastres territoriais brasileiros são diários: Os de tempo chuvoso, ativados pela urbanização e outras atividades territoriais, como os torneirões abertos das voçorocas, levando água e solo, com pulsos periódicos de deslizamentos. O grande evento chega como o de Bento Rodrigues, excepcional, imensamente destrutivo, a abrir-nos os olhos para os que, sem serem grandes assim, chegam a matar até mais, como na Mantiqueira e serra do Mar, em Niterói e como pode ser ainda em pontos vários como na amada Ouro Preto, em Salvador, Recife e outros. O outro ramo conhecido meu da infância é o Gualaxo do Sul, menos exposto ao risco minerário, mas nos anos 50 pontilhado de faiscadores e pescadores com bombas e tarrafas, hoje menos piscoso, que naquele tempo transportava árvores caídas de barrancas e lama, o mais importante fator da sustentabilidade, geologicamente não renovável, do solo arrancado por cascos e arados. Atraía-me ele nas enchentes a ponto de o irmão Antônio ter composto a música “O menino e o rio” que achei bonita e lembra-me que o solo exuberante da bacia, campeão do feijão e milho, escorria entre nossos dedos com inexorável regularidade. As vazões de base ficam menores e as de pico crescem com a perda de solo que pudesse manter a capacidade de armazenamento e infiltração de vazão a longo prazo.                Retomando o grande acidente: O passado, que, de acidentes menores chegou a este, reclama investigação técnica profunda, não só sobre o desempenho das empresas direta e indiretamente envolvidas.
   Além dos processos judiciais inevitáveis deve ser estudada a reabilitação desde a mina até Regência. Grande parte da lama poderá imobilizar-se em Candonga e um pouco nos reservatórios menores.
   Os rios podem ser outros no segundo encontro (já não disse o grego?). É possível fazêlos até melhores. Tenho fé de que podemos, como já demonstrou o grande fotógrafo. Espero que descubramos que os mesmos recursos aplicados para salvar o Doce de seu amargo trânsito sejam também aplicados ao São Francisco que espera também há tanto tempo. Para fazê-lo, entretanto, é preciso compreender a água como componente itinerante do sistema geológico. Do contrário, nada feito.

Edézio Teixeira de Carvalho
Eng.o Geólogo


1 ECO.21 Ano XXV No 228 novembro 2015

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