9 de janeiro de 2017

Sempre amigas?1
 GC393 Nascente e água

   Em termos. Do ponto de vista geológico a nascente é ponto singular no solo, o único ponto comum a duas superfícies curvas, a topográfica e a do lençol freático. Em comparação simples o lençol freático é como a superfície da água numa panela de arroz em repouso com água insuficiente para alcançar a superfície deste. Se inclinamos a panela lentamente, a água escoa para fora, um filete, imitando uma nascente. Em verdade a nascente entrega a água para um percurso subaéreo mais ou menos longo de retorno ao mar. Não é a única forma de retorno, porque em terreno de relevo ondulado, e desmatado, durante as chuvas pesadas, grande parte da água toma esse retorno diretamente pela superfície, reduzindo a infiltração, promovendo erosão e inundações, e deixando de repor o estoque das águas continentais no aquífero superficial e nos mais profundos. Com o uso inadequado do solo, nascentes antrópicas surgem em consequência de erosão linear ao longo de um ou mais sulcos, que vão sendo ampliados em largura e profundidade até alcançar o lençol freático; as vazões ampliam-se, antecipando a descarga do aquífero, na prática o retorno precoce da água ao mar. Que amizade é essa entre nascente e água? Que diferença há entre o desastre ambiental da perda precoce de água e a perda de solo? A diferença é que a água é renovável, enquanto o solo é recurso não renovável e exatamente o controlador da água, de modo que, no ano que vem há menos solo para controlar e mais água para escapar.
A paisagem que vimos do São Francisco há pouco é destino transitório do solo perdido, levado pela água, em si um desastre seguindo o outro, o desfecho inevitável das voçorocas do alto rio das Velhas. Sobre esses desastres colocamos mais um, o pior de todos, a indisposição de promover a reabilitação territorial da qual uma das intervenções essenciais é colocar resíduos inertes, um dos problemas maiores da gestão territorial, no lugar certo, de voçorocas e depressões semelhantes, outro problema maior da gestão, para chegar à solução que os elimina simultaneamente. E agora, no dia da água, que podemos fazer senão refletir sobre as imensas possibilidades de juntar à preservação, que não reabilita, a reabilitação que preserva? Para quem está em Belo Horizonte ou Contagem há alguns pontos reconhecíveis como aquele cantinho do prédio novo do ICB/UFMG, aquele trecho da Sebastião Menezes, da rua Beira Linha, da Flor do Campo no Alvorada, do bairro Piraquara e da vila São Mateus em Contagem de onde voçorocas desapareceram, deixando nascentes e não filetes de águas estagnadas que ostentavam. Pequenos triunfos são pouco para quem observa há 30 anos e age há pouco menos. Devemos resolver de vez se está de fato tudo certo. Por exemplo, no alto rio das Velhas, nas terras geológicas do Complexo de Bação em Ouro Preto e Itabirito, as voçorocas cedem diante das propostas simples de preservação ou exigem mais? 

Belo Horizonte, 07/03/2015
Edézio Teixeira de Carvalho 
Engenheiro Geólogo. 
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1 O Tempo; O.PINIÃO; 4 DE ABRIL DE 2015; p. 15

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