9 de janeiro de 2017

Geocentelha 396 Desastre Territorial

Desastre territorial
Geocentelha 396

À guisa de prólogo gostaria de dizer que tem o geólogo provavelmente um dos currículos mais adequados à análise territorial porque ele reúne qualificativos do geógrafo e do engenheiro civil, além dos de outras áreas do conhecimento. Em relação às ciências materiais básicas, física, química e biologia, a geologia é uma espécie de superestrutura, apoiada com mais ênfase na primeira, e decrescente esse apoiamento no sentido da biologia, esta eu diria menos desenvolvida que o ideal, sua carga nos cursos de geologia, no meu tempo, quase exclusivamente limitada às necessidades práticas do ensino das rochas sedimentares. Nossa visão territorial em escala mundial beneficiou-se muito da geodinâmica global depois daquela idade média do ensino de geologia (anos 50 a 70?) enquanto não se firmava nos corpos docentes a convicção sobre a deriva continental quanto a seus mecanismos essenciais.
Como aluno na Escola de Minas, vivi esse período de indecisão e como professor, da área aplicada à engenharia, já na UFMG, confesso ter admirado e nutrido uma certa inveja dos melhores alunos daquele tempo já bem versados na tectônica global, que discutiam com desenvoltura. É por essa altura que se consolida uma percepção de unidade geográfica dos acidentes geodinâmicos maiores, como o círculo de fogo do Pacífico e a distribuição das grandes placas. Acho que poderíamos os geólogos estar obtendo êxito maior em disseminar no seio da sociedade a percepção da interatividade entre fenômenos territoriais, inclusive da geodinâmica externa.
Passando a essa realidade exposta ao nosso olhar comum, resolvo levar-lhes um tema tangível que podemos levar a essa sociedade desatenta, e daí multiplicá-lo aos milhares para alcançar o país e o mundo.     
Estamos na vertente esquerda do rio das Velhas, municípios de Ouro Preto e Itabirito, bacias dos rios Maracujá e Itabirito, que se junta ao Mata Porcos. O Maracujá é o principal emissário das descargas erosivas das voçorocas de Cachoeira do Campo, com destino imediato na represa de Rio de Pedras; o Itabirito, emissário das voçorocas do Bação e de Santo Antônio do Leite, vai encontrar o Velhas entre Rio de Pedras e Rio Acima. O desastre é visível nessas duas cabeceiras sob a dupla forma das imensas cavidades de erosão e dos leitos assoreados, isto se não quisermos incluir nesse desastre primordial a água frequentemente barrenta dos cursos d’água locais.
Há ainda desastres menores, pontuais, associados a esse desastre espacial do médio-alto curso do Velhas, um deles o fato de o assoreamento da represa de Rio de Pedras corresponder a drástica redução da capacidade de controle de cheias a jusante, implicando participações distais nos riscos de inundações nas faixas marginais de Rio Acima e Raposos e, certamente, menos intensos em Sabará e Santa Luzia. Não estou incluindo um possível fluxo abrasivo afetando o sistema gerador da usina porque não tenho conhecimento técnico preciso da situação atual.
E no médio curso do São Francisco, a jusante da foz do Velhas? Vimos, recentemente, o segundo desastre ambiental, no auge da seca do verão passado, as vísceras vermelhas do pobre rio forradas de pegajosos depósitos areno-siltosos do assoreamento proveniente dos altos cursos do Velhas e dos outros, movidos pela energia originada das nascentes sagradinhas, embora já, e finalmente, admitido na lei 12651/12, Art 3o, inciso XVII o que segue:  “Nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água”. A exigência de perenidade pode ser o primeiro passo para excluir as exsudações de voçorocas, pelo menos as jovens, por não serem afloramentos naturais nem perenes. Assim estaria aberto o caminho para a extinção do primeiro desastre ambiental, o da erosão. Mas essa correção não seria suficiente para acabar com o desastre ambiental do assoreamento já no São Francisco, que dificulta a navegação, a reposição da ictiofauna, e outras dificuldades do rio.

Contando as nascentes precoces e erosão das voçorocas, um desastre ambiental, mais o assoreamento do São Francisco, outro desastre ambiental, temos um muito pior: No conjunto eles formam um desastre territorial, cuja remediação, que governos não parecem achar necessária, ou possível, é considerar que o assoreamento linear ao longo do rio é jazida muito bem posicionada para o consumidor marginal, em centenas de quilômetros de cada lado, assim como o de reservatórios semelhantes ao do Velhas em Rio de Pedras, ou ao do Carmo em Furquim, facilmente lavráveis por sifonamento, evitando a implantação de outras lavras em jazidas novas, além das próprias voçorocas prontas para receberem resíduos inertes, não perigosos.
Conclusão: O desastre territorial, geologicamente visível, é mental, da noosfera, é não querer corrigir, coisa de país fadado à desertificação do trópico úmido, portanto ainda que não carente de chuvas.
Belo Horizonte, 22/07/2015
Edézio Teixeira de Carvalho
Eng.o Geólogo
 (Agraciado com a Comenda Ambiental da Estância Hidromineral de São Lourenço em 2015)

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