Desastre territorial
Geocentelha 396
À guisa de
prólogo gostaria de dizer que tem o geólogo provavelmente um dos currículos
mais adequados à análise territorial porque ele reúne qualificativos do
geógrafo e do engenheiro civil, além dos de outras áreas do conhecimento. Em
relação às ciências materiais básicas, física, química e biologia, a geologia é
uma espécie de superestrutura, apoiada com mais ênfase na primeira, e
decrescente esse apoiamento no sentido da biologia, esta eu diria menos
desenvolvida que o ideal, sua carga nos cursos de geologia, no meu tempo, quase
exclusivamente limitada às necessidades práticas do ensino das rochas
sedimentares. Nossa visão territorial em escala mundial beneficiou-se muito da
geodinâmica global depois daquela idade média do ensino de geologia (anos 50 a
70?) enquanto não se firmava nos corpos docentes a convicção sobre a deriva
continental quanto a seus mecanismos essenciais.
Como aluno na
Escola de Minas, vivi esse período de indecisão e como professor, da área
aplicada à engenharia, já na UFMG, confesso ter admirado e nutrido uma certa
inveja dos melhores alunos daquele tempo já bem versados na tectônica global,
que discutiam com desenvoltura. É por essa altura que se consolida uma
percepção de unidade geográfica dos acidentes geodinâmicos maiores, como o
círculo de fogo do Pacífico e a distribuição das grandes placas. Acho que
poderíamos os geólogos estar obtendo êxito maior em disseminar no seio da sociedade
a percepção da interatividade entre fenômenos territoriais, inclusive da
geodinâmica externa.
Passando a essa
realidade exposta ao nosso olhar comum, resolvo levar-lhes um tema tangível que
podemos levar a essa sociedade desatenta, e daí multiplicá-lo aos milhares para
alcançar o país e o mundo.
Estamos na
vertente esquerda do rio das Velhas, municípios de Ouro Preto e Itabirito,
bacias dos rios Maracujá e Itabirito, que se junta ao Mata Porcos. O Maracujá é
o principal emissário das descargas erosivas das voçorocas de Cachoeira do
Campo, com destino imediato na represa de Rio de Pedras; o Itabirito, emissário
das voçorocas do Bação e de Santo Antônio do Leite, vai encontrar o Velhas
entre Rio de Pedras e Rio Acima. O desastre é visível nessas duas cabeceiras
sob a dupla forma das imensas cavidades de erosão e dos leitos assoreados, isto
se não quisermos incluir nesse desastre primordial a água frequentemente
barrenta dos cursos d’água locais.
Há ainda
desastres menores, pontuais, associados a esse desastre espacial do médio-alto
curso do Velhas, um deles o fato de o assoreamento da represa de Rio de Pedras corresponder
a drástica redução da capacidade de controle de cheias a jusante, implicando participações
distais nos riscos de inundações nas faixas marginais de Rio Acima e Raposos e,
certamente, menos intensos em Sabará e Santa Luzia. Não estou incluindo um
possível fluxo abrasivo afetando o sistema gerador da usina porque não tenho
conhecimento técnico preciso da situação atual.
E no médio curso do São Francisco, a jusante da
foz do Velhas? Vimos, recentemente, o segundo desastre ambiental, no auge da
seca do verão passado, as vísceras vermelhas do pobre rio forradas de pegajosos
depósitos areno-siltosos do assoreamento proveniente dos altos cursos do Velhas
e dos outros, movidos pela energia originada das nascentes sagradinhas, embora
já, e finalmente, admitido na lei 12651/12, Art 3o, inciso XVII o
que segue: “Nascente: afloramento
natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso
d’água”. A exigência de perenidade pode ser o primeiro passo para excluir as
exsudações de voçorocas, pelo menos as jovens, por não serem afloramentos
naturais nem perenes. Assim estaria aberto o caminho para a extinção do
primeiro desastre ambiental, o da erosão. Mas essa correção não seria suficiente
para acabar com o desastre ambiental do assoreamento já no São Francisco, que dificulta
a navegação, a reposição da ictiofauna, e outras dificuldades do rio.
Contando as
nascentes precoces e erosão das voçorocas, um desastre ambiental, mais o
assoreamento do São Francisco, outro desastre ambiental, temos um muito pior:
No conjunto eles formam um desastre territorial, cuja remediação, que governos
não parecem achar necessária, ou possível, é considerar que o assoreamento
linear ao longo do rio é jazida muito bem posicionada para o consumidor
marginal, em centenas de quilômetros de cada lado, assim como o de
reservatórios semelhantes ao do Velhas em Rio de Pedras, ou ao do Carmo em
Furquim, facilmente lavráveis por sifonamento, evitando a implantação de outras
lavras em jazidas novas, além das próprias voçorocas prontas para receberem
resíduos inertes, não perigosos.
Conclusão: O
desastre territorial, geologicamente visível, é mental, da noosfera, é não
querer corrigir, coisa de país fadado à desertificação do trópico úmido, portanto
ainda que não carente de chuvas.
Belo
Horizonte, 22/07/2015
Edézio
Teixeira de Carvalho
Eng.o Geólogo
(Agraciado com a Comenda Ambiental da Estância Hidromineral de São Lourenço em
2015)
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